Mateus S.

Na Terra, o homem não vive só para gozar, mas, sobretudo, para ser herói e ter uma alma capaz de grandes arrojos. Para isso a Providência aliou o prático ao belo na Criação, e assim supriu as necessidades corporais e espirituais do homem, a fim de que ele pudesse estar sempre convidado a atingir o Paraíso Celeste.

Em meados do século XX, a ideia de arte que entrava na arquitetura conjugava alguns elementos: o máximo de uniformidade e simplicidade, com cores inexpressivas, visando principalmente o aspecto funcional, tetos baixos, linhas retas, preponderando a figura geométrica do quadrado.

Decorrem daí dois movimentos, duas tendências: o prático, o funcional, o simples e o econômico, contra o artístico, o elegante e o leve. O prático achata. O elegante eleva.

O prático para o corpo e o belo para a alma

Ora, o conflito dessas tendências, que relação tem com a doutrina da Igreja e com a luta entre a Revolução e a Contra-Revolução? A tese a desenvolver é: não há um conflito verdadeiro entre o prático e o belo, mas é algo criado pela Revolução para produzir no homem um efeito que daqui a pouco explicarei. Na realidade, esse conflito é falso e deixa o homem desnorteado, pois ele precisa de coisas práticas para viver. Ninguém pode viver num mundo só de beleza, respirando apenas arte e poesia.

J.P. ramos; Hugo Naves

Quando Nosso Senhor disse “Não só de pão vive o homem” (Mt 4, 4), Ele afirmou de modo implícito ser o pão também indispensável. E a experiência de todos os dias o torna evidente. O econômico, o viável, o exequível, o prático, portanto, corresponde a uma necessidade imperativa; o útil, inclusive, é um dos valores da ordem do universo.

O princípio, então, é o seguinte: o homem precisa do prático para o corpo, mas precisa do belo para a alma, pois ela não come pão nem respira oxigênio. O ser humano não é apenas, como se costuma dizer, um conjunto de alma e corpo, como se fossem dois valores de igual alcance, justapostos na constituição de um mesmo indivíduo. O elemento principal do homem é a alma e o corpo existe para servi-la. A alma humana deseja a verdade e a beleza, porque foi criada à imagem e semelhança de Deus, Ele é a Verdade e a Beleza infinitas. Por isso, o Criador encheu sua Obra destes dois predicados para que a alma humana, amando na Terra esses dois atributos, se tornasse, ela mesma, autora de pensamentos verdadeiros e de realizações belas…

Duas descendências opostas do espírito humano

Eu chamo as obras do engenho humano de “netas de Deus”, porque a alma humana é filha, mas o que ela engendra pode ser considerado como um neto do Criador. O homem, engendrando as “netas” de Deus, as verdadeiras obras de arte, prepara-se para o momento de comparecer diante d’Ele, a Eterna Verdade e a Eterna Beleza; e, voando de entusiasmo em relação a Ele, o espírito humano quase poderia compor a seguinte oração:

Luis Samuel; Tomas T.

Meu Deus, durante minha vida inteira procurei a beleza e a verdade, sabendo que só as encontraria em Vós, pois só contemplando-vos face a face as poderia conhecer! Entretanto, posso afirmar: encontrei-as na Santa Igreja Católica Apostólica Romana! Mas, por santa e bela que fosse a vossa Igreja, vossa Esposa, Vós éreis, ó Senhor, não apenas o Deus da verdade e da beleza, mas éreis tudo isso em essência, em grau inimaginável e insondável. Minha alma agora vos deseja encontrar, Justo Juiz, Vós sois a minha recompensa demasiadamente grande!

A Revolução quer eliminar isso da vida, pondo-nos a alternativa:

Brazil Ocean, Säo Paulo Litoral

— Escolhei: O prático ou a beleza; em matéria de verdade fique apenas a pequena verdade terra-a-terra das ciências úteis. O resto é velharia.

A isso nós podemos responder:

— Não! O resto é tradição, é eternidade!

Brazil-Ocean-Sao_Paulo-Litoral

Explicarei agora o prático e o verdadeiro na obra de Deus, para vermos depois como a Revolução a desfigura, engendrando realizações netas do demônio. Porque se é filho do demônio todo aquele que faz a obra da Revolução, aquilo engendrado por ele é neto do demônio. Veremos, portanto, duas descendências: Aos pés da Virgem, os filhos d’Ela; e as obras da serpente. Contemplaremos o sorriso de Deus, e a maldição de Deus.

 

Um reflexo do prático e belo plasmado por Deus na Criação

Vemos em uma das ilustrações um lindo espetáculo da natureza, diretamente criado por Deus: o litoral, o mar. Essa massa líquida enorme se move bem próxima à praia umedecendo a areia, mas não alcança a areia mais distante. Algumas ondas parecem dar a impressão de serem enormes, trazendo um vagalhão colossal, mas são pequenas. Elas são de uma tal beleza, repetem em ponto pequeno, gracioso e encantador, toda a majestade e toda a grandeza das coisas enormes.

