jueves, noviembre 14, 2024

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Horas de saturação: momentos favoráveis à Revolução

Ao longo da História, a Revolução soube utilizar-se de uma das deficiências da natureza humana decaída: o tédio pela admiração. Levando a Civilização a extremos de exageros, produziu no homem a sensação de estar sendo sufocado; o resultado final de tal processo foi a dessacralização e a barbárie.

O Ancien Régime foi uma época marcada pela tradição quase milenar, toda monárquica e aristocrática, democrática em alguns de seus aspectos. Naturalmente os olhos do povo se voltavam, sobretudo, para a pessoa do rei, chave de cúpula de todo o edifício. Depois, para os nobres mais importantes que o circundavam, os quais constituíam como que uma auréola em torno do diadema real e, por fim, para os outros graus da nobreza, e, consequentemente, para os outros graus da sociedade.

Dentre as várias categorias de nobreza, encontrava-se a chamada nobreza togada, constituída pelos magistrados; havia a nobreza de espada, a militar, cujas famílias eram especialmente dedicadas ao martírio patriótico, porque de si, aplicadas para a guerra; podia-se chamar também nobreza de sangue.

Processo de saturação como ponto de decadência

Flávio Lourenço

A Revolução, no entanto, soube agir sobre este edifício da grandeza da França de forma sapientíssima: antes de semear dificuldades em suportar a imobilidade da longa tradição, antes de abalar a confiança filial que a massa do povo tinha para com os nobres, ela espalhou uma certa saciedade. Em dado momento, o povo e a própria nobreza foram ficando fartos do tal pétillement1, o tal rumorejar “champanhoso” das coisas da nobreza, tida, entretanto, como a mais fina, mais delicada, mais espirituosa da Europa, para cujos fastos afluíam admiradores da Europa inteira, de todas as classes sociais.

Como se espalha no povo uma fartura neste ponto?

Imaginem uma pessoa que trabalhou muito durante o dia. É até mais adequado imaginar um trabalhador manual, porque o repouso na cama se aprecia muito mais por quem trabalhou com os músculos do que por quem trabalhou com a cabeça.

O operário manual, depois de um dia intenso, volta para sua casa num trajeto penoso, quase tão penoso quanto o trabalho que realizou durante o dia. Chegando a casa, ele diz à mulher, do andar de cima para baixo: “Prepare-me um café, quero comer alguma coisa… café com broas. Eu vou me deitar.”

Ele, que tem uma cama boa, confortável, tira os sapatos, joga-os de lado – como quem está farto e já não se preocupa em ter belas maneiras, apenas quer ser correto –, tira o paletó joga-se na cama e pensa: “Ufa! Que delícia!” Compreende-se facilmente tal atitude e o por onde esta cama pode parecer uma delícia para ele.

Agora, imaginem que este homem tenha quebrado a perna; esteve visitando-o um médico que o examinou e o obrigou a uma imobilidade total do corpo, porque a fratura, também coexistia com um ligeiro início de fratura na coluna vertebral, caso muito mais complicado. O médico dá a seguinte ordem: “Fique imóvel, eu vou enfaixá-lo. O senhor terá dificuldade de movimentos, de maneira que mesmo dormindo não conseguirá mover-se. Depois de alguns dias de imobilidade, o senhor poderá ficar perfeitamente bom. O segredo de sua cura está em não se mover.”

O operário exausto, cansado, porque tem se movido demais, pensa que por alguns dias ele não irá à fábrica, não ouvirá os barulhões de lá, não terá os cansaços e as transudações do trabalho; vai ficar na cama, e diz:

“Oh, delícia! Eu nunca pensei que toda esta semana, ou todo este fim de semana, eu tivesse uma ocasião de ficar em casa! O médico me disse ‘imóvel’, quem me dera ficar imóvel a vida inteira, é uma coisa deliciosa! Em vez de estar me movendo, me movendo…”

Nikolai Karaneschev (CC3.0)
Praça Römer, Frankfurt

De fato, há um primeiro período de repouso inteiro, que ocasiona um certo descanso para este operário. No entanto, há um determinado momento em que o cansaço sai dele, como que se evapora, e ele começa a adquirir uma sensação física – não é uma reflexão, é uma sensação física – do supérfluo físico daquele repouso.

