Muitas vezes nos extasiamos diante de um belo panorama: rios, montanhas, mares. Entretanto, o elemento rei de um panorama é o próprio homem. Por isso os panoramas mais magníficos da História são aqueles nos quais sobressaem os grandes gestos e os grandes lances dos homens.
O que é um panorama? É um conjunto de coisas suficientemente grandes para serem habitadas pelo homem.
Conceito de panorama
O deserto dá um panorama, o mar, o céu; neles há um conjunto e sobra espaço para os homens habitarem.
Pelo contrário, uma coleção pequena de obras de arte maravilhosas não forma um panorama, porque ali o homem não pode habitar. Pode-se afirmar que a unidade do panorama é o espaço do homem, e a multiplicidade desses espaços compõe um panorama.
Um auditório, por exemplo, constitui um panorama. É estranho aplicar-lhe essa expressão quando está vazio, pois seria muito forçada, porque a palavra indica vastidões, extensão. No entanto, quando se vê um auditório tão alegremente cheio, onde se executam harmonias magníficas, unindo à música a declamação de coisas tão generosas com tão belo senso, tudo isso são elementos; mas muito mais autêntico é vê-lo repleto de gente. Que magnífico! Por quê? Porque a pluralidade de pessoas faz notar o espaço necessário para um homem.
O elemento rei
Chegamos a esta conclusão: o elemento rei de todo panorama não é o espaço, é o homem. Porque, se é verdade que o panorama tem como unidade o espaço que um homem deve ocupar, é ainda mais verdade que quando há muitos homens dignos, o conjunto deles forma um panorama.
Panorama de vida, de variedade, de glória quando esses homens estão a serviço de Nossa Senhora. Panorama de desolação, de tristeza e de abjeção quando forma essas imensas massas modernas completamente anônimas, escravizadas pela Revolução, no qual as almas perderam a alteridade umas em relação às outras, logo todo mundo é ninguém.
Imaginem cenas que podem se formar aos olhos dos homens, por exemplo, uma imensidade indefinida de asfalto liquefeito, um pouco borbulhante, de maneira a não se perceber estar líquido. E tão longe quanto a vista humana alcança, ela só encontra asfalto derretido. Isto não constitui um panorama, porque as unidades que o compõem são minúsculas, perdidas num magma, formando um todo só sem pluralidades, sem variedade, sem unidade verdadeira.
O panorama no qual Deus se compraz
Tal consideração me trouxe ao espírito a ideia de quantas podem ser as modalidades de panorama que o homem possa ter diante de si. Pensei: “Como seria bonito nós vermos uma cena na qual se desenrolasse uma procissão religiosa magnífica ou uma na qual pudéssemos ver a cidade onde essa procissão se realizasse. Por exemplo, as procissões de Corpus Christi com a nota augusta e única da antiga Viena imperial. Que beleza! Mas seriam os palácios o panorama? Não, antes de tudo seriam os homens que ali estivessem.
E então passou-me pelo espírito os panoramas aos olhos de Deus. O primeiro é o do universo quando foi criado. Deus olhou e Se comprouve com ele. É uma vista panorâmica. O panorama eterno.
Depois de os homens terem sido julgados, após a História estar consumada, olharemos para a Terra vivificada, glorificada, purificada pelo enorme incêndio que a consumirá, a fim de destruir nela o mal e conferir novo brilho, novo reluzimento ao bem. Todos terão sido julgados: quem praticou o mal foi condenado; quem foi destinado à recompensa foi premiado.
E Deus olha a Terra tendo em torno de Si a vastidão dos eleitos, embaixo a imensidade dos condenados e a obra d’Ele que se fez na Criação. Isto é panorama!
Uma indagação diante de um contraste
Cheguei a me perguntar e, sem ter tempo de me responder, vou tentar expor minha indagação em voz alta, conforme a reflexão me vier ao espírito.
Perguntava-me qual dos dois panoramas seria mais bonito: se o primeiro, da Terra pura onde os homens não pisaram, onde as fontes saíam de dentro da terra, onde as aves começavam a voar, os animais a saltar, os ventos a soprar e toda a vida começava apenas a borbulhar; que beleza matinal, que inocência primeva e magnífica em todas as coisas postas ali! Tanto mais quanto, dominando todo o panorama, o Paraíso Terrestre, foco e centro de todas as belezas! Que pulcro, que maravilha!
Depois pensei no panorama do mundo julgado. Houve desastres, catástrofes, crimes atrozes, houve atos de virtude incomparáveis. E por cima do clamor de todos os crimes, do ruído de todas as desordens, um gemido augusto, majestoso, dulcíssimo: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (Mt 27, 46) Consummatum est” (Jo 19, 30).
Não houve panorama mais belo do que este: o céu carregado de nuvens, os pecados subindo de todos os lados, a nação eleita prevaricando, quase todos os Apóstolos dispersos e longe, apenas fiéis junto à Virgo Fidelis as Santas Mulheres, chorando. A Terra inteira repelente. Mas, vencendo tudo isso, o Homem-Deus que morre, que redime e que salva tudo!
Que panorama incomparável! Então, não é verdade que depois de tudo isto ter acontecido, apesar dos pesares, a Terra ficou mais bela? É evidente.
Assim são os panoramas: eles existem em função dos grandes gestos e dos grandes lances mais do que em função dos rios, das montanhas, dos mares, dos acidentes materiais.
Em última análise, o verdadeiro panorama da História é a obra de Nosso Senhor Jesus Cristo. O resto é quadro, é moldura, é brigaria sem sentido, é invenção artística sem rumo. É coisa que brilha ou que, pelo contrário, se esvai.
(Extraído de conferência de 31/7/1982)