sábado, septiembre 21, 2024

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I – Gênese de uma obra, sagacidade em defesa da Igreja

Até o ano de 1939, mais ou menos, o ambiente católico brasileiro era muito coeso. Todos os fiéis estavam unidos em torno da mesma doutrina, não havia ainda esquerda católica1 nem quaisquer divisões.

Quando a paz e a concórdia reinavam entre os católicos do Brasil

Num país de imensa maioria católica, como era o Brasil, o Movimento Católico era pujante e tinha se tornado ainda mais forte pelo grande desenvolvimento das Congregações Marianas, cuja força se manifestara de modo saliente e incontestável por ocasião de minha eleição para deputado.

Inspetoria Salesiana de São Paulo
Concentração de congregados marianos no Liceu Coração de Jesus, em 1935

Arquivo Revista
Evento dos congregados marianos na Catedral da Sé, ainda em construção, em meados da década de 1930

ACMSP (PF-04-01-30)
Dr. Plinio (em destaque), em 1934, com os membros da bancada paulista, por ocasião de um jantar solene no Hotel Copacabana, Rio de Janeiro

Arquivo Revista
Dr. Plinio no Rio de Janeiro, durante seu mandato de deputado, em 1934

Com efeito, as Congregações Marianas constituíam um movimento que estava na crista da onda, chefiando uma série de outras organizações. Representavam uma grande avalanche a estender-se por todo o país.

Uma comprovação característica dessa pujança é o fato de que, no início do movimento mariano, era considerado feio, vergonhoso, um homem ser católico praticante. A castidade masculina era tida como uma coisa abominável. Entretanto, alguns anos depois, o movimento mariano de tal maneira se impôs à admiração de todos, que ficou bonito ser congregado mariano. No começo, os congregados tinham a tentação de esconder que o eram; ao atingir esse apogeu, deu-se o contrário: quem não era procurava fingir-se de congregado.

A Federação Mariana até precisou abrir um processo contra alguns comerciantes que falsificavam e vendiam o distintivo de congregado para qualquer um que não o fosse nem queria ser, devido ao ônus e à responsabilidade que tal estado implicava. Então, indivíduos assim compravam o distintivo para andar pela rua fingindo-se de congregados marianos. Era uma brilhante reviravolta da situação, uma vitória de primeira ordem.

Vivia-se num período em que as crises internas da Igreja na Europa e um pouco nos Estados Unidos não tinham chegado ao Brasil. Reinava uma paz religiosa completa, numa inteira confiança e concórdia entre as diversas associações católicas e, por causa disso, uma total ausência de desconfianças.

Não passava pela cabeça de nenhum católico a hipótese de que outro congregado mariano, ou qualquer outra congregação ou associação, tivesse uma intenção desleal, malévola, anticatólica e estivesse fazendo um trabalho de sabotagem. A mim mesmo não ocorria essa ideia. Eu julgava que havia os católicos, de um lado, e depois o mundo composto de homens e mulheres sensíveis à influência cinematográfica de Hollywood, às más revistas, à má imprensa em geral, constituindo, portanto, uma massa diferente da nossa, não diretamente em guerra contra nós, mas que nos via com maus olhos.

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Alceu Amoroso Lima, conhecido como Tristão de Ataíde

Existia, isto sim, um começo de corrente comunista. Então este era o grande “dragão”, o principal adversário.

Na realidade, essa grande concórdia no movimento católico, não conhecendo inimigos internos, apresentava um quadro irreal, porque dos movimentos de esquerda católica na Europa começavam a chegar propagandistas apoiados por pessoas de prestígio nos meios católicos, como Tristão de Ataíde2 e numerosos eclesiásticos, que mandavam vir essa gente para fundar aqui grupos que de modo velado queriam espalhar as ideias esquerdistas.

As doutrinas difundidas pelo Movimento Litúrgico3 e pela Ação Católica4 constituíam os grandes meios de penetração dessa propaganda velada.

Novas ideias impulsionadas por moças arrojadas

Habituado a viver nessa atmosfera de concórdia, notei com muita simpatia que, em determinado momento, o ambiente católico de São Paulo estava se enriquecendo pela presença de um grupo de moças provenientes de boas famílias, extraordinariamente capazes, inteligentes, e julguei que tinha aparecido mais uma força definida, decidida, capaz de lutar a favor da Causa Católica. Donde então eu as ter acolhido muito bem e, guardadas as diferenças que naturalmente deve haver entre os sexos, ter feito com elas boas relações.

Porém, ao cabo de algum tempo, comecei a perceber haver nelas qualquer coisa de meio esquisito, modernoso, arrojado, igualitário. Eu não tinha a sensação de que elas possuíssem a mentalidade católica.

Contudo, elas procuravam nos agradar e manter muito boas relações conosco, que constituíamos o grupo do Legionário. Eu ficava, até certo ponto, com desconfianças, mas, de outro lado, achando que talvez isso ainda se compusesse. Quiçá um bom padre, um bom diretor espiritual daria a elas uma boa orientação.

Começaram a trabalhar em torno da Ação Católica, apresentada por elas como uma novidade que haveria de reformular por completo os métodos de ação da Igreja, com uma capacidade extraordinária de conversão. Eu achava aquilo um pouco estranho… Algo assim tão extraordinário, uma espécie de raio laser em matéria de apostolado, era esquisito.

