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A oração que abre os caminhos de Deus

Há favores que a Providência só concede quando pedimos. E em ocasiões inverossímeis e improváveis, nossa prece deve alcançar resultados inesperados.

Flávio Lourenço
Luta de Jacó com o Anjo – Museu Certosa di San Martino, Nápoles

O episódio bíblico no qual Jacó recebe o título de “forte contra Deus”, após ter lutado toda a noite contra um Anjo (Cf. Gn 32, 22-32), fundamenta-se na seguinte verdade: Deus quer que suas criaturas completem de algum modo a obra d’Ele, unindo-se, pela oração, pelo sofrimento, pelo sangue, ao governo do universo.

O poder de obter o que Deus não quereria conceder

Deus nos faz desejar aquilo que Ele quer que peçamos, algo que se não fosse pedido Ele não daria a ninguém. E depois, no Céu, quando Ele nos coroar, dirá: “Isso você obteve porque pediu!”

Há uma oração na Liturgia, iniciada assim: “Ó Deus, ao coroar os nossos méritos, coroais vossos próprios dons…”1 É linda, é empolgante! Deus dá primeiro o dom, nós dizemos sim, aí nasce nosso mérito. Quando Ele o coroa, coroa o dom d’Ele.

Dado esse fundamento, nós podemos dizer ser conveniente à glória de Deus, harmonioso, que tendo os homens levado a revolta contra Ele até o máximo, outros homens fizessem a vitória d’Ele de modo inaudito, obtendo d’Ele aquilo que Ele não quereria dar, a não ser se nós quiséssemos. De maneira que nossa união, nossa fixação à vontade d’Ele esmague a revolta dos outros. A Contra-Revolução posta em prece é assim.

Flávio Lourenço
Santa Catarina de Siena em oração – Museu de Picardia, Amiens, França

Essa será a oração do Reino de Maria, mas ela não é específica dele porque já houve outros casos assim antigamente. Santa Catarina de Siena, certa vez, rezando diante do Santíssimo Sacramento pediu uma coisa. E disse: “Senhor, enquanto não passardes o braço fora do sacrário e apertardes a minha mão eu não deixarei de pedir”. O sacrário se abriu e o braço de Nosso Senhor apareceu e apertou a mão dela.

Portanto, não é algo exclusivo do Reino de Maria. Como ele nasce nas nossas almas na medida em que nós o desejemos, basta que nós comecemos a pedir agora, nesta era histórica, com essa ênfase, que ele começa a nascer em nós.

Resultados inesperados diante de situações inverossímeis

A obtenção de milagres, por exemplo. É preciso ver bem o sentido do assunto. Nós estamos engajados numa ação cuja vitória, humanamente falando, é a coisa menos provável. Ou por outra, a coisa mais improvável de se imaginar. Porque com os recursos que temos nós podemos atrapalhar a obra do adversário, mas derrubá-lo, não. Considero uma graça extraordinária podermos atrapalhar o adversário. Imaginem derrubá-lo! O adversário é o mundo inteiro! Só não é o Céu e o Purgatório. Este é um preâmbulo quente do Céu, mas não é o Céu.

Portanto, uma série de ações e graças extraordinárias deve estar em nosso caminho para se conseguir levar a termo aquilo que nós desejamos. E é normal que em muitas ocasiões inverossímeis e improváveis a nossa prece consiga resultados absolutamente inesperáveis.

Praticada a prece com este desejo, este empenho, esta inflamação – no sentido de “flama”, de chama –, essa combustão; praticada a prece dessa maneira, de fato obtemos de Nossa Senhora uma série de graças extraordinárias.

Atirar-se com audácia no pedido do milagre

A obtenção dessas graças requer santidade?

A primeira coisa que é preciso ponderar: Nosso Senhor mandou os Apóstolos pregarem antes da Paixão d’Ele. Os Apóstolos voltaram muito contentes, dizendo que a pregação tinha tido um eco feliz e eles tinham praticado milagres. Eles eram santos?

