São Lázaro, monge do século IX, teve as mãos queimadas por ordem de um imperador iconoclasta porque fazia imagens sagradas. Os humanitários que hoje declamam contra as Cruzadas e a Inquisição não têm uma palavra de censura para com os imperadores romanos que martirizavam os católicos.
Temos para comentar alguns dados biográficos de um Santo extraordinário: São Lázaro, Confessor. Não é o amigo de Nosso Senhor, irmão de Marta e Maria. Monge e pintor de sagradas imagens, viveu no século IX. Queimaram-lhe as mãos com ferro em brasa, mas foi curado pelo poder de Deus e pintou novamente imagens que haviam sido raspadas pelos iconoclastas. O Criador restaurou suas mãos e ele restaurou as pinturas.
Mãos queimadas até os ossos
Lázaro, nascido no Monte Cáucaso, deixou seu país na primeira juventude e veio para Constantinopla, onde abraçou a vida religiosa. Além dos exercícios ordinários do estado monástico, aprendeu pintura, arte que se cultivava nos claustros, sobretudo em Constantinopla, desde que a guerra contra as sagradas imagens tinha sido declarada pelos iconoclastas1.
Como os iconoclastas eram contra o uso das imagens, nos bons mosteiros os monges aprendiam a pintá-las como um meio de combatê-los. Naturalmente, depois eles difundiam essas pinturas.
Os imperadores, não contentes de quebrar as imagens e perseguir seus defensores, tinham ainda de tal modo intimidado os pintores com o rigor de seus editos, que o medo da morte, da prisão e do exílio os impedia de fazer qualquer quadro de Jesus Cristo ou dos Santos. Foi o que levou mui tos superiores de mosteiros a querer reparar esse dano, apesar das ameaças e da indignação do soberano, introduzindo a arte da pintura em suas casas, para impedir que as santas imagens fossem abolidas pelos ímpios.
Lázaro tinha se tornado muito hábil nessa profissão, e a perpetuação, a reputação que adquiriu foi causa da perseguição particular que teve de sofrer.
O Imperador Teófilo, em 829, tendo ordenado a pena de morte para todos os pintores que recusassem a rasgar os quadros nos quais tivessem pintado os Santos, mandou buscar Lázaro em seu mosteiro, para executar o edito em sua presença. Não conseguiu levá-lo a isso pela doçura e recorreu à tortura. Fê-lo tão cruelmente que pensou que São Lázaro morreria no suplício. Mas, tendo recuperado suas forças algum tempo depois, continuou a pintar. O imperador mandou prendê-lo de novo e torturá-lo com brasas de ferro rubro nas mãos, queimando-as até os ossos.
A imperatriz Santa Teodora obteve do marido a sua libertação e o manteve oculto na Igreja de São João Batista, onde o fez curar. Quando Lázaro se restabeleceu, pintou, por reconhecimento, um quadro do Precursor, que se tornou um dos mais célebres de seu tempo.
Após a morte de Teófilo, a imperatriz Santa Teodora e seu filho Miguel III restabeleceram a honra das imagens. Lázaro elaborou um Salvador que colocou sobre uma coluna para ser exposto à veneração pública.
Vendo, então, o culto antigo bem fortalecido, entregou-se aos santos exercícios da vida monástica, não pensando senão em santificar-se nas obscuridades do claustro, onde morreu em 867.
Ódio contra os que defendem a Fé
Percebemos nesta narração, de modo muito notável, a fidelidade desse Santo à sua vocação, levando-o a enfrentar toda espécie de torturas. Mas me parece ser tal o número de mártires com essa fidelidade – isso é algo refulgente de tal maneira na Igreja que as nossas almas estão cheias dessa luz –, não sendo o caso de insistir sobre isso.
Talvez seria conveniente apontar, nesse conjunto de fatos, um aspecto não tão batido quanto o da glória insondável do martírio: a impiedade é fina e perspicaz no seu ódio, e devemos lamentar que nós, filhos da luz, não sejamos tão perspicazes e finos como ela.
Os humanitários declamam muito contra as Cruzadas, a Inquisição e toda forma de guerra de religião – porque, dizem eles, são torturas horrorosas, não se deve absolutamente permitir uma coisa dessas, é contra a caridade etc. – porém, não têm uma palavra de censura para com os imperadores romanos que martirizavam os católicos. Quando se diz a um deles:
— Você não fala contra Diocleciano, Nero? Só contra Torquemada2?
E num movimento temperamental de um ódio todo platônico, ele diz:
— Ah, também contra esses eu sou contra. Mas Torquemada… é preciso acabar com ele.