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Alunas da Escola de Serviço Social, em 1937

A era dos círculos de estudos

Esse grupo de moças não gostava de promover reuniões em estilo de conferência e sim círculos de estudos onde todos opinavam, pois elas diziam ser inamistosa e até anticristã uma conferência na qual o conferencista pretende saber mais do que os ouvintes e lhes faz sentir isto.

Certa ocasião realizou-se, numa casa particular alugada por elas, um círculo de estudos para o qual me convidaram, e eu fui. Encontrei ali, entre os participantes, aquele perpétuo sorrisinho conciliador e superficial. Fiz algumas perguntas a respeito das ideias estranhas que se difundiam entre eles, mas ninguém respondeu. Tristeza geral no círculo de estudos. Dias depois, um sacerdote me procurou e disse:

— Dr. Plinio, queria lhe dizer que seria melhor o senhor não comparecer aos círculos de estudos. Eu preciso lhe confiar o efeito que a sua simples presença causou lá.

— Diga. Qual foi o efeito? Eu realmente desejo muito conhecer.

— Foi de pânico, todo mundo tem medo do senhor.

— Mas faltei com a atenção a alguém para meter medo?

— Não, mas o seu modo anacrônico mete medo.

— Mete medo a quem?

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Dr. Plinio, ao centro da primeira fileira, na sede do Legionário, no início de 1935

— A mim e a todo mundo. O senhor precisa ver o vazio que está se cavando em torno do senhor. Os participantes chegaram à conclusão de que o senhor tem uma mentalidade tão autoritária e férrea que não serve para esse intercâmbio fraterno dos círculos de estudos. O senhor é muito afirmativo, com esta sua certeza, este seu autoritarismo, seu modo de discutir que vai empurrando a pessoa contra a parede. Hoje não se deve mais ser afirmativo. Estamos numa época de liberdade, de sugestões que tendem a se encontrar e se conciliar, e não de opiniões apresentadas por essa forma categórica.

É de se notar que, por se tratarem de moças, eu procurava realmente não tomar ares de quem ensina, exprimindo-me à maneira de conversa. Mas ele continuou:

— Ainda quando, por amabilidade, o senhor não queira tomar ares de quem ensina, vai lá com sua convicção e armado de argumentos, quando nós não estamos mais na época em que um homem de aspecto aristocrático, de professor de todo mundo, resolve um problema e depois não se tem nada mais a dizer.

— Perdão, nós estamos na época de quê?

— Nós estamos na época dos círculos de estudos, onde ninguém é o mestre para encontrar o caminho, mas todos fazem uma roda, cada um dá um parecer amigo, desprevenido, um fragmento de opinião, como um colaborador entre outros, sem querer dizer mais do que ninguém, sem demonstrar que alguém está errado, nem fazer tanta carga nesta distinção entre a verdade e o erro, o bem e o mal, a ortodoxia e a heterodoxia. Todos caminham juntos procurando a verdade, de mãos dadas, com caridade. O círculo de estudos é uma colmeia de produção intelectual na qual ninguém vai com conceitos formados e todos elaboram juntos a ideia ali.

Pensei, sem externar a meu interlocutor esta minha reflexão:

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Antigo prédio da Congregação Mariana de Santa Cecília, na Rua Imaculada Conceição

“E o Catecismo? Onde está a Doutrina Católica pela qual devemos estar dispostos a derramar o sangue? Ali não estão ideias formadas e argumentos a serem levados a um círculo de estudos? Há um curso chamado de apologética, onde se aprendem os argumentos que justificam a Fé Católica. Não se leva isso para uma conversa? Então, o que eu levo? Paganismo?! Ora, isso serve para um ator de Hollywood que só sabe fazer micagem, mesmo quando vai falar sobre um tema sério. É um bobo que se reúne com cinco outros bobos para dizer bobagem durante algum tempo. Não é o nosso sistema.”

Recados de um conhecido, declaração de guerra

A certa altura, notei que um jovem redator do Legionário estava sendo atraído por aquela corrente. Era um rapaz não muito inteligente, mas amável, sempre disposto a concordar com quem estivesse de cima, muito oportunista e cuja adesão a minhas ideias não me convencia muito, porque dava-me a impressão de que ele aderia a mim por eu estar nos galarins, mas se não estivesse, ele não pensaria como eu.

Esse grupo de moças da Ação Católica organizou uma espécie de congresso, na sede da Congregação Mariana de Santa Cecília, um casarão em cujo andar térreo ficava O Legionário, que era o órgão da Congregação Mariana, e o piso superior era todo tomado por um salão bem grande. Ali eram realizadas as sessões, no decorrer das quais ouviam-se palmas, vivas, risadas… Eu achava aquilo tudo estranho, pois era um gênero de palmas frenético, com gargalhadas que indicavam estarem sendo ditas coisas engraçadíssimas; mas o modo pelo qual as pessoas riam naquele andar de cima era parecido com o de quem ri de uma piada imoral. Eu, de olho vivo, achando aquilo esquisito, mas ainda não concluindo nada.

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Dr. Plinio, em 1937 aproximadamente

Uma noite eu me encontrava na minha sala de trabalho, onde funcionava a Diretoria do Legionário, quando, terminada a festa, vejo aquele mundo de gente descer e, afinal, aparecer também aquele rapaz que ficara pinçado por elas lá em cima. Ele foi até a minha mesa e, pondo-se diante de mim com ar de superioridade, disse:

— Plinio, os seus rumos vão ter que mudar.