Vendo a história da noite no Horto das Oliveiras, os três dias da Paixão… Eles não eram santos! Ou seja, Deus pode dar, em épocas extraordinárias, mesmo àqueles que não são santos, o poder, a possibilidade de praticar milagres em nome d’Ele e em atenção ao bem geral, à glória d’Ele, ao bem da Igreja.

Isso deve nos animar muito, porque se dependesse de nossa santidade… seria tão garantido sair muito milagre? Não sei.

Praticar milagres é um carisma, não é uma prova de santidade, é um dom dado por Deus a quem Ele quer. Então nós podemos esperar que, realmente, na medida em que for necessário, muitos milagres se realizem. E espantosos! Desde que nós nos lembremos bem que isso não é prova de que sejamos santos.

Flávio Lourenço
Milagres dos Apóstolos – Catedral de Lisieux, França

Flávio Lourenço
Um Anjo consola Jesus no Horto das Oliveiras Basílica de São Pascoal, Villarreal, Espanha

Mas isso prova uma coisa dulcíssima e inefável: Nossa Senhora está conosco. “Misericordia eius a progenie in progenies …”. A misericórdia d’Ela vai de progenitura em progenitura e chegou até nós. E por misericórdia d’Ela podemos praticar coisas absolutamente extraordinárias.

Eu creio que durante os castigos previstos em Fátima, talvez desde já, talvez não, sem que esteja nem um pouco provado que somos santos, sem interessar a questão nessa perspectiva – interessa no nosso foro íntimo, não nessa perspectiva – nós podemos, pela oração, arrancar de Nossa Senhora verdadeiros milagres.

Isso é uma bomba atômica porque, embora os maus possuam tudo quanto possuem, nós temos a possibilidade de obter milagres, se necessário, quando for o caso.

Então, nós devemos nos atirar audaciosos no caminho e esperançosos, orantes, com a tal oração que abre os caminhos de Deus, por onde o caminho que vai a Nossa Senhora é aberto por nós como desbravadores no sertão. E a Rainha vem, então, suntuosa pelo caminho aberto por seus filhos, encher os vácuos e os espaços nos quais eles lutaram. Isso é perfeito, nada é melhor. Acho isso muito necessário.

Eu ousaria dizer mais: durante os castigos de Fátima, os milagres vão ser mais frequentes do que no Reino de Maria, porque nele se estabelecerá a normalidade. E nele entrará uma economia da graça provavelmente muito mais alta do que a atual, uma espécie de ápice da era do Novo Testamento e, com isso, uma certa normalidade na qual o milagre já não se torna tão necessário. Ele é necessário nos perigos, nas lutas, na anomalia, na tempestade. E é por inteiro por onde nós estamos entrando.

Compreende-se que se pode pedi-lo e esperá-lo nessas circunstâncias.

A arte de discernir as vias de Nossa Senhora

Como pedir o milagre?

É algo que exige muito discernimento, mas em geral essa oração exerce agrado sobre Nossa Senhora quando estamos em face de uma emergência que, caso se realize, nossas almas ficam desanimadas, abatidas, desestimuladas para o bem, amarfanhadas, “engessadas”. Então nossas melhores tendências, nossos melhores movimentos de alma se encontram como que achatados.

Isso não quer dizer – há um claro-obscuro dentro disso – que é sempre um sinal de que Nossa Senhora não quer que aquilo aconteça. Acontecerá se nós não pedirmos a Ela. É preciso que peçamos tanto quanto seja necessário. Ou seja, até conseguirmos.

Entretanto, quando o pedido é feito por uma simples veleidade, um capricho, é diferente. Um de nós está na rua, por exemplo, cansado e pede: “Minha Mãe, fazei passar um táxi!” O táxi passa. Salvo circunstân cias muito especiais, ele não passará. Mas se a pessoa está cansada, abatida, com a alma nos pés, não aguenta mais porque já trabalhou muito e pede: “Minha Mãe, seria uma delicadeza vossa fazer passar um táxi…” É bem possível que ele passe.

