Aqueles que seguem uma Causa de inteira fidelidade à Igreja devem achar normal serem combatidos e, de vez em quando, se levantarem contra eles grandes tempestades. A Providência quer que estes confiem na vitória, apesar de todas as aparências de derrota, de maneira a, mesmo nas piores situações, proclamarem: “Venceremos!” Se, pelos rogos de Nossa Senhora, tivermos essa confiança venceremos nesta vida e voltaremos cada vez com mais força e maior glória.
Toda obra verdadeiramente unida ao espírito da Igreja e, portanto, a Nossa Senhora e a Nosso Senhor Jesus Cristo, encontra oposição e acaba, mais cedo ou mais tarde, suscitando uma perseguição. Não encontramos uma só grande obra na Igreja que tenha existido e se desenvolvido sem ser durissimamente combatida, ora por perseguições externas, ora internas.
Bramido dos maus no Juízo Final
Muitas vezes o demônio ou seus agentes, por meio de intrigas, distorções doutrinárias, armam o braço da própria autoridade eclesiástica contra aqueles que querem fazer o bem dentro da Igreja. É um dos aspectos do mistério da iniquidade. Em evidente, o sofrimento maior é daqueles que são perseguidos pela própria Igreja.
Ser perseguido por uma autoridade comunista é sumamente desagradável, mas não é nada em comparação com ser perseguido por um bispo progressista. Porque a luta contra quem pertence à mesma Santa Igreja Católica Apostólica Romana faz sofrer mais.
Nosso Senhor Jesus Cristo enuncia bem a razão desta luta, quando descreve o Juízo Final. Ele mostra que há a ressurreição dos corpos e, então, todos os homens são julgados na presença uns dos outros. Como a Fé nos ensina, logo ao morrer o homem é sujeito a um Juízo. Este é o Juízo Particular ao qual está presente apenas cada homem e mais ninguém. O Juízo Final é universal e nele Deus não só confirma o julgamento já definitivo, lançado em relação a ele quando morreu, mas faz justiça, glorificando os bons e humilhando os maus.
A justiça pede que uns, tendo sido injustamente ofendidos por outros, sejam glorificados aos olhos dos ofensores, e que estes sejam humilhados aos olhos dos ofendidos. Não basta, portanto, para a justiça ser plena, um juízo particular, mas convém um juízo geral.
Então, no Juízo Final, Deus reunirá a imensidade de todos os homens que viveram e os dividirá em duas categorias: os que estarão à direita d’Ele e os que ficarão à esquerda. Proclamará a vitória dos que se encontram à direita, os quais andaram bem, e os glorificará. E do lado dos que procederam mal haverá um bramido: “Nós supúnhamos que a vida deles, tudo quanto faziam, fosse uma loucura. E vemos agora que a glória está do lado deles.” Não é um ato de justiça por parte dos maus porque já estão perdidos, são precitos e, portanto, incapazes de um ato de justiça. É um ato de ódio, de revolta, de cólera inútil, como são as cóleras do demônio, mas de cólera completa. Vão manifestar a razão da raiva deles em relação aos bons. É que os bons tinham uma mentalidade, um estilo, um sistema de viver, que para eles era uma loucura e por isso os odiavam, perseguiam. Daí a inconformidade deles vendo que os bons são os premiados por Deus.
Quando uma obra católica não é combatida começa sua decadência
Ora, essa cólera dos maus em relação aos bons dá-se nesta vida. E o corolário dela é que, de vez em quando, os maus se ligam e se atiram contra os bons.
Por isso mesmo, o sinal de que uma obra católica está morrendo não é quando diminui o número de seus membros, perde o dinheiro, entra num regime de ostracismo em que ninguém fala mal dela, é muito combatida por outros; nada disso quer dizer que ela vai mal. Uma obra vai mal quando não é mais combatida, eis o sinal certo de decadência. Ela pode ser rica, ter muitos membros, muita influência, o que for; a partir do momento em que não é mais combatida, deixa de ser o que era e se torna um cadáver em início de decomposição.
Vemos isso com todas as Ordens Religiosas: no período do apogeu, combatidas, na época da decadência, não.