Quer dizer, as forças se acumulam imóveis e ele gostaria de mover-se. Ao cabo de alguns dias, na véspera do dia em que ele será desenfaixado, ele não está se aguentando de vontade de mover-se; nesta situação, ele preferiria um mês de trabalho a uma semana de cama. A imobilidade absoluta que sucede a um grande cansaço é deliciosa no começo, mas à medida que ela vai se acumulando, vai se tornando também fatigante por si mesma e causando uma espécie de saturação.

Perigo de cansar-se com a admiração

Tal fenômeno de saturação dá-se com mais ou menos tudo, até mesmo com as coisas mais magníficas e melhores do mundo.

Por exemplo, morar em frente à Catedral de Notre-Dame, ou à Sainte-Chapelle, ou, quiçá ainda em frente ao Dom de Colônia, enfim, quantas coisas bonitas há, eclesiásticas ou não…

Imaginem que uma pessoa fosse condenada a nunca mais sair da Praça Römer, em Frankfurt. Ela, que fizera uma longa viagem só para poder ver a praça na qual ela permanecera muito tempo em estado de admiração, podia entrar e sair, podia mover-se; ficando o tempo inteiro só naquela praça, ela sofreria em si o efeito da saturação. Um pouco disso eu senti na Praça de São Marcos, em Veneza, praça que talvez seja a mais bonita do mundo. Pombas, pombas, pombas… o chão cheio de bolinhas de não sei que farelo que os turistas compram para dar de comer; as pombas comem, ficam estufadas, dando a impressão de burgueses cheios de uma falsa importância. Chamava-me atenção o jeito de elas andarem, com as patonas pesadas, abanando a cabeça, olhando em torno de si como quem espera aplausos que nunca vinham, porque na praça só havia pombas. Era uma “pombalhada”.

Hampel Kunstauktionen (CC3.0)
Crianças alimentando pombos em Veneza (Coleção particular)

Eu não examinei o fenômeno a fundo, mas creio que elas ficavam meio pesadonas para voar. De vez em quando uma revoada, mas que revoada pesada! Voavam um pouquinho e já iam ao chão, porque tinham comido demais, talvez bebido água demais. O fato é que ficavam umas “pombonas” que eu só não compreendo como é que aqueles venezianos não caçavam, não matavam e não comiam. Porque deveria ser o resultado ao qual elas estariam destinadas.

Nisto têm-se um pouquinho a ideia da saturação. Chega-se em Veneza e é uma beleza, algo que eu nem sei o que dizer. Mas é só ir à praça de São Marcos repetidas ve zes, que se olha e diz: “Mas eu já conhecia isto, eu estou procurando, nas profundezas do meu entusiasmo, aquele aplauso que eu senti nas primeiras vezes, e não o sinto mais.”

As coisas são assim. Um dos perigos da alma humana é justamente quando ela se cansa da admiração.

Isto está de tal maneira no modo de ser do homem concebido no pecado original, que se não tomarmos cuidado este processo ocorrerá também com relação à própria figura adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo, à figura digna de um amor que deveria encher indizivelmente toda nossa alma: sua Mãe Santíssima.

Zairon (CC3.0)
Capella degli Scrovegni, Pádua

Tédio moral, hora da vitória

Se formos várias vezes, por exemplo, à lindíssima Capella degli Scrovegni em Pádua, onde Giotto pintou a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, cada quadro é uma obra-prima sem nome, uma coisa simplesmente fantástica! Reconheceríamos o talento de Giotto, olhando para a figura do Divino Mestre nos encantaríamos! Mas, passado algum tempo, a inteligência se encantaria, a sensibilidade iria ficando “gordona” como os pombos da praça de Veneza. Sentiríamos um formigamento semelhante ao que sente uma perna imobilizada.

O formigamento é bem a imagem física dessa espécie de tédio moral que as coisas mais magníficas podem nos causar; mas é esta a hora da vitória do homem. Porque quando ele é carregado pelas asas do entusiasmo, não lhe é difícil voar, percorrer os ares é uma maravilha! Ora, quando, pelo contrário, ele sente que as asas estão pesadas, que não tem mais aquele dinamismo particular que levanta o corpo contra as leis da gravidade para sulcar os ares como uma coisa nova… quando a situação é esta, voar sem vontade, admirar sem vontade, amar sem vontade sensível, na aridez, isso é que é o bonito.

