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A quintessência da pureza de coração: o espírito de prontidão

O estado de alerta católico foi definido por Nosso Senhor Jesus Cristo: “Vigiai e orai para não cairdes em tentação.” A todo momento podem acontecer coisas que representem para a Igreja a necessidade de tomar uma posição extrema. E o verdadeiro católico deve estar interiormente mobilizado e preparado para quando isso acontecer.

O estado de prontidão é um estado pelo qual o indivíduo, em primeiro lugar, reconhece ser soldado de uma Causa. Esse estado tem um pressuposto militar e significa que tomamos em relação à Causa Católica a posição mental e a atitude de alma que o militar exemplar deve tomar em relação à Pátria.

A Igreja é a alma de nossa Pátria

Em certa ocasião, lembro de ter assistido a conferência de um sacerdote belga o qual dizia uma coisa muito verdadeira: “Nós devemos ter o patriotismo de nossa religião”. Em última análise, quando se trata de patriotismo, todo mundo concebe os maiores sacrifícios, a necessidade dos maiores empenhos e generosidades, na medida em que os interesses da pátria o exijam.

Em termos diferentes, se ouvirmos falar, por exemplo, que alguém invadiu o território do Mato Grosso, consideramos uma felonia recusar o nosso sangue à Pátria. Todo mundo renuncia às atividades correntes, compreendendo que deve arriscar a sua vida. Todos se deixam confiscar pelo ideal patriótico e marcham para a fronteira. Os pais renunciam à vida de seus filhos, as esposas à de seus esposos. As maiores desgraças, os maiores sacrifícios são considerados normais e a recusa nesse sentido é tida como uma traição.

Ora, acontece que a Igreja Católica é mais do que nossa própria Pá tria, porque é Ela que nos leva para o Céu, nossa Pátria definitiva. Portanto, a Igreja é a alma de nossa Pátria.

Flávio Lourenço
Oração no Horto das Oliveiras – Basílica de Santa Catarina de Alexandria, Galatina, Itália

O “corpo” do Brasil é o território, o povo, a língua, mas a alma do Brasil é a Religião Católica. No dia em que o Brasil deixasse de ser católico, ele deixaria de ser Brasil! De maneira tal que devemos ter em relação à Igreja um sentimento que está na linha do patriotismo. No entanto, é incomparavelmente mais do que o patriotismo, porque é um sentimento de ordem sobrenatural, que visa um ideal divino. A pátria é uma realidade terrena, transitória, temporal. A Igreja é uma realidade espiritual, sobrenatural, eterna. Portanto, nós vamos passar da Igreja militante para a Igreja gloriosa, porém, se Deus quiser, nunca deixaremos de ser filhos e membros da Igreja.

Por todas essas razões conjugadas, devemos nos considerar em face da Igreja com deveres análogos, de uma natureza intrinsecamente superior e mais nobre, do que aqueles que o senso comum indica para o homem em relação a sua própria pátria.

Em face da Igreja, a posição de brio e de honra

Agora, no presente momento – e eu nunca me cansarei de insistir sobre essa ideia –, a Igreja é como a Pátria invadida de todos os lados. Se nosso país estivesse na situação em que está a Igreja, nós deveríamos imaginar a cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, sitiada, com todo o resto do país ocupado e com a traição campeando lá dentro.

Quer dizer, no último extremo do mais tremendo apuro, da angústia, da aflição mais completa, do perigo mais total, é assim que podemos melhor nos dar conta da situação da Igreja. É o esquema da traição, da audácia e da entrega conjugados que se desenvolve, e já se encontra nos seus últimos lances. Quando está nestes termos a Igreja, nós devemos estar no estado de prontidão.

O que é o estado de prontidão? É um imperativo de consciência, de brio e de honra! Não nos consideraríamos uns desbriados se, posto o Brasil em um estado análogo, nós não estivéssemos dispostos a fazer algo por ele?

Pois bem, a fortiori somos desbriados, somos uns desavergonhados, uns indivíduos sem sensibilidade moral se, em face da Igreja, nesta extrema situação, não nos colocamos nesta posição. A realidade é essa. Mas não é toda! Ela vai mais adiante.