É um mistério esse ódio. Tomemos como exemplo os homens que Deus chamou para um tipo de atividade pela qual se diria não ser possível alguém odiá-los: Dom Bosco. Ele educava meninos pobres. A quem isso pode causar cólera? Ele publicava folhetos de propaganda antiprotestante porque havia uma certa infiltração deles em determinada parte do Norte da Itália. Eram folhetos puramente doutrinários, que não combatiam ninguém. Mas de tal maneira há ódio contra os bons, que Dom Bosco sofreu várias tentativas de assassinato. E a sua vocação não era a de combater e suscitar ódio. Pelo contrário, ele era um santo risonho, afável, com uma vocação toda especial, brilhante e radiante naquela doçura salesiana. Por aí se vê como os maus odiariam os bons, mesmo quando estes não os atacassem.
O católico vara a procela, não entrega os pontos
Como corolário, aqueles que seguem uma Causa de inteira fidelidade à Igreja devem achar normal serem combatidos e, de vez em quando, se levantarem contra eles grandes tempestades, durante as quais precisam saber agir como bons marinheiros. Devem saber evitar a tempestade, porque se um navegante, podendo passar ao lado da tormenta, quiser se meter dentro dela será um cretino. Ele precisa, portanto, saber evitar todos os episódios que podem dar numa luta inútil, não deve provocar nas ocasiões em que a prudência manda o contrário. Mas se a tempestade o cerca, ele precisa saber enfrentá-la, sendo grande na coragem, como antes o foi na prudência.
O primeiro elemento da coragem na tempestade é a confiança em Maria Santíssima, a compenetração de que toda provação que assalta uma obra verdadeiramente católica existe na medida em que Ela permita. Podem os inimigos ter a força e a importância que tiverem, no momento em que Nossa Senhora faça aceno com o dedo cessa tudo.
Logo, a primeira medida a ser tomada em período de tempestade é rezar, compreendendo que quando nossas orações tiverem aplacado o Céu a borrasca acaba mesmo.
É o que se vê no episódio narrado no Evangelho no qual Nosso Senhor está dormindo na barca durante uma terrível procela. Quando Ele acorda, ordena à tempestade que se aplaque. Todos comentaram: “Quem é esse a quem os ventos e os mares obedecem?” (Lc 8, 25).
Nós podemos dizer: “Os ventos e os mares obedecem a Ela. Portanto, a primeira providência é pedirmos à Santíssima Virgem que afaste as tempestades afastáveis. As que não o forem Ela abrevie. Quando não forem nem afastáveis nem abreviáveis, Ela nos dê forças para sustentar. Mas o católico vara a procela, não entrega os pontos, não defecciona.
Devemos mover a Deus pelos rogos de Maria
São Luís Grignion de Montfort desenvolve um pensamento a propósito das associações de devoção a Nossa Senhora por ele fundadas, advertindo as pessoas consagradas como escravas à Santíssima Virgem de que, como verdadeiros amigos da Cruz, sofreriam perseguições tremendas.
Depois de mostrar os prêmios reservados a quem é perseguido por amor a Nosso Senhor, ele diz:
São esses caros e pequenos batalhões de Maria objeto das promessas admiráveis que Deus nos faz pela boca do Profeta, se vós pondes por meio de Maria toda a confiança n’Ele. Sendo como sois pessoas que se entregam completamente à Providência, quer dizer, a Deus, para vos sustentar e vos multiplicar e para vos dizer: crescei e multiplicai-vos e enchei a Terra, não tende medo por causa de vosso pequeno número. Incumbe a Deus defender-vos. Não tende medo de vossos adversários. Incumbe a Deus nutrir-vos, vestir-vos, entreter-vos. Não tende, portanto, medo de faltar com o necessário nesses maus tempos, que não são maus senão porque temos pouca confiança em Deus. É a vosso Deus que toca glorificar-vos. Não temais que vossa glória vos seja roubada. Em uma palavra, nada temais e dormi em segurança, sobre o seu seio paterno.
