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Ressurreição e Fátima

Depois dos castigos preditos pela Virgem em Fátima, durante os quais possivelmente fiquemos como Nosso Senhor na Paixão – perseguidos, torturados, cobertos das chagas da dor do alto da cabeça até as plantas dos pés –, haverá o momento radioso em que a promessa de Nossa Senhora se cumprirá. Chegará o dia no qual os Anjos nos dirão: “Já não há mais tristeza nem sofrimento para vós. Regozijai-vos porque o Imaculado Coração de Maria triunfou!”

Na Páscoa da Ressurreição, a Santa Igreja celebra o triunfo definitivo do Redentor sobre a morte e o pecado, e afirma solenemente que, ressuscitado, Cristo vive por todos os séculos, como Cabeça mística de todos os fiéis.

Glória de Deus: preocupação que deve nos acompanhar do berço ao túmulo

Dizem os autores espirituais que toda meditação bem feita deve trazer como consequência uma resolução concreta. As considerações de ordem meramente platônica não interessam à vida espiritual. Se contemplamos é para amar mais e agir melhor. “Ai da ciência que não se transforma em amor e em ação!” – disse o grande Bossuet1. E nós poderíamos afirmar: “Ai da meditação que não se transforma em amor, em virtude e em apostolado!”

Flávio Lourenço
Sepultamento de Jesus – Museu Thyssen-Bornemisza, Madri

Flávio Lourenço
Crucifixão – Museu do Patriarca, Valência

Assim, de nada nos adiantaria que enchêssemos de santo gáudio nossas almas e, na fartura e tranquilidade de nossos lares, ou abrindo um rápido e ensolarado parêntesis na amargura de nossas lutas e necessidades, celebrássemos as festas da Santa Páscoa, se um aumento de amor para com Deus não se notasse em nossos corações, e esse acréscimo não tivesse como consequência nosso incremento na virtude.

Ora, ninguém ama a Deus sem amar a glória d’Ele. A realização dessa glória é o mais vivo anseio de todas as almas verdadeiramente piedosas. “Que em todas as coisas Deus seja glorificado!” é o lema debaixo do qual trabalham nas vias árduas da santificação interior e do apostolado os filhos de São Bento. “Para a maior glória de Deus” é a divisa que serve de meta para todas as preces e labutas dos filhos de Santo Inácio. Percorram-se os sistemas de espiritualidade próprios às várias Ordens, examinem-se os autores espirituais de todos os lugares e de todos os tempos, e ver-se-á que fazem da glória de Deus o alvo desinteressado e total de sua existência.

Ninguém, por outro lado, dá glória a Deus sem obedecer ao beneplácito divino. A obediência à vontade do Criador, a plena conformidade de todas as nossas ideias com a Doutrina Católica, de todas as nossas volições com a Moral Católica, de todos os nossos sentimentos com o senti re cum Ecclesia2, eis a preocupação que, do berço ao túmulo, deve acompanhar toda a alma crente.

Vicente Torres
Sepulcro vazio – Abadia Beneditina de Subiaco, Itália

Em meio a tanta tristeza, Nossa Senhora tinha uma fímbria de alegria

De dentro das alegrias da Ressurreição, tão cheias de ensinamentos para todos os católicos, convém tirarmos alguma lição especial para nós.

Todas as visões e revelações fidedignas a respeito da Paixão narram que, de algum modo, a hora mais lúgubre não foi quando o Divino Redentor expirou, mas depois que Nossa Senhora colocou o sagrado Corpo d’Ele na sepultura. Nesse momento, Ela não teve mais a amarguíssima consolação de contemplar as feições mortas d’Ele, dirigiu-Se ao cenáculo, cujo prédio pertencia a uma pessoa dedicada a Nosso Senhor, e ali atravessou as horas amargas de sua soledade.

Soledade, sem dúvida nenhuma, porque eram poucos os que estavam em torno d’Ela: as santas mulheres, São João Evangelista, São Pedro, um ou outro Apóstolo que vinha voltando corroído de vergonha e de dor para pedir-Lhe perdão. Mas era tão pouca gente dentro de todo aquele universo hostil… Entretanto, soledade, sobretudo, porque Maria Santíssima encontrava-Se naquela imensa solidão: não estava mais junto a seu Divino Filho, que era tudo para Ela. Ele estava morto.

