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Súplica ardente, filial, magnífica e respeitosa

Em meio ao mar encapelado de tentações e provações que caracterizam nossa trajetória ao Céu, Maria Santíssima é a Estrela cuja luz resplandece na noite dos infortúnios. Ela é a Mãe terníssima, consoladora e esperança em todos os momentos e estágios de nossa vida espiritual.

Há uma oração a Nossa Senhora – a qual reputo uma verdadeira maravilha – tirada de um livro atribuído a Tomás de Kempis1, autor da Imitação de Cristo, obra-prima de unção, teologia e piedade.

Antes de a considerarmos, é necessário termos presente o seguinte: ao longo da vida espiritual, a alma passa por várias desolações, de modo culposo ou não, que a abatem, a prostram e tendem a tirar-lhe o ânimo.

zeitgenössischer Maler (CC3.0)
Tomás de Kempis

Estados de provação interior na trajetória das almas para o Céu

Alguns autores de vida espiritual sustentam a tese de que o pior do pecador não é o pecado, mas o estado de desânimo a que fica reduzido após uma queda e a falta de coragem de se aproximar de Deus Nosso Senhor como um verdadeiro filho.

Há almas pecadoras que prevaricam e afundam na prostração e no abatimento. Há outras que não pecam propriamente, no sentido de cometerem uma ação diretamente contrária aos Mandamentos, mas acabam por cair na tibieza. Essa é a queda mais inopinada e frequente na vida espiritual: o fervor vai “mar alto” e, de repente, sobrevém a tibieza, e a chama vai diminuindo até extinguir-se. Tudo se transforma em tédio, monotonia e desinteresse; tudo é aridez, desolação e secura de espírito.

Às vezes isto se dá pelo fato de se ter consentido num pecado de tibieza, mas também pode constituir uma provação, da qual não se tem culpa alguma. Esses são os estados trágicos pelos quais a pessoa passa e que constituem a trajetória para o Céu. Atravessando-os de modo vitorioso, a alma alcança a glória celeste.

É especialmente durante essas etapas difíceis que Nossa Senhora é invocada como a “Estrela do Mar”, daquele mar noturno e encapelado de todas as ondas, com fortes ventos e ventanias. Ela é a Estrela que nos guia e nos salva das várias tempestades e maremotos de nossa vida espiritual.

Flávio Lourenço
Crucifixão – Igreja de Santiago, Villarreal, Espanha

Tendo isto presente, contemplemos a oração, colocando-nos na perspectiva de uma alma pecadora ou tíbia; ou da alma inocente, atribulada e assolada pela desolação dos grandes vendavais da aridez.

Rainha cheia de graças e Virgem serena

Eu Vos saúdo Maria, cheia de graças, Virgem serena, singular esperança…

Maria está cheia de graças e tem de modo superabundante tudo quanto precisamos. Nossa atitude se equipara, portanto, à de um mendigo que se dirige a uma rainha riquíssima: “Eu Vos saúdo Majestade, Senhora de todas as riquezas do reino. Minha miséria Vos presta homenagem e implora a vossa misericórdia”. É uma bonita condição de humildade e confiança.

…Virgem serena…

Ela é tão serena, tão plácida! Até no momento tremendo do Consummatum est, junto à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, Ela conservou-Se virginalmente serena.

Se estou abalado, agitado, provado, aflito, atormentado, devo deitar meus olhos sobre o pacífico semblante d’Ela e esperar uma transfusão em mim de algo da serenidade d’Ela.

Esperança suprema, terna Mãe dos órfãos

…singular esperança dos infelizes…

Singular aqui quer dizer a esperança suprema. Como Nossa Senhora é a única esperança, n’Ela confiam os mais desventurados, ainda que se vejam em situações irremediáveis nas quais não têm razão para esperar, por toda espécie de motivos de infelicidade.

…terna Mãe dos órfãos, eu Vos saúdo.

Por que “órfãos”? Como consequência do pecado original, o ser humano é órfão, porque vive nesta Terra longe de Deus. Nossa Senhora é precisamente a terna Mãe de todos os órfãos. Por isso os olhos se voltam para Ela como a dizer: “na minha orfandade, como na de todos os homens, porque de todos sois Mãe”.

Quanta beleza e quanta esperança contempladas nessa oração!

Socorro e fortaleza dos fracos

Quando toda a sabedoria e toda a força se retiram de mim e eu em nada posso me apoiar…

Flávio Lourenço;Agnaldo Cidro
Nossa Senhora, Estrela do Mar – Igreja Maria Estrela do Mar, Los Angeles, EUA

É a alma pecadora, da qual a sabedoria e a fortaleza se retiram, e ela não tem mais onde se apoiar.