Há nisso uma arte de discernir as vias de Nossa Senhora e de saber tratar com Ela, de senti-La interiormente. É uma espécie de discernimento interno da tarefa da graça em nós, que nos leva então até lá.

E aí é preciso ter muito equilíbrio, porque se é verdade que é fácil a pessoa se enganar e abusar desses pedidos, é fácil também deixar passar a ocasião. Então não se trata nem de ser tímido nem afoito demais. Mas, certeiro!

Vicente Torres
Ressurreição de Lázaro – Pinacoteca Vaticana

Como fazemos a coisa certeira?

Não é assim: “Minha Mãe, se for a hora de fazer passar o táxi fazei-o passar”. Porque esse tipo de oração não tem condicionalidades. Pede para obter!

Então a oração verdadeira é: “Minha Mãe, se houver algum abuso na minha prece eu Vos peço: ou que eu tenha a graça de tomar uma lição ou Vós tenhais a bondade de atender a minha prece abusiva. Mas, Minha Mãe, eu queria um táxi!”

Nossa Senhora às vezes prova a nossa confiança. E o modo de prová-la é fazer acontecer o contrário do que nós pedimos. Pedimos insistentemente para acontecer certa coisa, fazemos uma maratona de preces: “Desta vez eu passei das seis da tarde às seis da manhã na capela, diante do Santíssimo, diante da imagem de Nossa Senhora, pedindo. Vou obter!”

Quando o relógio dá a última badalada das seis horas da manhã vem alguém avisar ter acontecido o contrário daquilo que pedimos a noite inteira.

Pensa-se: “Onde está a oração que arranca?” Precisa continuar a pedir! Porque frequentemente acaba acontecendo o que se pediu ou algo melhor. Mas a prece ficar sem efeito, nunca! Pode alcançar um efeito diferente daquele que nós estávamos querendo, mas ficar sem efeito não fica. Nunca se perde tempo conversando com Nossa Senhora, porque Ela atende sempre.

Um pedido aparentemente fracassado

O exemplo mais conhecido, mais glorioso, mais célebre é a ressurreição de Lázaro. Maria e Marta mandaram avisar Nosso Senhor assim: “Aquele a quem amas está doente” (Cf. Jo 11, 3). Esse recado queria dizer: “Venha logo!”

Nosso Senhor deixou-se ficar, não atendeu. Alguém reclamou a Ele: “Mas aquele a quem amais não está doente?” Ele disse: “Essa doença é para a glória de Deus” (Cf. Jo 11, 4). Não se moveu.

Quando Ele chegou, Lázaro estava morto. Marta chegou correndo junto a Nosso Senhor e disse: “Senhor, se estivésseis aqui ele não teria morrido” (Jo 11, 21). Equivale a dizer: “Eu teria feito tanta força convosco, não vos permitiria deixar que ele morresse”. E o mais curioso é que se tem com isso uma certa impressão de que Nosso Senhor, ficando longe, quis evitar que ela pedisse com tanta força.

Nosso Senhor disse que Lázaro ressuscitaria. A resposta de Marta: “Eu sei que ele ressuscitará no último dia”(Jo 11, 24). Ele foi até a sepultura e chorou. Glória para Lázaro: o homem cuja morte fez o Cordeiro de Deus chorar! Não consta ter Ele chorado no Horto das Oliveiras, lá Ele suou sangue. Diante da sepultura de Lázaro Ele chorou. Ele, a quem os ventos e os mares obedeciam. Lembremos um pouquinho da fisionomia do Sudário. Ele chorou porque o amigo tinha morrido. E depois deu ordem a Lázaro que saísse da sepultura.

Lázaro saiu todo envolto em ligaduras. Nosso Senhor diz: “Desatai-o!” (Jo 11, 44). Estava terminado o caso, uma oração estava atendida. A glória foi de Lázaro ter morrido apesar das orações e de Ele depois o ter ressuscitado. Na aparência, o primeiro pedido não adiantou nada, conduziu ao fracasso, mas elas não perderam a confiança e saíram do outro lado.

