Gabriel K.

Profundamente encantado, Dr. Plinio tece belas considerações a respeito do espírito medieval impregnado nas muralhas de Ávila, descrevendo seus múltiplos aspectos bélicos e artísticos, quase como que discernindo a alma dessa histórica cidade.

Ávila, na Espanha, é a cidade onde nasceu a grande Santa Teresa de Jesus. Ali ela fundou o seu principal convento e nele está sepultada.

Choniron (CC3.0)

Síntese celeste entre a guerra e a paz

Vejam a maravilha de uma cidade pequena dominada por uma imponente construção; poderá ser uma fortaleza, uma igreja ou um mosteiro. É muito agradável ver o contraste entre o casario que dorme, lembrando uma vida calma, tranquila, pacata, séria, sem as excitações da vida contemporânea, mas, ao mesmo tempo, cheia de bonomia, protegida por uma muralha magnificamente iluminada, onde a beleza do gótico e do medieval se nota por inteiro.

Flávio Lourenço

A iluminação faz sentir muito a força da muralha e qualquer coisa de épico, de heroico que há dentro disso. Nós imaginamos de bom grado essa muralha guarnecida por guerreiros com couraças e elmos, com estandartes e instrumentos musicais, postados ali para homenagear algum personagem ilustre ou para receber na ponta da lança os adversários que pretendam tomar Ávila. Essas muralhas falam da beleza, firmeza de alma, coerência, seriedade e sacralidade. Tudo isso está ali representado de um modo magnífico. Em suma, é a Idade Média.

Alguém perguntará: “Mas por que há tanta harmonia nisso?” Porque ali se encontram a guerra e o direito, ou seja, a legítima defesa de uma população que na guerra é protegida, pois suas muralhas a amparam, e por isso, pode dormir tranquila. A muralha assegura o sono, como o guerreiro garante a ordem, o direito e a paz. É algo esplendoroso!

Alguém poderá questionar: “Está bem, Dr. Plinio, mas essa fotografia apresenta uma realidade ou ela é um pouco à Claude Lorrain?”

É preciso notar que essa fortificação foi construída com a preocupação exclusiva da estratégia. A distância entre os muros não visa apenas a beleza, mas permitir que o adversário seja atingido por três lados quando queira atacar o intervalo entre dois torreões.

A torre é muito mais forte do que o muro e se defende por si mesma. Seu feitio redondo contribui para dispersar o adversário. O muro, que é mais fraco, fica defendido pelas duas torres. As diferentes distâncias e alturas das muralhas são calculadas para opor resistência aos projéteis lançados. Portanto, tudo planejado de modo estrito, de acordo com o necessário. Tem-se a impressão de que cada torre é uma garra que segura o monte e que domina a terra.

Entretanto, essas muralhas, que abrangem o povoado como uma cintura, têm uma inegável beleza. O que há nisso, então, de ideal? É estritamente real, mas tem qualquer coisa de celeste. Há algo nessa síntese entre a guerra e a paz, o direito e a luta, o repouso e a batalha, que nos deixa maravilhados. É a Idade Média em todo o seu esplendor.

M.Peinado (CC3.0)
Elena F D (CC3.0)
Flávio Lourenço

Profundo senso de defesa

Notem a solidez dessa porta de Ávila! Como é robusta e como a entrada estava bem protegida! Havia duas torres que guarneciam a passagem. Quem conseguisse entrar debaixo de uma chuva de pedras e azeite fervendo, esbarraria com a porta interna. E ali já havia outro passadiço para jogar flechas e pedras sobre quem atravessava. Ademais, a certa altura, havia também um patamar de onde, quando o adversário passava, descia uma grade e ele ficava encurralado, impossibilitando-o de voltar para trás. E aí levava uma pancadaria grossa.

Flávio Aliança

Nesses aspectos se traduz o senso de defesa que eles possuíam. Tudo tático, entretanto, que maravilha! Quando o defensor da cidade jogava uma flecha da parte superior, escondia-se atrás de uma dessas ameias para não ser atingido pelo invasor que respondia de baixo com outra flecha. Ao perceber que o de baixo estava desprotegido, lá vinha outra flechada de cima. Nas torres antigas havia seteiras por onde também podiam jogar projéteis sobre o agressor. De maneira que era árduo agredir uma cidade assim.