Uma convocatória da Rainha

Imaginem que no Rio de Janeiro houvesse uma rainha. E ela, na aflição, chegasse pelas ruas convidando duzentos, trezentos, quinhentos homens, nestes termos:

“Pelo menos vós, vinde lutar! Há um chamado especial de vossa soberana, há a promessa de uma glória especial, de um afeto especial, mas sacrificai tudo e vinde lutar em torno da última bandeira, do último reduto! Esta glória será vossa!”

O que nós diríamos do homem que respondesse à rainha:

“Isso depende, eu não sei bem… Não sei se minha família aprovaria esse gesto. Meu pai o que vai dizer disso? Minha mãe tem restrições, meu tio vê com maus olhos, meus primos não gostam. Ó rainha, não posso atender ao vosso apelo por causa da minha família.”

O que diríamos de um homem que fizesse isso?

Imaginem um outro que dissesse à rainha:

“Bem, é verdade, vossa situação é do apuro. Mas sabe de uma coisa, eu tenho a minha vida particular, preciso aparecer, quero fazer carreira. Eu sou um grande homem e corro o risco de morrer ingloriamente aí, eu não posso aceitar essa situação, ó rainha. Depois, os meus confortos… Vós estais pedindo que eu leve uma vida dura e não estou disposto a levá-la, arranjai-vos com outros”.

Arquivo Revista
Dr. Plinio em 1969

No dia em que essa rainha ganhasse a guerra o que ela diria desses súditos? A quais penalidades ela teria o direito de condená-los? Como a História os qualificaria?

Haverá um dia em que Nossa Senhora vai ganhar essa guerra! Um dia em que todos nós vamos ser julgados por nossa atitude perante o convite d’Ela, porque nós fomos esses poucos que a Rainha chamou para lutarem por Ela. Como reagimos: a opinião de nossos primos, as nossas moleiras, as nossas vaidades prevaleceram? Ou soubemos dizer sim ao apelo d’Ela?

O estado de prontidão

Em face disso, o que é o estado de prontidão? É o estado da pessoa ciente de que precisa estar sempre com o espírito disposto, em estado de alerta, na perspectiva seguinte: de um momento para outro eu vou ser chamado para travar a linda batalha de minha existência e a dar o meu sangue, a minha vida. Portanto, tenho como preocupação principal estar mobilizado em seu interior e bastante desapegado de todas as coisas para estar pronto quando isto acontecer. E o estado de alerta católico foi definido por Nosso Senhor Jesus Cristo, no Horto das Oliveiras, para os Apóstolos: “Vigiai e orai para não cairdes em tentação.”

Vigiai, quer dizer, é preciso uma vigilância sobre o inimigo contínua! Não me refiro ao terrível inimigo interno, vos falo do inimigo externo.

Flávio Lourenço
Coroação da Virgem – Museu Pierre-de-Luxembourg, Villeneuve-lès-Avignon, França

Ou seja, a todo momento podem acontecer coisas que representem para a Igreja, para nossa Causa, a necessidade de tomar uma posição extrema!

A vigilância supõe hábitos de austeridade

Nosso Senhor é quem está no alto da torre perscrutando os horizontes. Olhemos para Ele acompanhando no seu olhar, nos seus gestos, no seu espírito, quais são os inimigos que Ele vê, quais os receios que Ele tem, quais as manobras para as quais Ele está se preparando. Na perpétua vigilância de Nosso Senhor Jesus Cristo procuremos nos associar, compreendendo-a; estejamos prontos a dar tudo em união com Ele, como Ele e a todo momento. É essa a nossa vigilância!

É a vigilância dos soldados numa fortaleza militar medieval: eles olham para o vigia que se encontra no alto da torre, à espera de uma palavra dele. Basta isso e os soldados se lançam ao combate! É essa nossa vigilância. E assim é o estado de espírito que eu peço que Nossa Senhora lhes dê.

A vigilância, assim vista, supõe hábitos de austeridade e de dureza. Ninguém pode estar em estado de alerta caindo na comodidade da vida de todos os dias.

Há um momento para cada coisa. Há um momento na vida, no qual se pode tomar uma atitude mais ou menos despreocupada, porque as graças vêm. E, depois, há o momento em que isso não é mais possível, porque a graça só atende aos que vigiam. Como houve um momento para os Apóstolos de dormir, porém houve aquele no qual eles deveriam ter ficado acordados e não ficaram. Foi pelo fato de eles terem dormido com moleza na hora de dormir, que na ocasião de ficarem acordados eles não ficaram.