Essas palavras muito bonitas são antes de tudo uma aplicação genial do conselho, da ordem que Nosso Senhor deu à Adão e Eva: “Crescei e multiplicai-vos, e enchei toda a Terra”. (cf. Gn 1, 22). Se as pessoas que lutam põem verdadeiramente a sua confiança em Nossa Senhora, também elas crescerão, se multiplicarão, e encherão a Terra inteira.
Nós, devotos e escravos de Maria, se tivermos n’Ela a confiança que devemos ter, cresceremos, nos multiplicaremos e encheremos toda a Terra.
Todos nós somos servidores que Nossa Senhora utiliza porque quis, pois poderia realizar sua obra sem ninguém ou com outras pessoas. Portanto, Ela Se serve de nós por compaixão, por condescendência para conosco, é uma honra que não merecemos.
Assim, devemos compreender antes de tudo nossa necessidade de, pelos rogos de Maria, mover a Deus a que Ele queira intervir. O Criador deseja ser posto em movimento – se assim se pode dizer – pela nossa oração. Ele próprio recomendou isso diversas vezes: “Pedi e vos será dado, batei e ser-vos-á aberto!” (Lc 11, 9). É preciso ser insistente, pedir muito, compreendendo que a primeira circunstância para que eu possa vencer é Deus querer que eu vença. E o primeiro fator para que o Criador queira que eu vença é rezar. E para orar a fim de que Ele queira que eu vença, preciso de uma proteção por onde Nossa Senhora me lembre de pedir a Deus.
Como o tungstênio e a corrente elétrica
É, pois, no plano estritamente sobrenatural que se trava a nossa primeira e grande batalha. Se formos pessoas unidas a Deus, tivermos o espírito da Igreja, a quem Nosso Senhor possa dizer: “Vossas cogitações e vossas vias são as minhas”, então contagiaremos os outros com o nosso entusiasmo e venceremos.
Entretanto precisamos compreender que a vitória vem através de nós, mas não somos nada. Para Deus somos menos do que uma lâmpada elétrica é para a iluminação de uma sala. O que vale uma lâmpada sem eletricidade? Nada. Pode ser a luminária mais possante e extraordinária que jamais se tenha fabricado; se uma corrente elétrica não percorrer o tungstênio, não tem nenhuma utilidade. O tungstênio que compõe o filamento da lâmpada é, de si, um metal apagado, vil. O que o faz brilhar e emitir luz é uma força que circula através dele.
Imaginemos que os componentes de uma lâmpada pudessem pensar, e o tungstênio dissesse ao globo leitoso:
— Veja como eu sou luminoso.
O vidro responderia:
— Idiota, você não vê que a luz vem de mim?
— Cretino, você não percebe que eu é que sou brilhante? – replicaria o tungstênio.
A eletricidade cortaria o seu curso e diria:
— Idiotas, vejam do que vocês valem sem mim…
E a sala ficaria no escuro.
Pois bem, em relação a Deus nós somos um pouco como o tungstênio na lâmpada. Brilhamos na medida em que a graça entra em nós.
Então, nossa atitude primordial é compreender o papel fundamental de Nossa Senhora como transmissora das graças vindas de Nosso Senhor Jesus Cristo, a necessidade de pôr toda a nossa confiança n’Ela.
Nunca um autêntico apóstolo fracassa
É preciso ter isso em vista na hora dos nossos sucessos e insucessos. No momento dos sucessos, para não ficarmos vaidosos pensando: “Está vendo que conferência eu fiz? Aquele trecho como foi bem achado! Até fulano, que costuma dormir, abriu um meio olho…” É o grande triunfo do orgulhoso.
Do que vale isso? Nada. Se a conferência produziu algum bem foi porque Nossa Senhora condescendeu em fazer passar por aquele “filamento” a “eletricidade”, ou seja, uma graça.
Na hora dos insucessos, para nos perguntarmos: “Rezei como deveria? Eu estava bem compenetrado de que o sucesso seria obtido principalmente por causa d’Ela, pedindo-Lhe que me ajudasse? Se não estava, meu insucesso não me deve espantar porque cortei a ‘corrente elétrica’”.