Diante dessa declaração tão fanfarronante, deixei de trabalhar e olhei para ele. Então continuou:

— É patente que você se choca com a Ação Católica porque é um tradicionalista e ela é moderna. Agora, eu preciso avisá-lo: ou você adere ou será completamente esmagado. Depois desse congresso, vocês – referia-se aos do grupo do Legionário – ou mudam sua doutrina e seu método de ação ou vão ficar completamente postos à margem. Porque a Ação Católica tomou um impulso que não combina com os métodos deste jornal. O Legionário está liquidado.

Em vez de cair com argumentos em cima dele, deixei-o falar para ver o que vinha. Percebi que ele fora mandado por aquele grupo de moças para ver se me induzia à imprudência de soltar um dito qualquer que pudesse servir de slogan contra nossa orientação. Mas, para isso, transmitia imprudentemente o que se conversava nas rodas confidenciais. Era, portanto, o momento de eu me informar do que diziam lá.

— Ah, é?!

— Você representa, aqui no Legionário, um tipo antigo. Você é combativo, acha que a Doutrina Católica deve ser desfraldada por inteiro aos olhos dos outros e que a discussão é um bom meio de firmar os princípios. Você acha que quando uma pessoa não anda bem na doutrina e nos costumes é preciso combatê-la, dizer isso de frente. Você acha que o tipo do homem e da moça deve ser sério, pensar em coisas elevadas, ter uma linguagem nobre e bonita. Não! Acabou! Agora é uma era nova! Nós vivemos uma época de alegria, de despreocupação. É preciso acabar com o exame de consciência, essa coisa que amarrota o indivíduo. O gostoso é nunca examinar a consciência, ir a festas, bailes, para levar ali o Cristo, porque um membro da Ação Católica irradia o Cristo por toda parte aonde vai.

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Dr. Plinio num evento da Escola de Serviço Social – Fotografia extraída do jornal Diário de São Paulo, 24 de outubro de 1937

— Mas, inclusive nos lupanares?

— Ah, também nos lupanares. Entrando com a alma pura no lupanar, a gente o torna puro. Por isso, certas formas de piedade estão ultrapassadas. Via Sacra, por exemplo. As dores de Cristo passaram. Agora é a época de pensar nas alegrias de Cristo.

— Ah, sei…

— Ademais, nós vivemos no mundo da igualdade. A Ação Católica visa fazer a Igreja lutar por uma revolução para acabar com as desigualdades sociais. Ou vocês do Legionário se ajustam ou o Legionário está morto.

Pensei: “Aqui estão os princípios da Revolução Francesa, a víbora contra a qual consagrei minha vida. Depois de tê-la martelado de todas as formas fora dos ambientes católicos, vejo-a entrar por debaixo do assoalho, e aqui está encarnada neste indivíduo que mais tem o aspecto de uma minhoca do que o de uma víbora.”

Tendo feito o rapaz revelar tudo quanto sabia, eu lhe disse:

— Pois bem, fique sabendo que o Legionário vai liquidar com vocês. Vocês representam uma doutrina errada, que é o contrário da Religião Católica. Portanto, constituem uma infiltração dentro da Igreja. Temos lutado contra tudo e contra todos. Chegou a hora de lutar contra vocês.

Ele deu uma risada e concluiu:

— Nós haveremos de ver quem fica com a melhor…

Esse último dito me deixou intrigado. Essa gente, de si, não tinha forças para lutar comigo. Eles deviam se sentir apoiados por cima para iniciar essa batalha. Quem de cima os apoiava?

Táticas diante da nova conspiração

A primeira preocupação que tive foi de não enfrentar, observar muito, aproximar-me dos ambientes que eles frequentavam, ouvir o que pensavam.

Não tardei a notar a existência de um certo número de padres, e mesmo de bispos, que davam apoio a eles, ou viam-nos e estavam de acordo. E, por debaixo do pano, até sopravam essas ideias. Percebi que esses clérigos, antigamente amigos do Legionário e meus, iam nos deixando à margem e colocando em cargos diretivos o pessoal dessa nova corrente. Armava-se, assim, uma verdadeira conspiração para introduzir as ideias novas em lugar das antigas.

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Dr. Plinio num evento das Congregações Marianas no Rio de Janeiro, em 1937

Resolvi, então, continuar a usar a tática de, em vez de combater, ouvir e sorrir, levando-os a revelar, apesar do suposto medo de mim, a arrière pensée5 deles. Quando eu tivesse me informado bem, tomaria as providências que as circunstâncias pudessem comportar.

Com esse objetivo, fui mantendo o convívio, conversas, gentilezas, sorrisos, ares feitos para fazer passar o medo. Diante dos maiores absurdos, eu não podia concordar com eles, mas podia perguntar: “Ah, é, é?!” Em determinado momento, creio terem pensado que eu estava meio convertido.

Infiltração organizada, apoiada por eclesiásticos

Assim, pude constatar que, a partir de uma espécie de ordem religiosa clandestina fundada na Bélgica e trazida para o Brasil por Mademoiselle de Lhoneux6 – uma mulher meio leiga, meio religiosa –, instalara-se nos meios católicos a mentalidade que, em matéria de Ação Católica, correspondia ao que o Movimento Litúrgico representava em liturgia. Não tardei a perceber que essa gente da Ação Católica colaborava intimamente com os liturgistas e que esses dois movimentos constituíam o verso e o reverso de uma só realidade, embora uns não falassem muito a respeito dos outros.

Dei-me conta, então, de que essa conspiração tinha caminhado muito e galgara graus dos mais excelsos na hierarquia eclesiástica, pouco mais ou menos a perder de vista.