Tal processo de saturação verifica-se em todas instituições, e os dirigentes precisam tomar muito cuidado, ter muito jeito, porque quando acontece de os entusiasmos morrerem, as oposições tomam voo. É a hora das oposições.

Da saturação nascem as oposições, das oposições, as revoluções

Pierre-Denis Martin (CC3.0)
Reparação feita a Luís XIV pelo Doge de Gênova, Francesco Maria Lercari Imperiale, 15 de maio de 1685 – Coleção do Palácio de Versailles

Claude-Guy Hallé (CC3.0)
Versailles no início do século XVIII Museu de Versailles

Vamos dizer, por exemplo, um professor que vai todos os dias dar aulas. Ao cabo de algum tempo, aparece nele uma saciedade em dar aulas, e nos alunos, uma saciedade em considerar o professor. É a hora na qual um aluno “fassur”, oposicionista, anticatólico, por exemplo, pega um momento no qual o professor não foi muito feliz, empregou uma palavra repetida, a frase dele saiu um pouco defeituosa. O oposicionista que há tempos assistia aquela apoteose quieto e com os lábios lacrados pela prudência, ele vê aquilo e diz a um colega:

— Vamos e venhamos, ele tem lá seus lados fracos, hein!

O colega que está habituado a admirar diz:

— Olha aqui, esse lado foi fraco mesmo.

Diz o outro:

— Quem não tem seus lados fracos, não é? Quem não os tem?

O outro pensa: “É mesmo, todo o mundo tem, ora ele é alguém, logo ele tem também. Vamos procurar porque até agora não encontrei”.

Começa a procurar e encontra. Porque algum lado fraco aparece em qualquer pessoa que não esteja confirmada em graça. Começa: “Ah, é verdade!”

Terminada a aula, os dois cochicham em meio aos outros. E alguns ouvem aquilo que estavam com uma vontade subconsciente de ouvir.

— Ah, é verdade!

— É verdade!

Daí a pouco há um coro. Nasceu uma revolução!

É preciso a pessoa saber modelar as coisas… Mas nem sempre consegue. Porque às vezes perceber onde está na alma do opositor o buraco da fechadura para meter a chave da admiração nova, é muito difícil. E às vezes anoiteceu naquela alma e a gente não consegue…

Gênio de Luís XIV em despertar novas admirações

Isto acontece com os governantes em relação aos governados.

Os senhores têm um exemplo característico em Versailles, onde Luís XIV construiu um palácio tão magnífico que o simples nome Versailles já era uma representação do esplendor régio e da magnificência. Versailles deslumbrou, e por isso criou uma nova admiração e, a partir dela, prolongou a existência da Monarquia.

Luís XIV teve o gênio de formar em torno de si a orquestração dos grandes homens da França! Ele teve grandes poetas, grandes artistas, grandes políticos, grandes militares, ele se cercou por uma constelação de grandes homens. Por quê? Porque ele soube ver de dentro da massa do povo quem era o violinista, o flautista, quem era isto, quem era aquilo; ele soube suscitar, despertar e inspirar o poeta, o pintor, o construtor, o criador do pomar de Versailles, por exemplo, de quem se fala muito pouco.

Paris Histoire (CC3.0)
Horta de Versailles

JH Mora (CC3.0)
Jean-Baptiste de La Quintinie, jardineiro de Versailles

Os pomares de Versailles eram tidos como os mais bonitos do mundo, e por pomar deve-se entender o lugar onde se produzem frutas. Mas, ali também se plantavam os legumes para o abastecimento da mesa real, porque ficava mais barato…

Jean-Baptiste de La Quintinie2 era o jardineiro de Versailles. Houve um homem que plantou o pomar e outro que plantou o que se poderia dizer em francês, o potager, a horta de Versailles. Notem bem, por economia fizeram as coisas mais belas do mundo!

Se Luís XIV não soubesse fazer isto, eu tenho impressão de que aconteceria o que se passou com uma série de reis medíocres: começaria a dar o cansaço. E dando o cansaço era a hora da Revolução.