…quando o tédio da vida presente e a angústia do coração me estreitam tão fortemente, que eu quase não posso fazer nada neste mundo…

Trata-se da alma que caiu no fastio, às vezes, sem culpa própria, e sente o peso da vida, onde a prática da virtude se torna supremamente difícil e monótona.

…quando o sol da alegria desapareceu e uma noite de temores e tristeza…

É a situação da alma que outrora fora alegre, mas vieram as tentações, as provações e o sol do regozijo sobrenatural desapareceu; reina a noite de temor e tristeza, semelhante à da Agonia de Nosso Senhor Jesus Cristo. Poderia haver algo pior?

De um lado a provação e de outro as tendências ruins que crescem e se agitam em seu interior; e o medo de ser submersa pela tentação.

Mãe e Consoladora dos aflitos

Também quando chega uma enfermidade imprevista ou quando uma adversidade se agiganta, as almas são acometidas de uma doença inesperada. Doença que faz sofrer, doença que abate e doença que traz consigo o espectro da morte.

A morte é de si um castigo e, salvo uma graça especial, os homens a temem. Quantas e quantas vezes as sombras da morte nos circundam de todos os lados na iminência de nos envolver. Vêm-nos à ideia nossa morte, a morte de alguém próximo a quem amamos… Essas sombras vão nos cercando, como uma espécie de crepúsculo que pousa sobre nós.

Quando todos esses males caem sobre mim, para onde fugirei?

Quem sofre males tem vontade de fugir, é evidente.

Para qual lado me voltarei senão para Vós, boa Consoladora dos pobres?

Aqui a palavra consolação tem dois sentidos. Primeiramente consolar significa dar forças. Ou seja, àqueles que são fracos, não têm força em si, mas sabem que rezando alcançarão esta força e as pedem para resistir; Nossa Senhora é quem dá forças.

Arquivo Revista
Dr. Plinio, em Aparecida do Norte, em dezembro de 1968

Há também um outro sentido que não é apenas a força para lutar, mas é o carinho, o afago, a doçura que penetra na alma para compensar tanta amargura e tristeza, tanta provação. É um sorriso da Santíssima Virgem para a alma, Ela que é a Consolatrix afflictorum.

Maria, Estrela brilhante do mar

Em qual horizonte prenderei os meus olhos para atingir o porto, senão em Vós, Estrela brilhante do mar, que sempre resplandeceis e não escondeis jamais a luz de vossa graça?

Na noite dos infortúnios, Ela é a Estrela cuja luz resplandece sempre e guia os navegantes.

Ó Maria, Mãe suave e bem-amada! Sim, Vós sois a Estrela brilhante do mar; Vós que consolais todos aqueles que Vos contemplam e Vos chamam, e os conduzis logo ao porto da tranquilidade…

Em tempos remotos, os navegantes guiavam-se pelas estrelas, particularmente por uma, cuja presença norteava-lhes o caminho durante a noite, de maneira que na imensidade do oceano aqueles barquinhos não tinham outro rumo senão olhar para ela. Nossa Senhora, na terrível navegação da vida, é nossa Estrela do mar.

…eu me refugio perto de Vós. Se estais perto de mim, minha gloriosa Senhora, quem será contra mim?

Portanto, se nos refugiamos junto a Nossa Senhora e nos colocamos sob o manto de sua proteção, o demônio nada poderá contra nós.

E se concedeis vossa graça, quem a poderá recusar?

Ora, Ela sempre concede graças; trata-se de nunca as rejeitarmos.

“Dizei-me que Vós sois minha Mãe!”

Estendei, pois, vossos braços sobre minha cabeça, para que eu me refugie sob sua sombra.

Que gesto, que intimidade bonita! Pedir a Nossa Senhora que estenda as mãos d’Ela sobre minha fronte exausta, cansada, preocupada, sofredora e isto bastará.

Dizei à minha alma: “Eu sou tua Advogada, nada temas. Como uma mãe consola seu filho, assim Eu te consolarei.”

É próprio à devoção mariana, ouvir essa palavra interior que Nossa Senhora comunica às almas de um modo misterioso. Não há alma verdadeiramente marial que não tenha sentido em si algo dessa moção interior. É a inconfundível voz d’Ela!

Então, o pedido: “Por esta voz misteriosa que não atinge os ouvidos, mas enche a alma, dizei-me que Vós sois minha Mãe e só então serei tranquilizado!”

É uma súplica ardente, filial, magnífica e respeitosa à Santíssima Virgem.

(Extraído de conferência 25/5/1968)

1) Imitação de Maria. Livro VI, cap. II.

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