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Do fastio da sacralidade à hora da Revolução

Aépoca em que arrebentou a Revolução Francesa tinha atrás de si uma longa tradição monárquica e aristocrática.

Os fautores da Revolução, antes de semear no povo francês a dificuldade em suportar a imobilidade de uma tradição quase milenar e de abalar a confiança filial que a massa da população depositava nesse edifício da grandeza da França, espalharam uma certa saciedade em relação a todo o requinte da mais delicada e espirituosa das nobrezas, para cujos fastos afluíam admiradores da Europa inteira, de todas as classes sociais. Em alguma medida, até os nobres ficaram fartos disso.

Com efeito, um dos maiores perigos para alma humana é o momento em que a admiração se cansa. Quando o homem é carregado pelas asas do entusiasmo não lhe é difícil voar pelos céus do maravilhoso. Mas quando, pelo contrário, ele sente não partir mais de si aquele dinamismo que o levantava contra as leis da gravidade para sulcar os ares, e se vê obrigado a elevar-se, admirar, amar sem vontade sensível, na aridez, e experimenta essa espécie de tédio moral que a rotina pode causar até em relação às coisas mais magníficas, então lhe é pedido aquele heroísmo do qual dão exemplo os Santos.

Esse fenômeno se passa com todas as instituições e com os governantes em relação aos seus governados. Por essa razão, os dirigentes precisam tomar muito cuidado, pois quando isso acontece, há um peso que faz com que, os entusiasmos morrendo, as oposições alcem voo.

Essa teoria do cansaço explica certos fenômenos da Revolução Francesa. Com muita habilidade, os inimigos da Civilização Cristã souberam difundir a sensação de que aquele requinte era muito bonito, porém antinatural: cadeiras douradas belíssimas, mas incômodas; trajes lindos, preceitos de educação magníficos, mas exigindo um contínuo sacrifício.

Assim, todo aquele esplendor do Ancien Régime estava baseado sobre um grande cansaço. Quando o entusiasmo desaparecia, sentia-se só o enfado. Surgia, então, uma vontade intemperante de desabotoar as roupas, tirar os sapatos, enfim, uma vaga tendência à anarquia.

Em uma sociedade assim cansada de uma série de valores concernentes à civilização, as palavras liberté, égalité e fraternité soavam com tonalidades inebriantes.

Liberdade: para longe tudo quanto nos amarra, constringe, aperta. Queremos ser livres como um bárbaro.

Igualdade: a superioridade nos inspira respeito – esse sentimento sem o qual o mundo é um inferno – que se traduz em reverências e atitudes graves. Isso nos é pesado e nos confina. Acabemos com o respeito! Todos são iguais, não somos obrigados a inclinar a cabeça diante de ninguém. Não admitimos, berramos, quebramos e guilhotinamos quem achar-se superior.

Fraternidade: por sermos iguais, somos irmãos. Desde que se mantenha entre nós a completa igualdade, nos unimos num abraço fraterno no qual não se permite que um supere o outro.

Tal trilogia disseminada nesse ambiente de saturação produziu uma cócega deliciosa de esperanças e vontade de desamarrar, desabotoar, desordenar, ser sujo, abandonar-se à natureza com quanto nela haja como efeito do pecado original. Portanto, um mundo de imundície e ausência de tudo que seja quintessenciado. A barbárie acabou constituindo o desabafo de um povo que levou a civilização até certo ponto, mas não soube equilibrá-la.

Quando se tem Fé, ama-se a sacralidade e sente-se a necessidade dela em tudo, desde a oficina de um trabalhador manual até o palácio de um rei, no alto de cuja coroa quer-se ver a cruz de Cristo, sem a qual o diadema não vale nada; encimado pelo símbolo da Redenção, entretanto, ele se torna sagrado.

Então aparece na alma o equilíbrio que suscita as grandes admirações, os magnânimos devotamentos, os notáveis afetos da fidelidade levada até o martírio.

O que faltava à corte francesa? Uma sacralidade que ela perdera. Essa dessacralização, encantadora à primeira vista, ao cabo de algum tempo sacia e caminha para a morte, conduzida pelos seus próprios chefes.

Luís XVI sorriu ante as primeiras efervescências da Revolução Francesa, as quais se lhe apresentavam em esplêndidos salões palacianos, embaladas, por vezes, ao som argênteo do cravo ou luzindo discretamente nos ambientes e nas cenas bucólicas à maneira do Hameau, uma espécie de aldeia artificial onde Maria Antonieta, vestida de pastora e acompanhada de outras damas da corte, ia tirar leite de vaca, num mundo em que as pastoras já estavam fartas e não queriam saber de rainha. Chegara o momento da Revolução.*

* Cf. Conferência de 1/7/1994.

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