Eu não sei que francês ilustre dizia que entre Napoleão e Luís XIV havia uma diferença: Luís XIV soube suscitar, tirar do sono, do anonimato, do zero, todos os grandes valores da França para fazerem uma sinfonia em torno dele e a propósito dele. Napoleão, ao contrário, mandou calar a todos, colocou-se no centro entre dois canhões e disse: “Sou eu só”. Napoleão caiu. Luís XIV permaneceu de pé.

Cansaço produzido pelo exagero

Essa teoria do cansaço explica muito certas coisas da Revolução Francesa. Com bastante habilidade eles souberam espalhar a sensação de que aquilo tudo era bonito, mas antinatural: cadeiras douradas, lindas, mas incômodas. Nenhuma cadeira de Versailles atingiu o grau de conforto que esta cadeira na qual estou sentado aqui produz, de inspiração, quiçá norte-americana.

Trajes lindos, mas incômodos de usar. Preceitos de educação magníficos, mas exigindo um contínuo sacrifício.

Conta-se que havia uma madame – cujo nome não me recordo – que era uma senhora, dona de um salão célebre. Todas as pessoas que gostavam de bela prosa, iam conversar com ela, pois possuía um dote de arrepiar: ela era cega dos dois olhos e todos sabiam disso, ela não escondia. Mas quando ela conversava, sabia olhar para os olhos do interlocutor, com um olhar que não estava vendo, mas pelo ouvido captava mais ou menos onde é que estava a boca de quem estava falando, e ela dirigia a palavra para a boca emissora do som revelador.

E assim ela permanecia horas conversando com este público louco para conversar com ela. Quando chegava uma hora já tardia da noite, aparecia o servidor para explicar a todos que a Madame la Marquise precisava descansar. Eles imediatamente se levantavam, segundo as regras de educação do tempo, ostentando uma espécie de açodamento em sair logo para Madame poder descansar.

Quando todos tinham saído, Madame la Marquise tomava uma carruagem, com vidros baixos para poder ventar dentro, mandava o cocheiro trotar pelas ruas de Paris a toda velocidade. Paris dormia e as ruas estavam vazias. Uma trombada era tudo quanto havia de improvável, e de fato, nunca aconteceu. Mas ela, dentro de sua cegueira, percebia pelos movimentos como era a rua, aonde estava, etc. Enfim, ela tirava disto o seu regalo, sem companhia de ninguém, quieta.

Constantin Guys (CC3.0)

Voltava para casa e de uma noite acordada, na eterna noite dos cegos, ela se enfurnava na noite da noite, e dormia. Era a hora de descansar. Imaginem a vida de luta desta mulher! Todo aquele esplendor estava baseado sobre um grande cansaço.

Quando o entusiasmo desaparece, sente-se só o cansaço, seguido de uma vontade de abrir as roupas, desabotoar todos os botões, tirar os sapatos, enfim, uma tendência vaga ao nudismo, e se quiserem à anarquia. Por quê? Porque carregou demais. Porque não soube dosar, não soube fazer a coisa de maneira a um agradável cansaço suceder um repouso ainda mais agradável.

Desabafo de uma civilização desequilibrada

Toda uma sociedade assim, acabou cansada de uma porção de coisas chamada “Civilização”. E começou uma marcha para a anarquia, para a não-civilização, que os filhos e netos herdaram; para estes o cansaço e a vontade de libertação eram maiores.

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Juramento do Exército a Napoleão, 5 de dezembro de 1804 – Palácio de Versailles

As palavras da trilogia revolucionária liberté, égalité, fraternité, soavam do seguinte modo: “Liberdade! Tudo quanto nos amarra, nos constringe, nos aperta: para trás! Queremos ser livres como um bárbaro”.

Égalité: “O respeito é um sentimento necessário, sem o qual o mundo é um inferno, mas é um sentimento eminentemente confinante. É preciso acabar com este respeito que se traduz em reverências. Todo o mundo é igual a mim; não sou obrigado a inclinar minha cabeça diante de ninguém, nem reconhecer-lhe a superioridade. Vou para frente como qualquer modesto trabalhador manual que produz tamanco de pau, e não admito ninguém acima de mim; berro, quebro e guilhotino quem se achar maior que eu!”

Fraternité: “Somos todos iguais, como iguais são os irmãos. E se nós nos quisermos bem, querer-nos-emos num abraço em que nenhum de nós dois permite ao outro que cresça mais. Nós somos como dois irmãos que só consentem em crescer, se crescerem ao mesmo tempo e com a mesma altura”.