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Posse de Dr. Plinio como presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica, em 12 de maio de 1940

Quanto ao Movimento Litúrgico, cuja “cidadela” encontrava-se no Rio de Janeiro, recebia apoio de um bom número de monges do prestigioso mosteiro de São Bento, como também do Tristão de Ataíde, homem de total confiança do Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Sebastião Leme da Silveira Cintra7.

Em São Paulo, a Ação Católica gozava de todo o apoio do jovem bispo auxiliar, D. José Gaspar d’Afonseca e Silva8, homem alto, moreno, com sobrancelhas pretas, um pouco grossas, que terminavam num ponto meio indefinido, olhos pretos, ar muito sonhador, com umas espécies de olheiras, um tom de voz aveludado. Era o contrário do velho Arcebispo D. Duarte Leopoldo9. D. José Gaspar não parecia feito de granito como aquele, mas de açúcar-cande. Pessoa assaz política e labiosa, extraordinariamente atraente, não muito inteligente, mas com ares de muito culto, embora não o fosse. Qualquer assunto de cultura que se falava em sua presença, ele deitava um olhar de profunda compreensão, mas tomando o cuidado de não dizer nada. Depois, conforme fosse o caso, sabotava ou não o negócio. Mas a sabotagem dele era sempre suave, mansa, em geral com um gemido.

Debaixo de um certo ponto de vista, era a antítese do que eu sou. Quem conhece o meu retrato em moço pode imaginar o encontro dos dois homens. Um, definido, categórico, tom de voz firme, dizendo as coisas como são. O outro, suave, gentil, amável, atraente.

ACMSP (PF-02-04-07)
Funerais de D. Duarte. Em destaque, Dr. Plinio

Nós nos encontrávamos, portanto, diante de uma infiltração gradual, muito prudente, organizada em meios católicos ingênuos, sem nenhuma prática da luta interna e, por causa disso, a léguas de admitir a hipótese de que um bispo pudesse favorecer ideias erradas ou mesmo de serem estas ruins, uma vez que fossem pregadas por um eclesiástico. A opinião reinante era: o que um bispo ou um padre prega é infalível quase como o Papa.

Mudança de panorama, duas mortes sucessivas

Certa manhã, estando em minha casa, uma empregada portuguesa chamada Ana bateu à porta de meu quarto e me acordou. Levantei-me e perguntei-lhe:

— Ana, o que há de novo?

— Sua tia telefonou dizendo que o Sr. Arcebispo D. Duarte está muito mal.

— Ah, está muito mal, é?

— Já se foi…

Minha tia lhe dissera para não me dar a notícia de uma vez, para não me assustar, e o modo delicado que a boa senhora tinha achado para me dizer a coisa foi esse…

Cessadas as funções do arcebispo, cessam também as do bispo auxiliar. Com a morte de D. Duarte em 13 de novembro de 1938, a sede arquiepiscopal de São Paulo ficou vacante. O grande problema para determinar o prosseguimento dessa luta seria saber quem sucederia a D. Duarte.

ACMSP (PF-02-04-06)

Arquivo Revista
Dr. Plinio numa visita ao Arcebispo D. Duarte, em 1934 aproximadamente

Ora, fazia parte dos estilos da Igreja naquele tempo as grandes sedes episcopais levarem muito tempo para serem preenchidas. Em parte porque a Igreja ouvia opiniões de todos os lados, em parte também porque era bonito mostrar sua sabedoria sendo lenta nas grandes ocasiões. Assim incutia confiança na maturidade de seus juízos. De maneira que se passaram muitos meses durante os quais tínhamos essa interrogação: quem seria o Arcebispo de São Paulo?

Em 1939 estourou a Guerra Mundial, o que consolidou muito a ditadura no Brasil. De outro lado, a industrialização se acentuou a partir desse ano, dando origem a dois fenômenos: a inflação e o surto de uma classe nova enriquecida nas indústrias, a qual começou a desbancar os paulistas tradicionais. Desta maneira, naquele ano começou a se dar uma grande revolução social que deveria se acentuar progressivamente.

Nisto, morre Pio XI10, que era quem podia nomear o sucessor de D. Duarte. E ficaram vacantes ao mesmo tempo o Papado e a sede arquiepiscopal de São Paulo.

Library of Congress (Washington DC, USA)
Pio XI e Pio XII

Joachim Specht

Foi preciso, então, aguardar a eleição do novo Pontífice – foi eleito Pio XII11 – para que este elegesse o sucessor de D. Duarte.

“Dias duros nos esperam…”

Em determinado momento, alguém me avisa que a rádio estava dando o nome do novo Arcebispo de São Paulo: D. José Gaspar d’Afonseca e Silva12.

Eu soube que a tal roda de moças da Ação Católica ficou esfuziante de alegria. D. José estava em Itanhaém, passando férias, e elas seguiram imediatamente para lá a fim de felicitá-lo. Resolvi descer também àquela cidade litorânea para congratular o Arcebispo. Ele me acolheu com muita amabilidade, mas notei que toda a simpatia ia para o outro lado. Quando elas se aproximavam, ele ficava vivaz, alegre, divertido. Quando eu estava perto com o pessoal do Legionário, ele tomava um ar tristonho, distante e cerimonioso. Pensei: “Dias duros nos esperam…”

Ao mesmo tempo notei que o presidente da Ação Católica brasileira, Tristão de Ataíde – meu fraternal amigo, com quem me correspondia com frequência – começava a mudar também e a tomar as diretrizes novas. Veio-me a seguinte reflexão:

“Eu ainda tenho importantes restos de prestígio e de influência, e grande renome. Ou jogo tudo agora numa batalha, ou estou perdido. Quer dizer, preciso conservar junto ao novo Arcebispo um cargo e uma situação que me permitam lentamente ir abrindo seus olhos para ver que espécie de movimento ele está apoiando de modo involuntário. E, por esta forma, através da autoridade dele, procurar conter esses erros. Para isso, o meio que tenho é de me fazer nomear presidente da Ação Católica de São Paulo. Mas, vontade de me designar ele não tem. Como posso fazer? O único jeito é mostrar-me muito sentido em relação a ele, como de fato estou. De maneira que ele, tendo o receio de começar seu governo fazendo ficar magoado um homem com as repercussões que trago atrás de mim, me nomeie presidente da Ação Católica.”

