Em certa ocasião, dizia Dr. Plinio:
“Eu temo as festas e as vitórias quando não são senão patamares para ascensões mais altas. Gosto muito que se comemore uma vitória, contanto que essa comemoração prepare para o desejo de mais lutas, mais sacrifícios, mais heroísmos até o ponto em que o último dardo tenha sido jogado no último alvo. Isto é festejar, isto é avançar!”1
Assim como no número anterior, também neste a Revista Dr. Plinio está em festa, desta vez pelo seu 25o aniversário; e a fidelidade a estas sábias e ardorosas palavras nos leva a continuar dedicando integralmente a presente edição2 ao heroico e profético lance que culminou, apesar das aparências contrárias, em uma das mais belas e importantes vitórias de Dr. Plinio, conquistada mediante renhidas batalhas nas quais logrou atingir, de modo certeiro e eficaz, os erros por ele denunciados em seu livro Em defesa da Ação Católica, e a respeito dos quais fez o seguinte esclarecimento na introdução desta sua obra.3
“Os erros que combatemos no presente livro se caracterizam, em grande parte, por seu unilateralismo. Na doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo, apraz a muitos espíritos ver apenas as verdades doces, suaves e consoladoras. Pelo contrário, as advertências austeras, as atitudes enérgicas, os gestos por vezes terríveis que Nosso Senhor teve em sua vida costumam ser passados sob silêncio.
Muitas almas se escandalizariam – é este o termo – se contemplassem Nosso Senhor a empunhar o azorrague para expulsar do Templo os vendilhões, a amaldiçoar Jerusalém deicida, a encher de recriminações Corazim e Betsaida, a estigmatizar em frases candentes de indignação a conduta e a vida dos fariseus. Entretanto, Nosso Senhor é sempre o mesmo, sempre igualmente adorável, bom e, em uma palavra, divino, quer quando exclama ‘Deixai vir a mim os pequeninos, porque deles é o Reino dos Céus’, quer quando, com a simples afirmação ‘Sou Eu’, feita aos soldados que O iam prender no Horto das Oliveiras, Se mostra tão terrível que todos caem por terra imediatamente, tendo a voz do Divino Mestre causado não só sobre suas almas, mas ainda sobre seus corpos, o mesmo efeito que a detonação de algum dos mais terríveis canhões modernos.
Encanta a certas almas – e como têm razão! – pensar em Nosso Senhor e na expressão de adorável meiguice de sua Divina Face, quando recomendava aos discípulos que conservassem na alma a inocência imaculada das pombas. Esquecem, entretanto, que logo depois Nosso Senhor lhes aconselhou também que cultivassem, em si, a astúcia da serpente. Teria a pregação do Divino Mestre tido erros, lacunas, ou simplesmente sombras?
Quem poderia admiti-lo? Expulsemos para muito longe de nós toda e qualquer forma de unilateralismo. Vejamos Nosso Senhor Jesus Cristo como no-lo descrevem os Santos Evangelhos, como no-lo mostra a Igreja Católica, isto é, na totalidade de seus predicados morais, aprendendo com Ele não só a mansidão, a cordura, a paciência, a indulgência, o amor aos próprios inimigos, mas ainda a energia por vezes terrível e assustadora, a combatividade desassombrada e heroica, que chegou até o Sacrifício da Cruz; a astúcia santíssima que discernia de longe as maquinações dos fariseus e reduzia a pó suas sofisticas argumentações.
Este livro foi escrito precisamente para, na medida de suas poucas forças, restabelecer o equilíbrio rompido em certos espíritos, a respeito deste complexíssimo assunto. Mas, antes de reivindicar para as verdades austeras, para os métodos de apostolado enérgicos e severos, tantas vezes pregados pelas palavras e exemplos de Nosso Senhor, o lugar que de direito lhes cabe admiração e na piedade de todos os fiéis, timbra afirmar claramente que, das verdades suaves e dos Santos Evangelhos se poderia dizer o que do Santíssimo Sacramento disse São Tomás de Aquino: devemos louvá-las tanto quanto pudermos e ousarmos, porque não há louvor que lhes baste.
Assim, não se veja em nosso pensamento ou em nossa linguagem qualquer espécie de unilateralismo, de que nos livre Deus. Feito para combater um unilateralismo, não quereria este livro cair no extremo oposto. No entanto, como nem o espaço nem o tempo nos permitem escrever uma obra sobre o amor e a severidade de Nosso Senhor; como, por outro lado, as verdades suaves e consoladoras já são muito conhecidas, chamamos a nós apenas a tarefa mais ingrata e mais urgente, e escrevemos sobre aquilo que a fraqueza humana mais facilmente leva a massa a ignorar.
É em consequência desta ordem de ideias, e só dela, que nos preocupamos exclusivamente com os erros que temos diante de nós e não pretendemos defender aquelas das verdades ‘suaves’ que os partidários destes erros aceitam… e exageram: é supérfluo lutar por verdades incontroversas.”
1) Cf. Conferência de 9/12/1982.
2) Narrações extraídas das seguintes conferências: julho e agosto de 1954; 8/6/1968; 16/6/1973; 4/12/1977; 20/10/1979; 19/8/1981; 26/3/1983; 2/12/1984; 9/2/1985; 26/4/1986; 2/7/1988; 16/4/1989; 8/8/1991; 7/8/1993; 8/5/1994
3) CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Em defesa da Ação Católica. São Paulo: Artpress, papéis e artes gráficas, LTDA. p.16-18.