Há, contudo, uma situação mais sutil e delicada a ser considerada. É a confiança em outro sentido. Se desejo andar bem, rezo para ser um apóstolo fiel e que o meu apostolado tome o rumo certo, por maiores que sejam as derrotas que eu possa sofrer, Nossa Senhora fará com que os desígnios que Ela tenha a meu respeito se realizem.
Nunca um autêntico apóstolo, um verdadeiro Santo, fracassa, apesar das aparências contrárias.
São Luís Grignion, o verdadeiro autor da guerra da Vendée
Temos disso um bonito exemplo na vida de São Luís Maria Grignion de Montfort. Qual foi, afinal de contas, a obra desse tão grande Santo? Simples padre, ele jamais ocupou um lugar importante, nunca teve uma influência grande sobre qualquer pessoa verdadeiramente decisiva na França. Viveu sempre de esmolas, empurrado de um lado para outro. Certa vez, hospedou-se num convento de uma grande Ordem religiosa onde lhe deram um pouco de comida, mas o trataram tão mal que ele teve esse comentário: “Nunca pensei que fosse possível, numa casa de padres, tratarem tão mal a um padre!”
São Luís organizou peregrinações e, quando erigiu o famoso Calvário de Pontchâteau, Luís XIV mandou destruí-lo. Quase todos os bispos da França lhe proibiram de usar a palavra nas suas dioceses, com exceção de duas. Quando morreu, tinha nas mãos algo que era ao mesmo tempo tudo e nada: multidão de camponeses esparsa, sem influência e desorganizada, a quem ele pregara a devoção a Nossa Senhora. Ele faleceu, na aparência, derrotado.
Entretanto, o verdadeiro autor da guerra da Vendée foi ele, pois se essa região se levantou contra os crimes da Revolução Francesa isso se deveu ao fato de ter sido a que mais conservou o fervor religioso, por causa da pregação de São Luís Grignion. A História da França e do mundo seriam outras se não tivesse havido a guerra da Vendée.
Fomos suscitados para vencer nesta Terra
Santa Teresinha do Menino Jesus, nas vésperas de sua morte, ouviu umas freiras comentarem na cozinha, perto do quarto dela: “Nossa irmã Teresa do Menino Jesus está muito mal. Daqui a pouco vai morrer. Eu quero saber o que a nossa Superiora vai contar a respeito dela, na crônica do convento. Ela não fez nada.”
Aparentemente, Santa Teresinha não fez nada, mas foi só ela morrer para iniciar aquilo que poderíamos chamar a grande reconquista de Santa Teresinha. No último minuto da vida, ela teve um êxtase e se levantou, toda transfigurada de alegria, e caiu morta. Em seguida, um perfume de violetas invadiu todo o convento. Já com as cerimônias fúnebres começaram as curas e os milagres. Era o início da glorificação dela e de toda a sua obra espiritual dentro da Igreja. Na aparência derrotada, mas vitoriosa.
São Luís Grignion e Santa Teresinha morreram sem se lamentar, certos de cumprirem o que Deus queria deles, confiando até o fim. Eis a confiança que devemos ter.
Essa confiança tem um matiz mais delicado. Às vezes, a certas almas a Providência fala por imponderáveis: “Vocês não foram suscitados para serem esmagados, mas a fim de vencerem nesta Terra. E, no auge da luta, não devem apenas oferecê-la pela expiação dos pecados, mas confiar em que vencerão. E não serão fiéis se duvidarem, porque para vocês essa é a missão especial.”
É preciso saber ouvir essa voz interior da graça e confiar contra toda expectativa, dizendo: De outros Deus quis que aceitassem a derrota. Eu a aceitaria de bom grado se esta fosse a parte que me coubesse. Porém a Providência quer que confie na vitória, apesar de todas as aparências de derrota, de maneira a, mesmo nas piores situações, proclamar: Eu vencerei e voltarei!
Se confiarmos assim venceremos nesta vida e voltaremos cada vez com mais força e maior glória. A coisa mais perigosa para o nosso adversário é procurar nos esmagar. Porque sempre que ele tem feito isto, logo depois sai reduzido ao mínimo e a nós multiplicados por nós mesmos.
(Extraído de conferência de 23/10/1971)