Leopold Kuppelwieser (CC3.0)
Francisco II – Museu de História Militar de Viena

Eu pergunto: A trilogia liberté, égalité, fraternité lançada num ambiente de saturação, produz ou não produz um chatouillement3 delicioso de esperanças, de vontade de desamarrar, de desabotoar, de desordenar, de ficar de cabeça para baixo, de não se lavar, de ser porco, de ser sujo, de deixar a natureza com tudo quanto nela vem do pecado original e dos efeitos dos pecados atuais porejarem de todos os modos? Um mundo de imundície, de sujeira, de ausência de tudo quanto seja quintessenciado. A barbárie acaba sendo o desabafo de um povo que levou a Civilização até um ponto, e não soube equilibrá-la.

Como ainda existem pequenos restos de desigualdade, de ordenação nessa nossa sociedade putrefata, ainda há gente que sente alegria de acabar com os últimos patrões, os últimos clérigos, de trucidar os últimos nobres, enfim, de fazer o que o Partido Verde quer, para além do comunismo: a anarquia tal que se proclama o direito do animal igual e, às vezes, superior ao do homem. E daí as loucuras que vemos por aí. É o resultado de um desabafo, de uma situação mal estudada, mal enfrentada e mal resolvida.

O que falta nisso?

Sacralidade: ponto de todos os equilíbrios

Quando Napoleão ganhou uma guerra contra a Áustria, o Imperador Francisco II saiu de Viena já na perspectiva de as tropas de Napoleão invadirem a cidade. Quando se fez a paz, as tropas de Napoleão se retiraram e o Imperador voltou. Ele foi recebido com uma homenagem popular estrondosa! E o prefeito de Viena fez a ele uma saudação que é uma obra-prima de fidelidade.

A fidelidade é o contrário desse cansaço, é a virtude pela qual o pertencer a alguém, servir alguém, admirar alguém não cansa! Porque no momento em que se pressente que o cansaço vai tomar conta, entra qualquer coisa de melódico, mas sacral, que eleva, sem deixar de ser militar, naquela marcha que continua. Há nisso alguma coisa que de vez em quando canta uma como que oração.

Arquivo Revista
Dr. Plinio em julho de 1994

E aí no fundo está o segredo. Porque eu duvido que alguns ao longo da exposição que eu estou fazendo tenham pensado o seguinte: “Mas este problema não tem solução, porque se deita, cansa; levanta, cansa. O mundo é um vale de lágrimas entre dois cansaços, não tem solução!”

Não é verdade. Quando se tem fé e espírito sacral, ama-se as coisas sacrais e sente-se a necessidade de vê-las em tudo; desde a oficina de um trabalhador manual até o palácio de um rei, na sala do trono de um rei, quer ver no alto da coroa a cruz de Cristo, sem o que, tal objeto não vale nada, mas com o que, ela fica sagrada. Aí, aparece na alma o equilíbrio dos grandes devotamentos, das grandes admirações, dos grandes afetos que levam ao martírio da fidelidade; assim as coisas podem ser longas, mas não cansam.

À corte francesa faltava uma sacralidade que ela perdera com o tempo. Houve príncipes de muito boa piedade que nasceram nesta linhagem, herdeiros de coroa mas que morreram prematuramente, fazendo, executando, atendendo a interesses pouco definidos…

Hessische Hausstiftung (CC3.0)
Maria Antonieta em 1783 Fundação Casa de Hesse, Alemanha

O fato concreto é que tal dessacralização à primeira vista foi encantadora. Ao cabo de algum tempo ela saciou, caminhou para a própria morte, levada pelos seus próprios chefes. Maria Antonieta mandando fazer aquele hameau4, uma espécie de aldeia artificial em que ela e as outras damas da corte se vestiam de pastoras e iam tirar leite das vacas. Era o momento em que as pastoras já estavam fartas e não queriam saber de rainha. Era chegado o momento da Revolução.

(Extraído de conferência de 1/7/1994)

1) Ação de efervescer.

2) Nomeado pelo Rei, em 1670, diretor das hortas reais de frutas e vegetais. (*1626 – †1688)

3) Sensação de produzir prurido, inquietação, febricitação.

4) Dependência dentro do Petit Trianon, situada no Parque de Versailles.

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