Se nós imaginássemos um homem pequenininho colocado em presença dessas ondas, seria uma tragédia. Mas que linda tragédia enfrentar uma espuma tão bela, tão banhada pelo Sol, e vista nas culminâncias, quase se diria ser uma espuma de luz. Por detrás, a massa d’água parece mais um tecido, um cetim maravilhoso, com movimentos diversos, plácida no fundo, aproxima-se mais movediça e cheia de Sol. No raso fica um pouco agitada, para morrer de modo manso no contato com a terra. Tudo isso é lindo e tão artístico! Bem poderíamos imaginar, do fundo daquele Sol invisível e daquele litoral, uma estrada de luz, e Nossa Senhora vindo, caminhando sobre as águas nessa estrada de luz. Que maravilha!

Contemplem esse dourado. Nosso Senhor diz no Evangelho: Nem Salomão, com toda a sua glória, vestiu-se como os lírios do campo (cf. Mt 6, 28-29). Eu lhes pergunto: Que potentado, em toda a sua glória, vestiu-se com um tecido parecido à “seda” desse mar?

Pois bem, esse é o mar profundamente funcional, sem cujo movimento e influência no equilíbrio do universo, todo o desenvolvimento da Terra seria impossível; ele é um viveiro enorme de uma quantidade incontável de bens preciosos para o homem, desde peixes úteis para a alimentação humana, até o tão precioso petróleo, que a humanidade começa a adorar… Tudo se encontra no mar, e se encontra em tal quantidade, que alguns técnicos da UNESCO chegaram a afirmar que as riquezas havidas na terra são menores do que as existentes para o homem no mar. Vejam como tudo isso é belo, e ao mesmo tempo prático. Essa é a sabedoria de Deus!

Não há dúvida: a água é uma das mais belas criaturas de Deus! É bela em todos os seus aspectos, inclusive quando espumante, dir-se-ia que atingiu o auge de sua beleza; é maravilhosa! Também é bela quando a vemos plácida, quase parada, esgueirando-se num longo serpentear, refletindo o céu de um modo tão admirável, parecendo mais bonito visto dentro d’água. É uma verdadeira beleza!

Quanto capricho e fantasia nessa linha que nenhum dedo humano traçou! Que utilidade enorme! Toda a vegetação da paisagem, brilhando e vicejando à luz do Sol, existe por causa da água. Imaginem que essa água não existisse ou não chovesse nessas redondezas, com certeza teríamos o deserto do Saara. A alegria, a fecundidade e a beleza da terra vêm do contato com a água. Água plácida e bela, mais parece uma laje de pedra preciosa feita para um rei ou para uma princesa caminhar. Água prática e útil, que maravilha de Deus!

Joäo C. V. Villa

Bens do espírito aliados aos bens do corpo

As obras de Deus são muito variadas. Às vezes elas têm um ímpeto extraordinário como o trovão, ou uma avalanche caindo, ou até as ondas do mar num maremoto. Outras vezes elas são tranquilas e plácidas. Nessa paisagem, por exemplo, há um rio. Ele não tem nenhuma pressa de chegar até a embocadura, vai escorrendo tranquilamente, quase que brincando com a terra. Ele tende para um lado, mas a terra lhe impõe obstáculo, então sorri e ladeia sem pressa, e continua para o outro lado. Há a imensa mata verde atrapalhando o curso do rio… Que bonita península!

Como seria interessante imaginar se aqui, junto a esse pequeno bosque refrigerante, houvesse uma casa agradável, toda cercada de água e de terra fecunda, num ambiente prático feito por Deus para o homem. Como seria bom morar ali! E não perto de uma rodoviária feita pelos homens. Quanta beleza Deus quis que tivessem as coisas práticas. Como o corpo é bem atendido nesse lugar! É possível que nesse rio haja peixes.

Essa terra dá tudo. É terra do Brasil, da qual disse Pero Vaz de Caminha, escrevendo ao rei D. Manuel, na primeira reportagem feita sobre o Brasil: “Essa terra, senhor, é dadivosa e boa; e nela, em se plantando, tudo dá”.

Aqui está a terra dadivosa e boa, a água formosa e o suave movimento de colinas, feitos para o homem sorrir um pouquinho. Ali desponta uma planta que retém os raios do Sol e parece feita de luz, para os homens pensarem como o este astro é belo. As nuvens se miram sobre a superfície tranquila da água. Dir-se-ia que elas se espantam com sua própria formosura refletida na água.

Bens do espírito ao lado dos bens do corpo. Como a Providência soube aliar o prático ao belo, de tal maneira que a primeira coisa notada pelo o homem é o belo e sorri encantado. E tudo isso nós temos nesta Terra de exílio. Imaginem o que seria o Paraíso Terrestre. Imaginem, sobretudo, como será esse lugar incomparável, o Paraíso Celeste!

