Numa análise apurada acerca dos panoramas do Brasil, Dr. Plinio comenta como os cenários geográficos deste imenso país são promissores de um futuro grandioso, misterioso, ainda não decifrado por ninguém, cuja realidade parece dizer: “Ou tu serás grande ou serás nada. Ponha-te na estatura de teu mapa!”
A vocação do Brasil se exprime de modo muito característico pelos panoramas.
Um quadro profético da vocação do Brasil
Não tratarei de nossas belas encostas marítimas, assunto tão conhecido, embora quisesse comentar algum dia os movimentos do mar, como as ondas se quebram deixando a desordem na água, até se recomporem em ofensiva… Como isto imita os movimentos da História! É admirável! Os refluxos, os avanços… A massa de água que ora se esconde, ora finge desaparecer, depois volta à tona…
É uma espécie de ludo muito bonito, que exprime certas habilidades da alma brasileira, determinados jeitos, quer para acariciar, quer para louvar a Deus, quer também para fazer política.
Alguém dirá: “Fantasia!”
Não. Trata-se de um quadro da vocação do Brasil, com algo de profético. Porque, para quem sabe interpretar um panorama, é forçoso que lhe venha ao espírito o seguinte pensamento: “Estas paisagens são feitas para ser cenário. Quais os homens que lhe estarão à altura? O que se passará aqui?”
Os panoramas majestosos mais belos e característicos parecem trazer consigo uma mensagem. Ao se fixar neles a atenção, notam-se grandezas e belezas que lhe são superiores, o que dá a convicção de que a história do Brasil ainda não começou, e cria-se no espírito a impressão de uma promessa da Providência, como a dizer:
“Eu estou lhes mostrando isso, mas o que está por vir, se forem fiéis, será ainda muito maior e mais belo. Confiem! O que lhes está sendo pedido é duro, mas corresponde em proporção ao futuro. O povo brasileiro se ‘despertará’ e estará à altura de seu chamado!”
Fundo equilibrado de tristeza, inclusive na alegria
O brasileiro compreende muito a cruz. Quando ele canta, por exemplo, o “Luar do sertão”, de fato, canta a tristeza. E o que faria dele um homem verdadeiramente como deve ser é se ele soubesse contemplar a dor presente em tudo, mesmo nos mais bonitos panoramas deste país.
Fizeram do Rio de Janeiro um lugar de prazer. No entanto, analisando a linha do Corcovado, por exemplo, vê-se ser muito digna e não convida ao saracoteio.
Também a Ilha de Paquetá. À medida que vamos nos aproximando dela e o panorama vai se abrindo diante de nós, entramos em “interlocução” com uma dor amena, bondosa, doce, consoladora… a qual, a meu ver, aponta o mais excelente aspecto da alma brasileira: um fundo equilibrado de tristeza, inclusive na alegria.
O brasileiro tem alegrias, mas há em sua alma uma presença enluarada de tristeza, que é uma maravilha!
Panoramas que apontam para um destino imenso
Em certos panoramas do Brasil, como nos de todos os lugares pouco povoados – isso tomará em cada qual uma perspectiva própria –, há extensões enormes entre os múltiplos aspectos de um mesmo panorama. É a “voz” das distâncias vazias…
O que elas dizem? O que contam? O que elas comentam? A que convidam?
O Rio de Janeiro tem muito de vazio na Baía de Guanabara, porque é pouco povoada. E há um fenômeno curioso: aquelas belezas parecem repetir-se em suas geografias. De modo que não seria correto dizer que se vai de novidade em novidade. De maravilha em maravilha, sim; de novidade em novidade, não. Porque há como que vários pequenos Pães de Açúcar, vários Flamengos, várias pequenas Copacabanas.
Por outro lado, não há uma ordenação à maneira do jardim de Versailles, com ilhas colocadas em ordem, umas em relação às outras. Isso não seria possível existir num clima inteiramente tropical como o nosso. Assim, há ilhas que causam surpresas, mas tais surpresas se repetem e, no contorno de várias delas, nós nos lembramos de outras que já vimos com idêntica configuração.
A consideração desse fenômeno produz no espírito um certo desnorteamento: algo sobremaneira grande que se repete e, ao mesmo tempo, não. É uma espécie de eco no qual a figura do Pão de Açúcar repercute. No entanto, isso se passa dentro de uma vastidão que as próprias “reproduções” causam a sensação de ser como um enorme labirinto. A impressão que fica é a de uma imensidade e de uma charada a ser resolvida. Qual é o unum e o pulchrum desse panorama?
Poucas são as pessoas com a coragem de fazer uma análise assim, porque foge da banalidade do elogio comum: “Que lindo, não é? Olhe o mar azul… veja as águas esverdeadas! Olhe lá uma ondinha. Oh… aquele coqueiro!”
Pelo contrário, procura-se captar e explicitar aquilo que experimentamos em nossa alma ao contemplar tais panoramas: “Que enormidade! Isso é um espaço tomado por um eco visual que se repete a si mesmo de todos os lados e de todas as formas, sem nunca ter a monotonia e raras vezes tendo a surpresa completa. E eu fico sem saber o que fazer de mim mesmo dentro de tudo isso. Nessa imensidade, sou um ponto indefinido e sem rumo…”
É o panorama de um país destinado a um futuro imenso ainda não decifrado, cheio de incógnitas atraentes, as quais se procura interpretar com muita diligência. Porém, não é o esforço do pedreiro e, sim, o do homem de pensamento e de sensibilidade, que espreita a explicação e decifra a nação.
Aliás, quiseram tirar do Rio de Janeiro a capital do País. De fato, retiraram as repartições públicas, mas o coração do Brasil continuou ali. O Rio é uma espécie de misteriosa síntese do Brasil, um convite para o futuro, misterioso também.
A alma brasileira, os espaços brasileiros têm essas proporções, cuja realidade parece dizer ao Brasil: “Ou tu serás grande ou serás nada. Ponha-te na estatura de teu mapa!”
Quando viajei de avião para assistir à posse de um bispo em Diamantina, sobrevoamos umas serranias de Minas Gerais, todas feitas de minério, com uma vegetação suficiente para não ficar indiscreto demais. São montes, montes e montes, que não se sabe para onde vão, fazendo o mesmo jogo de repetições da Baía de Guanabara. Uma topografia que aponta para um destino imenso, o qual não se chega a discernir num olhar só; apenas se percebe algo e se exclama: “Ó beleza!”
Em Minas, como na Baía de Guanabara, tem-se vontade, às vezes, de separar e cortar à tesoura a extensão geográfica: “Aqui é um panorama, ali é outro…” Mas, vê-se que não é possível, porque é uma perspectiva gigantesca, contendo vários “todos” dentro de si.
Quais são estes “todos”? Qual é este mundo do futuro que nos espera dentro dos possíveis de Deus? Que beleza! É o único mistério que conheço na Terra, o qual sorri e não faz carranca.
O mistério brasileiro afaga e envolve, e nos diz: “Meu filho, eu não me mostro agora, mas entende que, do fundo das minhas brumas, te espera uma delícia. Há um palácio maravilhoso para ti, o qual não vai intimidar-te. É o teu lugar, é o teu palácio!”
Meu patriotismo é feito deste amor a Deus, que se define assim: procurar a voz d’Ele na natureza. No momento em que eu tenha encontrado a voz de Deus na natureza, encontrei o sentido da palavra “Brasil”.
(Extraído de conferências de 24/4/1986, 6/10/1990 e 8/12/1990)