Dr. Plinio eleito Presidente da Ação Católica

Fui até o secretário dele – chamava-se Pe. Rolim, e era um desses homens incumbidos de receber recados –, sentei-me ao seu lado e ele me perguntou:

— Então, o senhor está tão contente com a nomeação de seu amigo, o Sr. Arcebispo, não?

Mas era já sondagem que ele fazia. Respondi:

— Olhe, Pe. Rolim, aqui para o senhor, como meu íntimo amigo, devo dizer que não.

— Mas como?

ACMSP (PF-03-01-13)
Dom José Gaspar, Arcebispo de São Paulo

— Eu noto uma grande reserva da parte do Sr. Arcebispo em relação ao Legionário e a mim, pois ele possui um temperamento profundamente diferente do nosso. Ele supõe que tudo se conquista com um sorriso e que os adversários da Igreja, à força de bons agrados, passam a ser amigos. Quem sustenta a respeito dos inimigos da Igreja essa posição deve achar que um jornal como o Legionário e um homem como eu, tão combativos, estragamos tudo, pois azedamos aqueles que, por meio de um sorriso, ele poderia conquistar. Compreendo que a nosso respeito ele tome a mesma atitude de um homem que está recebendo visitantes e tem um cachorro bulldog solto no jardim. Para a festa dar bom resultado, a primeira providência é pôr focinheira. Assim, a primeira preocupação dele deve ser de tolher a nossa combatividade e, portanto, fazer cessar a nossa atividade, acabar conosco. Em última análise, tenho a impressão de que nós não temos mais nada a fazer sob o governo arquidiocesano dele.

Outra providência que tomei foi me aproximar de um jovem padre, chamado Antônio de Castro Mayer, íntimo amigo do Arcebispo13. Com jeito, chamei a atenção do Pe. Mayer a respeito das tendências da Ação Católica e das simpatias do novo Arcebispo para com elas.

Tanto o Pe. Mayer quanto o Pe. Rolim falaram com o Arcebispo. O lance deu o resultado esperado. Dali a pouco D. José Gaspar mandou-me um convite para falar com ele:

— Dr. Plinio, eu pretendo constituir a Ação Católica aqui em São Paulo e gostaria que o senhor fosse o presidente e me indicasse os membros da diretoria.

— Como não, Sr. Arcebispo! Com todo gosto. Eu estou aqui para servi-lo.

Introduzi o pessoal todo do Legionário na Ação Católica e ele aceitou. Acima de mim estava o Pe. Mayer como assistente eclesiástico, em seguida vinha eu como presidente, depois o vice-presidente, secretário, tesoureiro.

Arquivo Revista
D. Antônio de Castro Mayer, recém-sagrado Bispo

É preciso dizer que minha intenção, sobre a qual me debrucei de corpo e alma, era de esclarecer o Arcebispo sobre a situação, realizar todo o possível para levá-lo a colaborar para o bem da Santa Igreja e fazer da Ação Católica uma grande instituição expurgada desses elementos que a tinham infiltrado.

Tudo o que li, o quanto procurei ser amável com D. José prestando-lhe toda espécie de serviços em várias áreas para lhe dar a segurança de poder contar ilimitadamente comigo, e como fui para ele um bom amigo, tudo isso comprova que eu transbordava de boas intenções para com ele.

Ainda que ele não me nomeasse presidente da Ação Católica e tivesse sido injustíssimo comigo, mas não tivesse prestado à Igreja nenhum desserviço, só por ser ele quem era – o meu Arcebispo – eu teria sido fidelíssimo a ele. Esta é uma coisa segura. Por um ressentimento pessoal, eu nunca faria nada contra ele, nem sequer deixaria de servi-lo inteiramente como servi. Não tinha perigo! Com a graça de Nossa Senhora, posso dizer: meu estado de alma era este.

Ademais, se D. José Gaspar me prometesse todas as honrarias, mas quisesse que eu prestasse um desserviço à Ação Católica – mesmo sem dar-se conta de se tratar de um prejuízo –, para isso ele não podia contar comigo. Quer dizer, no centro estava quem sempre deve estar: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. O que eu fiz neste sentido é inenarrável e era minha obrigação.

Denúncias e desavenças

Tiveram início as reuniões da diretoria, para as quais íamos ao Palácio Episcopal São Luís. Em uma delas, o Arcebispo nos recebeu em sua saleta e nos perguntou:

— Então, como vamos?

— Vamos bem.

— Que novidades, que ideias trazem?

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Visita dos membros do Legionário a D. José Gaspar, no Palácio Episcopal São Luís. Em primeiro plano, Dr. Plinio, dirigindo a palavra ao Arcebispo

— Sr. Arcebispo, nós viemos trazer a V. Ex.ª um projeto de regulamento para a Ação Católica.