Ambiente que convida a alma para a contemplação

Nessa fotografia a natureza é europeia e, portanto, bem diversa da nossa. Encontramos no alto desse monte uma pirâmide, não feita por algum faraó, mas feita por gigantescos movimentos da crosta terrestre, em épocas incalculáveis. Vejam a beleza do jogo de luzes nesse panorama! Aquela luz prateada, discreta, se concentra na encosta gelada desse pico de morro, parecendo iluminar toda a parte nevada. Depois, um verde denso e profundo desemboca num abismo escuro. Não. A luz desce e é condensada por essa névoa ligeira refletida em vários pontos, e traz para junto do homem todos os esplendores desse pico inacessível.

Joäo C. V. Villa
Paisaje - Chile
Joäo C. V. Villa

Novamente aparece a água. Desta vez corre compacta, caudalosa, serena, frígida, quase tanto quanto o pico desse morro. Todo o panorama é feito de alturas. As próprias árvores parecem píncaros vegetais tendentes a subir e a se comparar com o píncaro mineral. Elas são graciosas e leves para compensar o maciço da montanha. Porém, veio o frio e a árvore perdeu suas folhas, que aos poucos começam a renascer. A árvore demonstra aí toda sua beleza e delicadeza extrema, mas também força, luz brilhante e radiosa; obscuridade, ambas convidam à contemplação recolhida e séria. Águas que indicam o passar contínuo de todas as coisas terrenas. É a frase da Escritura: Sic transit gloria mundi!1

As grandes luzes estão nos píncaros da fé

As grandezas desta Terra escoam como a água, mas só Deus é eterno. Deus está representado naquele monte, que nunca muda, é sempre o mesmo. O rio da História passa, os homens passam. Deus, no mais alto de sua glória e de sua luz, continua intacto. É uma verdadeira lição de religião, de harmonia de virtudes: delicadeza e força, pureza, recolhimento, esplendor, sabedoria, tudo reunido nesses ambientes. Habitável para o homem; deleitável. Não há quem não gostaria de morar lá perto num chalé bem agasalhado, vendo essa natureza frígida, mas saudável, e se nutrindo dos seus frutos e criações. Prático e belo!

Viccente T.B / Rodrigo C.B.

Ora, diante desses grandes panoramas o homem acaba por ser desafiado: “Você tem coragem de subir?” Veja as pedras escorregadias! Que caminhos resvaladios e difíceis! O desafio está na atração. Não há quem não sinta vontade de chegar até o alto, de se banhar nessa luz e ficar imerso nela. Quanta energia é preciso!

Grande lição moral: realmente, as grandes luzes estão nos píncaros da virtude, da fé e da sabedoria. Mas é preciso força para galgar esses píncaros. Diz Nosso Senhor no Evangelho: “O Reino dos Céus é arrebatado à força e são os violentos que o conquistam” (Mt 11, 12). Aqui é o alto desse panorama. Ele convida os violentos às grandes ascensões, aos grandes feitos. Na Terra, o homem não vive só para gozar. Ele vive para ser herói, para ter uma alma capaz de grandes coisas.

De outro lado, quanta coisa prática tem aí! Alguém me dirá:

Marcus Ramos / Viccente T. Marques

 

— Não vejo. Nessas plantinhas que talvez um gado coma? O que há de prático em tudo isso?

Imaginem a Terra sem montes, é evidente que todo o seu equilíbrio se prejudicaria. Essas montanhas enormes, são colunas do equilíbrio terrestre.

O que dizer? Parece um conto de fadas como o da “Alice no país das maravilhas”. Nós achamos tão apetecível essa neve, dá vontade de pegar uma colher e comê-la. Tão simpático esse caminho, pensamos num trenó e numas renas para correr por ele velozmente. Mas, depois disso, quem não teria a tristeza de não poder chegar até um píncaro desses? Esse, um píncaro acima de muitos outros que já foram atingidos por ascensões penosas, e que convida a outras ainda mais arriscadas. E os montes, postos uns em cima dos outros, banham o azul profundo que nos fala no céu de todos os ideais.

Há um trecho da Escritura, aplicado a Nossa Senhora, que diz “Mons domus Domini in vertice montium, et elevabitur super colles” (Is 2, 2) – a montanha da casa do Senhor será colocada no cume das montanhas e se elevará sobre as colinas. Ali está Nossa Senhora: mais virginal, mais nívea, mais pura do que tudo o que se possa imaginar. Ali estão os outros Santos da Igreja Católica: alvos, brilhantes, altos, mas nenhum deles chega até Maria Santíssima. Por cima d’Ela, apenas está Deus, representado por esse céu de anil criado por Ele mesmo, para nos dizer que está por detrás e só na outra vida O atingiremos.

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 10/2/1974)

1) Do latim: Assim passa a glória do mundo.