— E Nero não foi horroroso?
— Sim, sim. São coisas que se deve censurar, e – bocejando, acrescenta – eu censuro…
Mas o ódio dinâmico dos ímpios é contra aqueles que derramaram o sangue na defesa da Fé. Contra os que o fizeram verter para combater a Fé eles não têm ódio dinâmico nenhum. Isso prova que, no fundo, o ódio deles não é contra o derramamento de sangue, mas é contra a defesa da Fé.
Quanto se tem falado contra os Autos de Fé espanhóis! No que isso tem de diferente de um Auto contra a Fé, do ponto de vista sangue? Não tem nada de diferente. Tanto um quanto outro envolvem sangue, são opressões da liberdade. Entendamo-nos a esse respeito. O ódio dos humanitários, dos liberais vai exclusiva mente contra aqueles que derramaram o sangue para defender a Fé.
Sanha de perseguição contra os bons
Isso vai mais longe. Se eles não têm ódio aos que promoveram o derramamento de sangue perseguindo os católicos, muitos dentre eles, podendo, também não verteriam o sangue dos católicos? Uma coisa traz a outra, como consequência. Se eu, diante de crimes atrozes como esse, me manifesto frio, no fundo acho que quem fez isso tem uma certa razão e eu, no caso, talvez o fizesse. Compreende-se, então, até onde chega a ferocidade dos ímpios: não só até a contradição, mas até uma sanha de perseguição que não revelam, mas que, no fundo, eles têm.
Reflexão muito útil quando estivermos em presença de pessoas como essas, pois quase todo mundo tem esse estado de espírito.
Façam um teste nos ambientes frequentados. Digam algo sobre a Inquisição e todo mundo se levanta para atacá-la. Falem contra as perseguições, por exemplo, dos iconoclastas no Império Romano do Oriente, e sai o tal ódio frio, platônico, que não é verdadeiro ódio.
Portanto, toda essa gente tem, no fundo – ao menos em algumas fibras da alma, quando não em todas –, uma complacência com a ideia de matar os autênticos católicos.
Então, em contato com pessoas desse naipe, devo pensar: “Esse indivíduo que está falando comigo quereria matar-me, se pudesse”. É preciso chegar até o caso pessoal, atingir a pele e o instinto de conservação. Não considerar apenas em tese a morte dos cristãos, dos católicos.
Não conhece nem ama o bem quem não conhece e não odeia o mal
Se esse indivíduo fosse meu familiar, eu poderia cogitar: “É verdade. Mas sendo ele meu parente, não me mataria”. Isso é falso. O ódio deles contra a Fé é tão grande que gostariam de matar os católicos e não poupariam ninguém.
Quem julgasse que o indivíduo não faria isso com ele porque é seu parente, pensaria como um ingênuo. Seria bom passar por um curso de “desingenuização” porque levou a ingenuidade até extremos muito grandes.
Peçamos, então, a São Lázaro esta graça penetrante: perceber e discernir nos ímpios com os quais tratamos o ódio que eles têm a nós.
Alguém dirá: “Mas, Dr. Plinio, qual é a vantagem disso? Eu vivo tão bem com os meus parentes. São agradáveis, influentes, conversam bem. Agora está o senhor me fazendo ver um Nero ou um Calígula… O senhor desarranja tudo! E parece estar contente com o desarranjo produzido.”
A minha resposta é a seguinte: Não conhece nem ama o bem quem não conhece e não odeia o mal. O conhecimento do mal é indispensável para o conhecimento do bem, como contraste. Depois do pecado original, não se pode dispensar o conhecimento do mal. E é preciso medir o mal em toda a sua extensão, para conhecermos o bem em toda a sua nobreza.
Portanto, é necessário fazer esse exercício com as pessoas próximas de nós. Porque, ademais, seria uma atitude simplória achar que os parentes dos outros não prestam e são muito ingênuos quando acreditam neles, mas os nossos são diferentes.
Vale muito a pena nos compenetrarmos do ódio pessoal que eles têm a nós, porque enquanto não tivermos essa compenetração, um restinho de complacência com o mundo pode ficar. E se trata, exatamente, de dissipar toda e qualquer complacência com o mal. Então, fica isso indicado à nossa consideração a propósito da vida de São Lázaro.
(Extraído de conferência de 22/2/1967)
1) Não dispomos dos dados da ficha utilizada por Dr. Plinio.
2) Tomás de Torquemada (*1420 – †1498), sacerdote dominicano espanhol, confessor da Rainha Isabel, a Católica, e do Rei Fernando de Aragão. Foi também grande Inquisidor de Espanha.