Flávio Lourenço
Cristo ressuscitado aparece à Santíssima Virgem Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa

Flávio Lourenço
A Dolorosa – Santuário de Jesus Nazareno, Atotonilco, México

Todos os que tiveram a felicidade de ver misticamente o que se passava na alma de Nossa Senhora nessa hora contam como, concomitante a essa tristeza, havia um fundo de alegria porque Ela sabia que Ele ressuscitaria e, em breve, estariam de novo juntos; e que a Paixão ficara para trás, aquele oceano de dores já estava transposto e a imensa glória d’Ele ia se revelar ao mundo para a grandeza e a salvação de toda a humanidade.

Isso dava a Maria Santíssima, em meio a tanta tristeza, uma fímbria de alegria, diante da certeza do júbilo imenso que viria depois, maior do que os tormentos da Paixão. Porque, embora as dores tenham sido incomensuráveis, é verdade também que, sendo a Ressurreição e a Redenção a finalidade da Paixão, naturalmente o fim vale muito mais do que os meios. Logo, é maior ainda a alegria por ver alcançado e aparecer aos olhos dos homens o objetivo para o qual uma tão grande dor foi paga. Assim, na paz, a Santíssima Virgem tinha esta serenidade, esta confiança, mais ainda, esta certeza: Cristo ressuscitará. E, realmente, todas as expectativas d’Ela se confirmaram.

Após ressuscitar, Nosso Senhor foi visitar sua Mãe Santíssima

Imaginemos o Santo Sepulcro, situado numa gruta perto do local onde Jesus foi crucificado, o Gólgota, como relata o Evangelho. Túmulo novo pertencente a José de Arimatéia e cedido por ele para Nosso Senhor ser sepultado. Segundo o costume judaico, o cadáver era todo atado, colocava-se à entrada da gruta uma pedra rigorosamente bem talhada para vedar inteiramente.

Dentro domina a escuridão. De repente, irrompe uma luz mais intensa do que o brilho do Sol. Era Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja Alma santíssima, hipostaticamente unida à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, estivera no Limbo para levar às almas dos justos a boa nova da Redenção e prepará-las para subirem ao Céu.

Aquele Corpo glorioso, nascido das entranhas de Maria Virgem, estremece de vida e se levanta por si. As ataduras que O envolvem, bem como a pedra que lacra a sepultura, caem e as inúmeras feridas começam a resplandecer como sóis. Do lado de fora, os guardas ouvem um trovão e desmaiam, e Jesus aparece reluzente. É a Páscoa da Ressurreição. Ele passou pelos profundos vales da morte e ressurgiu glorioso, para depois subir ao Céu.

Notem esse pormenor importante: quando Nosso Senhor ressuscitou, criatura humana nenhuma O viu sair da sepultura. Ele não quis que ninguém fosse o primeiro a vê-Lo ressuscitado. No momento em que as santas mulheres, São Pedro e São João Evangelista lá chegaram, o túmulo já estava vazio. No primeiro instante depois de ter deixado o Santo Sepulcro, Jesus foi visitar sua Mãe Santíssima, de maneira a ser Ela a primeira a contemplá-Lo radioso, numa alegria verdadeiramente indescritível.

A esperança de Maria, que na soledade continuou firme no auge das trevas, confirmou-se totalmente. Daí, então, a enorme alegria pascal transcendente, incomparavelmente maior do que o momento tremendo da dor. Podemos, assim, ter uma ideia de como foi a primeira Páscoa naquele Sapiencial e Imaculado Coração.

Primavera da Fé maior do que a da Idade Média

Isso que se passou no Imaculado Coração de Maria deve ocorrer também em nossas almas, a propósito das dores presentes da Santa Igreja. Nós estamos nos aproximando da hora extrema da Paixão. O sofrimento é intensíssimo e deve varar nossas almas de lado a lado com o gládio de dor. Mas no meio dessa dor, temos uma fímbria de alegria e a certeza do cumprimento da promessa de Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”

As coisas da Causa Católica têm suas “mortes” e suas “ressurreições”. Dir-se-ia que a Civilização Cristã está liquidada, do passado glorioso da Santa Igreja não sobra mais nada, e que da verdadeira Igreja Católica Apostólica Romana restam apenas algumas gotas que o calor abrasador da Revolução acabará por fazer evaporar.