Almas dispostas ao imprevisto

Devemos viver toda a nossa vida cotidiana numa atitude de alerta, resolvidos a fazer as coisas duras, começando por elas, na alegria de fazê-las e dando-lhes preferência! Dispostos aos imprevistos duros, ainda que não tenhamos bem ideia de quais são. E o imprevisto é sempre alguma coisa que a pessoa não sabe o que é. Devemos estar dispostos aos sacrifícios a qualquer momento.

O estado de alerta supõe, então, a disposição de fazer qualquer coisa, a qualquer momento e de fazer um exame de consciência: eu estou disposto ou minha alma não está pronta à voz de Deus que pode me chamar a qualquer momento para lutar por Ele?

A via comum das almas é sentir em si essa disposição. Pode ser que alguma alma dentro de uma via especial, e sem desdouro para ela, não seja bem assim, e posta diante da ideia do sacrifício se atemorize. Houve mártires que entraram no Coliseu tremendo, mas com o auxílio da graça, iam de encontro às feras, entregando-se ao sacrifício.

Devemos ser como os católicos daqueles tempos, dizendo a nós mesmos: eu sinto o medo diante de mim, mas vivo o meu medo dentro da oração confiante, certo de que na hora do sacrifício Nossa Senhora não me negará a graça.

Flávio Aliança
A Virgem rezando – Igreja da Mãe de Deus, Jerez de la Frontera, Espanha

E vou pedir muito a Nossa Senhora a coragem que eu não sinto em mim. Ter em mente a necessidade de pedi-la como um dom precioso para qualquer momento que sobrevier. Isso é o que o estado de alerta significa para nós.

É um ponto para colocar no nosso exame de consciência: Eu estou em estado de alerta? Isto é, estou disposto para qualquer trabalho, a qualquer arbitrariedade, a qualquer perigo? Se estou, devo perguntar: reconheço que isto me vem de Nossa Senhora? Compreendo que se eu pedir Nossa Senhora me dará? Eu estou pedindo mais?

O estado de alerta: a quintessência da pureza de coração

Outro dia me mostraram a explicação de uma das bem-aventuranças: bem-aventurados os limpos de coração porque eles verão a Deus. E o Catecismo explicava que limpo de coração não é exclusivamente o puro, mas o conceito é muito mais alto. Qual é a limpeza de coração? É o fato de a alma estar dada à Igreja Católica por inteiro e, portanto, sem nenhuma espécie de erro e de mal. É a definição da posição combativa. Porque se não se tem para com o inimigo nem cumplicidade e nem moleza, corre-se em cima dele: eis o combate. Logo, este estado de alerta é a quintessência da pureza de espírito.

Esta pureza de espírito se alimenta no estudo, pela compreensão, pelo amor.

Junto ao estudo vem a oração. É evidente. Sem oração nada conseguimos. Nem o estudo nos é útil sem a oração. O alerta católico é vigiar e orar, porque a oração é tudo na nossa vida e na nossa alma. E a oração do guerreiro em estado de alerta, não é a oração de uma pobre beata.

Além disso, temos o trabalho para quebrar os mil pequenos hábitos molengos pelos quais não queremos fazer o que é duro, de criar o reflexo de fazer varonilmente o que é duro. Pois, não se trata apenas de trabalhar, é preciso fazer um trabalho bem feito, com decisão, indo até o fim.

Um pedido a Nossa Senhora

Até o último alento o maior empenho, a coragem mais extrema, o entusiasmo mais completo, a oração mais contínua, a disciplina mais perfeita, a vigilância mais infatigável, eis o que devemos desejar e pedir a Nossa Senhora.

Qualquer coisa que se faça: atender a um telefone, elaborar um trabalho intelectual, executar um serviço, escrever uma carta, tudo fazer com esse espírito de prontidão, tornando-o o objeto de nosso exame de consciência, antes do qual se poderia recitar:

“A Igreja é a Pátria sacrossanta de minha alma, invadida, traída e posta no maior extremo possível de sua aflição. Quero saber se eu sou ou não sou o guerreiro desta Igreja; quero saber se eu mantive o meu estado de alerta de acordo com o exame de consciência que eu estou fazendo.”

(Extraído de conferência de 26/5/1969)

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