— Ah, sei.

Em determinado momento, entramos no assunto modas.

— As saias devem ser abaixo dos joelhos e as moças não podem deixar de andar com meias.

— É verdade, não é…?

O “é verdade” dito por ele significava que não era verdade. Pausa… todos na sala em suspense, então ele continuou:

— Nossa Senhora, entretanto, não usava meias.

— É verdade, Sr. Arcebispo – repliquei –, Ela usava túnicas até os pés.

Ele deu um suspiro profundo. Essas eram mais ou menos todas as reuniões: desinteligências e dúvidas.

Um dia, o Pe. Mayer o procurou e disse:

— Sr. Arcebispo, o meu desentendimento com esse setor feminino da Ação Católica é tão grande que peço a V. Ex.ª escolher: elas ou eu.

E apresentou um relatório das ideias sustentadas por elas.

D. José Gaspar entendeu que tirar o Pe. Mayer correspondia a me tirar também. Ora, o Pe. Mayer e eu tínhamos muito prestígio, e o Arcebispo viu que não daria certo. Então respondeu:

— Bem, então se quiser demitir, demita.

O Pe. Mayer não fez cerimônias. Foi à sede delas, reuniu-as e disse:

— As senhoras estão demitidas.

— Mas, como demitidas?

— É isso. As senhoras agora deixam de fazer parte da diretoria, para a qual estão designadas outras pessoas.

A partir de então, a diretoria do setor feminino seria composta por moças que tinham mudado de orientação e tomado as doutrinas sérias adotadas pelo grupo do Legionário.

Tentativas de Contra–Revolução: Escolas de formação para a Ação Católica

Nós apresentamos a D. José um relatório no qual analisávamos a situação do apostolado leigo em São Paulo e as imensas possibilidades de desenvolvimento que este possuía. Com base nisso, submetemos à apreciação do Arcebispo o seguinte plano: constituir uma espécie de faculdade de caráter superior, que tomasse os católicos mais inteligentes, dedicados, abnegados e com espírito mais aberto, formá-los e lançá-los em grande linha sobre o laicato católico, muito numeroso naquele tempo.

ACMSP (PF-03-01-13)
D. José Gaspar no Palácio Episcopal São Luís

Tratava-se de selecionar os mais fervorosos para uma alta formação, dando-lhes – em um curso regular, com um número determinado de aulas por semana – noções a respeito do senso católico, dos problemas da Igreja em nossos dias, as táticas, as lutas, um pouco de História eclesiástica, incutindo-lhes o entusiasmo pela Igreja.

Daríamos o curso e os participantes iriam espalhando as ideias no meio das suas respectivas associações, com a convicção de que cada membro deveria trazer para o seu movimento o maior número possível de adeptos. Estes deveriam, depois, organizar campanhas sistemáticas contra a depravação dos costumes e contra o comunismo que entrava. Ou seja, fazer a Contra-Revolução.

Essa iniciativa deveria ser concebida não como um substituto, mas um complemento do Movimento Católico existente, com vistas a incrementá-lo e orientá-lo. Portanto, não era para destruir nada, mas completar e ampliar algo de excelente que já existia, levando-o ao seu pleno aproveitamento para a realização desse plano.

A meta era agir sobre o Movimento Católico do Brasil inteiro, inclusive seminários e, portanto, o futuro clero, para levá-lo a compreender a situação e a querer empenhar todas as forças nessa direção, de molde a embeber de nossos propósitos e da visão desse panorama uma massa grande de gente que já possuía elementos de uma mentalidade assim, mas que se tratava de desenvolver com vistas a brecar e fazer mudar de rumo a classe dirigente.

Isso deveria criar nas classes superiores a constatação de um fato consumado: as camadas social e economicamente inferiores não funcionavam como uma espécie de bólido que levava a sociedade para o comunismo, mas constituíam uma força ativa e saudável no sentido oposto à imoralidade na qual se encontravam as elites sociais.

Por outro lado, na classe alta – que eu conhecia bem, palmo a palmo – havia gente com um fundo de simpatia não confessada pela moralidade da qual dava mostras a juventude católica da pequena e média burguesia. Isso fazia com que esses simpatizantes fossem a retaguarda do jet set14 na sua marcha avançada para a corrupção.

Com uma ação bem coordenada junto a essa retaguarda, poder-se-ia realizar uma Contra-Revolução, cujo ponto de partida seria a tal escola de Ação Católica.

Relegado um plano que poderia ter salvado o Brasil

Por aí se nota até que ponto levamos nossa dedicação a D. José e à Causa da Igreja Católica. Para a glória do pontificado dele, eu não saberia apresentar um plano melhor. Por certo, se ele tivesse consentido, seu pontificado teria ficado inscrito na História.

Creio, sem exagero, que teria sido talvez o maior sucesso apostólico da Igreja em nosso século, tão boas eram as condições de São Paulo para chegar a este fim.

Se desse certo, o Brasil acabaria se transformando, conservadas as atuais instituições, numa grande nação católica inteiramente fechada ao comunismo e às suas formas de penetração: a dissolução dos costumes, as reformas e a revolução. Tenho certeza de que a realização disso teria salvado o Brasil.

Entretanto, apresentado o projeto, D. José não o aprovou nem reprovou, deixou tudo mais ou menos no ar. Percebi, com isso, a completa inviabilidade do plano e deixei-o de lado.