Entretanto, Nosso Senhor afirmou: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela.” (Mt 16, 18).

Depois das tristezas e ansiedades dos castigos preditos pela Virgem de Fátima – durante os quais possivelmente fiquemos como Nosso Senhor: perseguidos, torturados, cobertos das chagas da dor do alto da cabeça até as plantas dos pés –, haverá, sem dúvida, o momento radioso em que a promessa de Nossa Senhora se cumprirá. Chegará o dia no qual os Anjos nos dirão: “Já não há mais tristeza nem sofrimento para vós, vossa provação ficou para trás. Regozijai-vos porque o Imaculado Coração de Maria triunfou!”

Será, então, nossa grande Páscoa, nossa imensa alegria. Teremos passado esse “Mar Vermelho” de sangue que será o mundo durante os castigos, a pés enxutos, isto é, sem termos pago tributo ao pecado.

Arquivo Revista
Dr. Plinio em 1986

Contemplaremos, com o tocar dos poucos sinos que restarem, o resplandecer de uma alegria que transborda do Coração Imaculado de Maria, difundida pelos Anjos por toda a Terra.

Assistiremos dissipar-se todo o negrume e contemplaremos essa glória, a qual devemos desejar mais do que tudo no mundo: a glória da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, a quem amamos mais do que a luz dos nossos olhos e do que tudo na Terra. Veremos a Esposa de Nosso Senhor Jesus Cristo reconduzida a uma primavera da Fé maior ainda do que na Idade Média, os santos florescendo, o culto reintegrado na inteira identidade de sua doutrina, as leis se desenvolvendo numa conformidade também plena com essa doutrina, os governos sendo exercidos segundo o espírito católico e, por causa dessa plenitude da Igreja, a terra produzindo seus frutos e suas flores sob o sorriso de Nossa Senhora.

Resplendor superior ao de todos os sóis do universo

É, portanto, esta a ocasião de pensarmos nessa alegria comparável apenas à do momento em que morrermos, formos julgados e houver para nós a grande aurora da vida eterna, quando afinal nós virmos, face a face, Nossa Senhora com seu Divino Filho no Céu a nos dizer: “Nós mesmos somos a vossa recompensa demasiadamente grande.”

Porém, antes desse momento, também ao mundo Nosso Senhor dirá pelos lábios de sua Mãe Santíssima, e Maria nos falará pela voz sacratíssima da Santa Igreja: “Eu sou a vossa recompensa demasiadamente grande.” Vendo a Igreja próspera, triunfante, dominando o mundo, orientando as almas, esmagando o erro, glorificando a virtude, promovendo toda espécie de bens, fazendo circular sua seiva na vida temporal para encher uma civilização de prevalentes varões espirituais, marcada pela Fé e pela sacralidade, nós olharemos para ela e pensaremos: “A Santa Igreja Católica é a nossa recompensa demasiadamente grande”.

Luis C.R. Abreu
Virgem de Fátima (acervo particular)

Lancemo-nos na luta! Poderá nos vir a impressão de estarmos afundando no vale da derrota. Pouco importa. Chegará o momento em que os Anjos do Céu virão ao nosso socorro e nós brilharemos com um pouquinho do brilho da Ressurreição, ou seja, com um resplendor maior do que todos os sóis do universo.

Maria vencerá e cada um de nós poderá dizer, parafraseando Jó: “Bendito o dia que me viu nascer, benditas as estrelas que me viram pequenino, bendito o momento em que minha mãe disse: ‘Nasceu um homem!’” (cf. Jó 3, 3). Então assistiremos à vitória da Contra-Revolução e à implantação do Reino de Maria.

(Extraído de O Legionário n. 499 de 5/4/1942, conferências de 25/3/1967 e 30/3/1986)

1) Jacques-Bénigne Bossuet (*1627 – †1704), Bispo de Meaux (França), célebre pregador e escritor.

2) Do latim: sentir com a Igreja.

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