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Mãe da filha primogênita da Santa Igreja

À maneira da flor do cacto que desabrocha entre os espinhos, Santa Clotilde, do meio de um povo pagão e bárbaro, faz germinar nas fontes batismais de Reims a nação primogênita da Igreja, conferindo a ela sua graça, beleza e fé.

Em 3 de junho comemora-se a festa de Santa Clotilde. Sobre ela há uma referência tirada da obra L’Année Liturgique de Dom Guéranger.

Grande vocação nascida entre infortúnios

Santa Clotilde foi aureolada pela glória de uma maravilhosa maternidade espiritual, pois foi graças a essa rainha que, numa noite de Natal, nascia nas fontes batismais de Reims, a nação primogênita da Igreja. Clotilde foi preparada pelo sofrimento para o grande destino que Deus lhe reservava. A morte violenta de seu pai, destronado por um usurpador fratricida, seus irmãos massacrados, sua mãe afogada no Ródano, seu novo cativeiro na corte ariana do carrasco que trazia consigo a heresia ao trono dos borguinhões, desenvolveram nela o heroísmo do martírio e a fizeram mãe de um povo.

Guilhem Vellut (CC3.0)
Santa Clotilde – Igreja de São Vicente de Paulo, Paris

Santa Clotilde era filha do rei dos Borguinhões. O pai dela era católico e o irmão do pai, portanto, tio dela, era ariano. O arianismo constituía uma heresia terrível que infestou a Igreja durante séculos, uma coisa bárbara. E esse tio ariano matou o pai católico e dizimou toda a família de Santa Clotilde, a mãe foi jogada no Ródano, os irmãos foram mortos, enfim, uma chacina completa.

Nunca obtive uma explicação da razão pela qual ele não matou Santa Clotilde. Levou-a para sua corte e a mantinha ali como uma espécie de sobrinha de segunda categoria, meio prisioneira, em cativeiro.

Clovis, rei dos Francos, nação vizinha dos Borguinhões, tinha uma encrenca com esse tio de Clotilde, quis se casar com ela porque previa que com isso iria causar uma divisão no reino dos Borguinhões, provavelmente ele devia ter seus partidários. Não sei como, o tio aceitou o casamento apesar desse inconveniente.

Ela perguntou como seria a questão da Fé, pois Clovis era pagão. Ele garantiu que daria a ela liberdade de conservar a Fé católica e, então, se casou com ela.

Vocações cujos méritos vêm de Nossa Senhora

Dom Guéranger mostra muito bem o contraste havido no começo da vida dessa rainha e o fim. No início opressa, perseguida, etc. De repente, sobe ao trono, mas de um rei pagão e bárbaro, o qual se converte. Ele se convertendo surge daí uma nação católica. Vemos assim a linda vocação que ela possuía.

Todas as vocações muito bonitas começam de um modo tremendo. São contragolpes, dificuldades, coisas impossíveis, etc. É desses espinhos que germina a vocação bonita. Fala-se muito da beleza da rosa, mas há uma flor que rivaliza com ela em formosura e talvez seja mais bonita: a flor do cacto.

O cacto é uma planta horrenda: geralmente grossa, espinhada, sem perfume nem forma definida, uma espécie de animal antediluviano no reino vegetal. Pois bem, disso brota essa beleza de flor.

Assim também são as grandes vocações. Elas nascem de sofrimentos inenarráveis, decepções tremendas, revezes que se entrecruzam, derrocadas inesperadas.

No meio disso tudo, à maneira da flor do cacto que desabrocha entre os espinhos, vai surgindo uma maravilha que é a vocação, cujo êxito não se deve a nenhum mérito humano, mas a Nossa Senhora.

Em uma de suas epístolas São Paulo diz: “Quem lhe deu primeiro, para que lhe seja retribuído?” (Rm 11, 35) Quer dizer, primeiro Deus nos dá algo, depois fazemos algo por Ele e premia em nós o próprio dom concedido. Essa realidade convém muito termos em vista.

E aqui está Santa Clotilde, sob essa interpretação. Desde pequena preservada e guiada para isso, não porque ela tenha feito algo, mas porque a Providência quis e ela foi correspondendo. Aí está a santidade e o mérito dela. Mas no início foi todo ele de Deus.

“Felizes os povos aos quais foi dada uma mãe, pela divina munificência”

Arquivo Revista
Dr. Plinio em junho de 1969

Em seguida a ficha diz:

Deus quis que o homem saindo de suas mãos ainda sem poder contemplar diretamente seu autor, encontrasse como primeira tradução de seu amor infinito a ternura de uma mãe. Isso dá às mães essa facilidade única de completar, pela educação, na alma do filho, a reprodução completa do ideal divino que deve nele imprimir-se.

O pensamento de Dom Guéranger é belíssimo. Como o Criador faz o filho nascer de sua mãe, ela tem uma intuição especial para completar nele a obra divina. Isso é real em relação à mãe terrena, mas se refere muito mais a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, na qual somos gerados e que tem, portanto, uma intuição materna para completar em nós a obra de Deus. E essa verdade se aplica também de modo insondável a Nossa Senhora.

Continua o texto:

Flávio Lourenço
A Virgem no jardim – Museu da Obra de Nossa Senhora, Estrasburgo

E se tão grande é a maternidade na ordem da natureza, muito mais sublime ainda o é na ordem da graça. É o exemplo da Santíssima Virgem, Mãe de Deus e, como decorrência, Mãe de todos os homens. E toda maternidade não foi, desde então, num verdadeiro sentido, senão uma decorrência da de Maria, uma delegação de seu amor e a comunicação de seu augusto privilégio de dar aos homens que devam ser seus filhos. A dignidade de mãe cristã foi acrescida por Maria a um ponto em que a natureza nunca poderia suspeitar.

Como Clotilde, frequentemente a esposa, preparada pelo divino sofrimento, ver-se-á dotada de uma fecundidade mil vezes maior do que a terrena. Felizes os homens nascidos, pelo favor de Maria, dessa fecundidade sobrenatural, que resume todas as grandezas. Felizes os povos aos quais foi dada uma mãe, pela divina munificência.

Ele faz aqui uma linda comparação. O que Santa Clotilde foi para os franceses, Nossa Senhora o é para todo o gênero humano. Ela é a mãe de todos os católicos.

E assim como da graça, da beleza e da fé de Santa Clotilde originou-se a nação, outrora da fé, da graça e da beleza, assim também nós ao nascermos de Maria Santíssima. Ela nos comunica a sua beleza espiritual, a sua graça e sua fé. Somos seus filhos porque tudo recebemos d’Ela, e por Ela somos gerados.

(Extraído de conferência de 3/6/1969)

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