Declaração de princípios da Ação Católica

No ano de 1940 D. José já se encontrava instalado e a luta velada entre nós estava começando a se definir. Em determinado momento, levamos a ele uma declaração de princípios a respeito da Ação Católica, pedindo-lhe sua aprovação.

Lemos o documento para D. José e o nosso objetivo era o seguinte: se ele aprovasse, seria obrigado a aceitar um conjunto de princípios que justificava a nossa política e, então, não poderia romper conosco. Se rejeitasse, pôr-se-ia como inimigo dessa orientação e se desmascararia.

Apresentamos essa declaração durante uma reunião da Junta Arquidiocesana da Ação Católica num ambiente de muita cortesia, mas pesado de cortar com faca. D. José Gaspar, com o olhar perdido no vago, perguntou ao Pe. Mayer:

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Monsenhor João José de Azevedo

— Bem, o senhor quer mesmo publicar isso aí?

— Parece-me uma coisa verdadeira – respondeu o Pe. Mayer.

— Se lhe parece assim, publique em seu nome.

O que significava: “Arque com as consequências, eu não tenho nada com isso.” Era um modo de se esquivar e de fazer cair sobre nós toda a responsabilidade. Naturalmente, se não fosse de arcebispo para nós e sim de igual para igual, nós diríamos: “Tenha paciência! O senhor está desejando um disparate. O assistente eclesiástico é seu representante e não pode publicar em nome dele um documento que o Arcebispo não quer. Ou o Arcebispo quer, ou não quer.” Mas o Pe. Mayer disse:

— Está bem.

No dia seguinte, saiu pelos jornais: “De ordem do Sr. Arcebispo Metropolitano…”

Primeiros escândalos litúrgicos em Taubaté

Em meio a essa conjuntura fomos servidos por um acontecimento em Taubaté. Havia lá um grupo de padres litúrgicos, os quais levaram a sarabanda a tal ponto que chegaram a realizar os atos de culto de um modo quase comunista. Eles faziam cerimônias da seguinte forma: não celebravam mais as Missas nos altares, mas em redor de uma mesa de copa, para ser caracteristicamente mesa, colocando-a no centro da nave, com todos os bancos afastados e cadeiras em volta, como numa refeição. Ali se dava a celebração, com todo o pessoal sentado em torno, para dar ideia de um banquete.

Nenhuma imagem no local, a não ser um pequeno crucifixo sobre a mesa, porque o Código de Direito Canônico obriga. A comunidade cristã reunida em torno do padre, deputado pela comunidade, para oferecer o sacrifício. Na hora do Ofertório, todos os que iam comungar levavam uma partícula na mão para que o padre consagrasse.

Acrescentavam-se a isso os ditos incríveis de membros da Ação Católica, sustentando que todos eles deveriam frequentar lugares de perdição; enfim, loucuras de todo tamanho. No tempo em que a cidade era pequena, esses desmandos puseram Taubaté em polvorosa.

Ataque ao Movimento Litúrgico

Nessa ocasião, a sede episcopal de Taubaté ficou vacante e foi eleito, por coincidência, um amigo meu, Mons. João José de Azevedo14, vigário de Pindamonhangaba. Era um homem decidido, perspicaz, inteligente.

O braço direito de Mons. João era um padre de São José dos Campos, Mons. Ascânio Brandão16. Foi essa dupla que deu o primeiro golpe frontal no Movimento Litúrgico no Brasil. A coisa foi assim:

U.S. Navy / USS Ticonderoga (CV-14)
Acima, Porta-aviões USS Essex, prestes a ser atingido por um kamikaze, em novembro de 1944. Ao lado, Porta-aviões USS Bunker Hill atingido por um kamikaze, em maio de 1945

U.S. Navy / USS Ticonderoga (CV-14)

Mons. Ascânio era capelão de uma congregação religiosa feminina diocesana de Taubaté, Irmãzinhas de Maria Imaculada. Foi fundada por uma de minhas primas, Madre Teresa, que eu conheço muito pouco. Ela chamou Mons. Ascânio e lhe perguntou se ele não estava notando algo esquisito naquele grupo. Mons. Ascânio deu-se conta dos muitos desvios e, homem de consciência reta, espírito tradicional, em desacordo com os abusos que estavam sendo praticados, começou a intervir advertindo alguns daqueles padres, os quais não aceitavam a advertência, negando que a conduta deles estivesse errada.

Mons. Ascânio escreveu imediatamente ao Núncio contando o ocorrido.

Na próxima reunião do episcopado paulista, D. José Gaspar não esperava que estourasse o caso. Mons. João compareceu como vigário capitular e anunciou ter para contar um caso do Movimento Litúrgico na Diocese de Taubaté. Pegou uma carta na qual Mons. Ascânio narrava esses fatos, além de uma série de outros relatórios, e leu na reunião.

Para não agravar a situação, resolveram fazer apenas uma circular ao clero da Província contando aos padres os abusos litúrgicos de Taubaté, mas recomendando que nada fosse dito aos leigos. Com isso punham uma pedra para evitar novos escândalos. Entretanto, esse documento nos servia nas conversas com D. José, pois dizíamos: “Sr. Arcebispo, veja como foi bom! V. Ex.ª conseguiu atalhar isso na Arquidiocese com as medidas que nos permitiu tomar na Ação Católica. Isso foi uma coisa excelente.” Ele não dizia nada…

Esse fato também concorreu para preparar a mentalidade do Núncio a nosso respeito, de maneira a ele compreender a gravidade do problema.

