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A festa da seriedade triunfante

Quem considera a felicidade como fim último nesta Terra torna-se indisposto para a aceitação da dor. Somente se solidifica na seriedade o homem ornado com a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A paz de alma é uma disposição pela qual a pessoa, colocada diante das piores dores, não tem fratura em seu princípio axiológico. Ela compreende que a vida é assim, tem de ser assim. Portanto, não tem agitações, convulsões, frenesis, manifestações de inconformidade sem propósito. Pelo contrário, sabe que tudo se passa dentro das normas.

O ideal é quando a pessoa possui um temperamento tão dócil que não precisa fazer esforço para manter-se neste estado de espírito. Para outros, de temperamento agitado, será necessário fazer força, e nisto entra um mérito especial.

Este é o primeiro ponto: considerar que o sofrimento é normal e parte integrante da vida, faz bem às almas e dá glória a Deus.

A dor, um “nonsense”?

A esperança de passar uma vida sem sofrimento é a mais mentirosa que possa haver. Segundo a concepção mundana, coitado é aquele a quem acontecem habitualmente infelicidades; ele deve se conformar, porque não tem remédio. É como alguém que nasceu, por exemplo, com uma doença na espinha dorsal, é paralítico, passa a vida numa cama. Não tem remédio. A ideia que fica é: “Há gente que nasce assim, mas não sou desses, nem sequer posso pensar. Isso é um absurdo.”

Gabriel K.

Então, a dor apresenta-se como o grande nonsense1 e a alegria como o único sentido da vida. Resultado: a pessoa se apega enormemente a esta noção. Olha, por exemplo, para seus próprios parentes: são todos ricos, bem instalados, não são contrariados, os negócios dão certos, os planos de viagem não são perturbados por nada, têm as relações que querem, não têm as que não desejam, enfim, fazem a vida como lhes apetece, são felizes.

Mania do riso, negação da seriedade

Ora, a se considerar verdadeira essa teoria – de fato, ela é infame –, o riso se torna a atitude habitual do homem. Tudo quanto leva a pensamentos tristes é absurdo, porque perturba a alegria, a finalidade da vida. Neste sentido, a seriedade é irmã, filha ou mãe da melancolia; é preciso não ser sério, mas brincalhão, engraçado, viver rindo o dia inteiro. Se há durante o dia vinte oportunidades de dar risada e de estar contente, tem-se um bom dia. Fora disso, nenhum dia é bom.

Não precisa ser homem maduro para ter essa mentalidade. A razão pela qual tantos meninos estudam pouco, é porque acham um absurdo ter de estudar, porque tira a alegria. Querem apenas uma vida de eterno feriado.

E se alguém pergunta a um desses:

— Mas você não pensa que se tornará um adulto ignorante?

Ele responderá:

— Não tem problema. Desde que eu seja rico e possa me divertir, cultura, talento e todos os outros atributos humanos não têm importância nenhuma. É preciso ter dinheiro, saber vestir-me bem, frequentar o meio social que eu quero, rir, rir, rir o tempo inteiro.

Esta se torna a finalidade da vida, e a seriedade fica impossível, porque tal mentalidade é a negação mais rotunda desta virtude. O homem contemporâneo foi habituado a esse estado de espírito. Ora, exatamente o contrário a isso nós devemos adquirir.

Flávio Lourenço
Jesus Cristo é pregado na Cruz – Museu da Semana Santa, Zamora, Espanha

Qualidade de sub-homem

Qual é o oposto desse estado de espírito? Antes de tudo, é compreender quão desprezível é uma pessoa que não tem as qualidades verdadeiras do homem. O seu pensamento é uma cartilagem inconsistente, só pensa asneiras; sua vontade é como um leme quebrado, incapaz de indicar o rumo do navio; sua sensibilidade é como a de uma pele doente, dolorida ao mínimo toque, não suporta o menor sofrimento, não aguenta nada.

Quem não é capaz de entender, admirar, querer, fazer qualquer coisa um pouquinho acima do nível do chão não é um homem, mas um sub-homem, um bicho. Os passarinhos levam essa vida: se é agradável ir, de repente, do galho de uma árvore ao de outra, eles lá vão. Se querem esvoaçar perto de um tanque, para lá voam! Fazem o deleitável, levados por seus instintos. Pois bem, assim agem certos homens.

Uma pessoa que recebeu essa formação desde pequeno, e não foi habituada a reagir adquirindo um estado de espírito oposto, desfecha inevitavelmente na quarta Revolução, cuja essência está expressa num dos slogans da Revolução da Sorbonne: “É proibido proibir.”

Necessidade do árduo

Entretanto, isso se liga a uma outra realidade. O espírito humano bem construído tem tendências de alma por onde, em certo momento, deseja realizar grandes ações.

É como um moço que, de vez em quando, quer subir uma montanha, atravessar a nado uma baía, participar de um torneio de esgrima, fazer algo difícil porque o seu corpo, toda sua sensibilidade tem necessidade do árduo, do grande, por onde ele se sinta proporcionado com as potências que não podem ficar dormindo dentro de si. Daí haver campeonatos, alguns medíocres, mas que, afinal, exprimem de algum modo essa necessidade.

Flávio Lourenço
Ressurreição – Museu da Catedral de Santa Cecília, Albi, França

Daí também a nobreza do risco bem calculado. Se diante de um risco o indivíduo percebe ser capaz de enfrentá-lo e se haver bem dentro dele, e então se lança, esta atitude é nobre, elevada. A própria palavra “nobre” começa a tomar sentido para ele, e mesmo a melancolia e a tristeza acrescentam algo à sua alma. Por exemplo, a tragédia grega com o que ela tem de horrível acaba sendo bela, e o homem lendo-a acrescenta algo a seu espírito.

Páscoa, seriedade gloriosa e triunfante

Esse mesmo homem, colocado diante da leitura da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo e das cerimônias da Semana Santa, tem a alma naturalmente disposta a corresponder à graça específica desses Mistérios da Vida do Redentor. Ele vê o que Nosso Senhor fez de insigne, de admirável e, estimulado por isso, diz: “Eu também quero! Ainda que me venha um sofrimento tremendo, desde que eu O imite e seja um só com Ele, eu quero!” É algo admirável!

Só então o homem começa a conceber o encanto das coisas vistas em profundidade e a compreender o aspecto do universo que conduz a Deus; aprende a elevar o espírito para os destinos eternos, a adoração, o serviço a Deus, a glória d’Ele.

Isso confere ao homem a solidez e a seriedade devidas. Ele introduziu em seu “mobiliário” mental o mais belo dos ornatos: a Cruz de Cristo. Porque ele compreendeu que nunca se fez coisa mais bela do que o Homem-Deus ter querido sofrer tudo quanto sofreu da parte de homens que não tinham nenhum direito de fazer o que fizeram; eles, mais do que ninguém, infames, tabaréus, sem-vergonhas. Nosso Senhor aceitou isso – e de imediato – por um povo ingrato e por discípulos infiéis. Um nonsense aparente, mas escorando no peito! É assim! Vitorioso!

Neste sentido se pode dizer ser a Páscoa da Ressurreição a festa da seriedade triunfante! Não a seriedade esmagada, melancólica e triste, mas gloriosa, brilhando com todas as luzes de Deus.

(Extraído de conferência de 26/1/1989)

1) Do inglês: disparate.

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