Em outra fotografia vê-se uma bonita vegetação, o chão está bem cuidado, o canteiro realça a beleza da muralha, e há até um pequeno monumento acrescentado no século passado ou neste século. Não podia faltar o poste de iluminação pública. Mas como ele é bonitinho em comparação com esses pontos “dinossáuricos” que estão sendo instalados hoje em dia com luz de mercúrio. Ali não. Como é bem proporcionado; é quase um escrínio dentro do qual ainda se encontra, talvez, iluminação a gás.

Há também um edifício que mais parece uma fortificação central do que uma igreja, com as suas torres pontudas, e o alto das torres formando uma massa de defesa. Quando essas torres e muralhas eram forçadas, toda a população se aninhava ali, e do outro lado continuava a batalha à espera dos aliados que eram chamados por meio dos pombos correios para correrem em auxílio dos sitiados.

Vê-se em uma das fotografias um monumento do tempo dos romanos, ainda no estilo clássico, que foi deixado lá e tem muita elegância e leveza. Devia ser provavelmente um templo pagão. Onde outrora houve um altar pagão, hoje se encontra um altar erguido em honra da Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Magnífica afirmação do triunfo da Cruz sobre o paganismo. Os antigos sustentavam que o paganismo nunca poderia ser destruído. Pois bem, sua carcaça serve hoje para realçar o esplendor da Cruz.

Gabriel K.
Gabriel K.
Gabriel K.
Gabriel K.
Pedro Henrique Ponchio (CC3.0)

Contradição entre o antigo e o moderno

Em Ávila encontra-se a Basílica de São Vicente, cuja arquitetura remonta ao estilo românico. Nota-se nos arcos das janelas algo já de ogival e, portanto, gótico, embora o acabado do teto não o seja. É um estilo de transição, muito bonito e variado. Distinguem-se muito bem as três partes do edifício.

A iluminação também está muito bem feita. Quem a concebeu teve a boa ideia de iluminar o interior da galeria, causando no espectador uma espécie de atração e dando-lhe vontade de entrar.

Por outro lado, os automóveis são como trambolhos que enfeiam a praça, deixando o moderno completamente sem face diante do antigo. Quando se justapõem elementos antigos, por mais distantes que sejam as épocas a que pertencem, eles não entram em contradição. É o caso, por exemplo, das casas que circundam a basílica. Parecem ser de uma idade indefinida. São, por certo, velhas, e chegam a atingir uma idade na qual não se sabe se tiveram juventude. Estão entre o provisório e a eternidade.

Entretanto, a contradição entre a praça e os automóveis é aberrante. Já não causaria estranheza imaginar ali carros puxados a cavalo, ainda que fossem do século passado. É a contradição do moderno com todo o passado.

Aspectos vários do ambiente e das construções

Uma das fotografias nos mostra uma ponte sobre um rio. Não se trata dessas pontes atuais feitas de concreto e asfalto, fininhas e suportando dinossauros. É uma ponte que transmite confiança, com pilastras bonitas e robustas fincadas no fundo do rio; arcos harmônicos feitos com uma pedraria nobre, sólida e leal. Tudo isso sustenta e dá forma à ponte.

No interior da cidade vê-se uma praça pública com um jardinzinho provincial, ingênuo, bonitinho; até parece ter sido feita para crianças brincarem, senhoras idosas fazerem tricô, homens aposentados lerem o jornal e comentarem as notícias do dia, mais as de Ávila do que as do mundo.

O prédio da Prefeitura é muito engraçadinho e proporcionado. É um encanto o sino usado para dar os avisos municipais. Trata-se de um palacinho com janelas muito dignas, muito compostas flanqueando por duas torres.

Contraste harmônico entre austeridade e riqueza

A fachada principal do convento de Santa Teresa é uma verdadeira beleza! Tem uma característica muito frequente em edifícios espanhóis e que eu acho linda: as laterais bem simples, enquanto a parte central muito rica. Esse contraste entre a austeridade e a riqueza dá uma nobreza excepcional.

O corpo central se compõe de uma cruz no topo de um triângulo, no meio do qual há uma esfera. Duas janelas ladeiam um brasão, abaixo do qual há uma grande janela seguida da imagem de Santa Teresa, ambas rodeadas por brasões. Por fim, as portas da igreja. Tudo isso forma uma linha central muito rica, enquanto as duas laterais são menos ricas, mas constituem um todo sólido, sério e solene.

Dignidade, distinção e disposição para a luta. Assim como as muralhas, também a igreja e as residências têm qualquer coisa de guerreiro, é admirável!

(Extraído de conferência de 27/5/1972)