Decisão de desferir o golpe: o livro “Kamikaze”

Eu notava que a corrente oposta ia crescendo cada vez mais, não só em São Paulo, mas no Brasil, e penetrando nos seminários, tomando influência no clero, enfim, entrando como uma torrente em todos os lados.

Arquivo Revista
Dr. Plinio por ocasião da bênção e inauguração das novas rotativas da Editora Ave-Maria em São Paulo, em 3 de maio de 1939

Percebi, num relance só, o seguinte: se nós demorássemos para atacá-los, acabariam levando para o lado deles todo o mundo, inoculando sua mentalidade. Ou eu denunciava toda a trama para a maioria ingênua que, tomando a sério os esmagaria pela recusa, ou ela se deixaria dominar completamente. Existia um só meio de conter a gangrena: criar um escândalo. Criado esse escândalo, muitos ficariam atemorizados e recuariam. Essa gente não se uniria a nós, mas também não aderiria a eles. Ficaria com uma interrogação na cabeça.

Tornava-se, pois, urgente preparar uma denúncia monumental, que não podia ser feita num artigo de jornal ou de revista, porque tantos eram os fatos a mencionar e os argumentos a dar, que só mesmo redigindo um livro.

Eu tinha em mira um único objetivo, explicitamente declarado no meu trabalho: defender as prerrogativas do Episcopado e do clero contra as doutrinas falsas existentes em certos meios católicos, e que tinham por efeito hipertrofiar as atribuições do laicato, em detrimento da divina constituição da Igreja Católica.

Para isso, era necessário que eu estivesse disposto a sofrer perseguições, calúnias, detrações, a ser esmagado, a jogar-me como um kamikaze. A minha posição de líder católico ficaria arrasada. Mas se eu não desse esse passo, eles o dariam mais adiante, porque, como eu não estava disposto a ceder diante da Revolução, eles me liquidariam de qualquer jeito. Então era melhor eu começar o fogo e iniciar a batalha enquanto ainda tivesse soldados; do contrário, chegaria o momento em que tudo em torno de mim estaria gangrenado e não contaria com ninguém de senso contrarrevolucionário para acompanhar a boa orientação.

O sentido do livro era um SOS, a ideia de que, denunciando essa desordem ao clero inteiro, suas partes sãs se levantariam para protestar, e esse começo de incêndio dentro da Igreja seria abafado, com o sacrifício de minha pessoa, pois passaria a ser mal visto. Mas pouco me incomodava minha pessoa; estava defendendo nossa causa, pelejando pela Igreja.

1) Conjunto de movimentos políticos e sociais cristãos que tentavam inocular nos meios católicos doutrinas de inspiração marxista, dissimuladas sob os temas da justiça social e caridade cristã.

2) Alceu Amoroso Lima (*1893 – †1983), conhecido pelo pseudônimo de Tristão de Ataíde.

3) Movimento que propagava entre os fiéis um incremento à vida litúrgica, considerando como inúteis e defasadas todas as demais formas tradicionais da piedade privada.

4) Movimento fundado em 1929 pelo Papa Pio XI visando ampliar a influência da Igreja no laicato católico, com base na Doutrina Social da Igreja. Ao longo destas páginas se poderá contemplar a luta de Dr. Plinio para manter ileso o ideal proposto pelo Papa, contra os desvios realizados em nome do mesmo Movimento.

5) Do francês: intenção velada.

6) Adèle de Lhoneux, belga, veio ao Brasil para dar impulso às iniciativas de ação social e lecionar cursos de formação social, frequentados pelo que havia de mais seleto na juventude católica feminina de São Paulo e do Rio de Janeiro.

7) D. Sebastião Leme da Silveira Cintra (*1882 – †1942).

8) D. José Gaspar d’Afonseca e Silva (*1901 – †1943).

9) D. Duarte Leopoldo e Silva (*1867 – †1938).

10) A 10 de fevereiro de 1939.

11) A 2 de março de 1939.

12) Dia 29 de julho de 1939.

13) Antônio de Castro Mayer (*1904 – †1991). Em 1940, foi nomeado assistente geral da Ação Católica em São Paulo. Um ano depois tornou-se Cônego do Cabido Metropolitano e em 1942 Vigário Geral da Arquidiocese de São Paulo. Devido à sua grande influência na Arquidiocese, tornou-se amigo de Dr. Plinio, também muito atuante nos meios católicos da época. Em 1948 foi sagrado Bispo da Diocese de Campos, no Rio de Janeiro. Anos mais tarde assumiria uma posição doutrinária tradicionalista e se aproximaria de Mons. Marcel Lefebvre. Apoiando este último, participou da ordenação episcopal em Écône, Suíça, a 30 de junho de 1988, a qual incorreu em excomunhão latæ sententiæ. Por essa época Dr. Plinio já havia se distanciado e rompido amizade com D. Mayer.

14) Do inglês, expressão usada na década de 1950 para designar as pessoas de uma classe social mais elevada.

15) Mons. João José de Azevedo (*1898 – †1976). Vigário da Paróquia Nossa Senhora do Bom Sucesso durante 52 anos, em Pindamonhangaba.

16) Mons. Ascânio Brandão (*1901 – †1956). Exerceu os cargos de Secretário de D. Epaminondas Nunes d’Ávila e Silva, Diretor Espiritual do Seminário Diocesano e do Ginásio Diocesano, na cidade de Taubaté. Foi também vigário da Paróquia de São Dimas, em São José dos Campos, fundador e diretor do Jornal e Gráfica São Dimas e orientador das Pequenas Missionárias de Maria Imaculada.

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