Então nós devemos ter essa forma de rezar ainda quando não aconteça aquilo que nós estamos pedindo, mas tenhamos certeza de que acabará acontecendo. E se não acontecer é porque acontecerá algo melhor, de outro jeito, de outra forma.

Preparado no isolamento e na incompreensão

Em nossas vidas há tantos fatos assim! Coisas que se passavam e eu não compreendia. Eu às vezes pedia para não se passarem e se passavam de outro jeito. Depois compreendi ter sido melhor terem se passado como se passaram, mas antes disso me foi difícil compreender. Com o tempo entendi.

Arquivo Revista
Plinio (ao fundo) junto a seus companheiros de turma na Faculdade de Direito, em fins de 1928

Por exemplo, eu passei até 1928, portanto vinte anos, no isolamento, na incompreensão e na batalha, diante de mil insucessos de apostolados individuais. Mil! Absolutamente malsucedidos! E eu pensava: “Mas, meu Deus! Não há para mim nem sequer um guia que me conduza! Que coisa bárbara! Se eu tivesse pelo menos minha mãe, quem mandasse em mim, quem me desse uma ordem, quem me desse uma diretriz! Eu tenho que abrir essa picada, sozinho, montanha acima, no meio das feras, no meio das tempestades. Que coisa brutal! Mas enfim, vós quereis”. E eu não chegava sequer a pedir a Ela que mudasse, porque eu não sentia nem um pouco – era duro – ser para meu maior bem a mudança das coisas.

Quando eu iniciei minha caminhada… vinte anos! Formado praticamente com vinte anos de luta, eu estava pronto para levar atrás muitos outros porque ninguém me tinha levado a mim. É só quem não foi levado é que tem força para levar certas coisas.

Se eu tivesse pedido que as coisas mudassem eu teria feito um pedido chocho, não teria sido atendido.

Começo o apostolado e vem depois todo o problema do Em Defesa da Ação Católica2. Eu me prezava muito de ser Congregado Mariano e ainda me prezo! Com que devoção eu levo o meu distintivo e como eu me glorio de ser Congregado Mariano! Quando se tratou da nossa virtual expulsão de dentro do meio católico, eu lamentei com toda a alma. Tive a impressão de ser Adão pecador, expulso do Paraíso, de tal maneira eu amava aquele ambiente. Do lado sobrenatural, não do lado humano.

Nós não somos uma Congregação Mariana. Somos uma entidade cívica de inspiração religiosa. Eu não percebia que estava sendo preparado, pela mão do adversário, para ter um refúgio onde ele não nos alcançaria. Quantos casos assim eu poderia contar, quase até o infinito!

Rezar muito e Nossa Senhora atenderá

Alguém dirá: “Mas, Dr. Plinio, isso diz quase o contrário daquilo que o senhor afirmou, que não devemos pedir tão empedernidamente, porque às vezes os desígnios de Deus são outros!”

Eu digo: “Devem-se fazer as duas coisas: pedir, pedir, pedir! E, depois, se Deus não der, compreender que Ele está dando algo melhor”.

Há algumas raras ocasiões nas quais há algo interior em nossa alma nos dizendo o seguinte: “Não se trata de obter d’Ele uma coisa melhor, trata-se de obter d’Ele, por meio d’Ela, isto e não outra coisa!” Foi o caso de Santa Catarina de Siena, de Nosso Senhor passando o braço para fora do tabernáculo. Nessas ocasiões podemos, por assim dizer, fechar a questão.

Alguém perguntará: “Mas, se de repente não acontece o que eu pedi?” De duas uma: ou é porque considerei fechada uma questão que não era para considerar fechada ou por que eu pedi pouco, pedi mal. São as duas hipóteses.

Flávio Lourenço
Virgem das Mercês – Mosteiro de São Ramón de Portell, Espanha

Isso é razão para pedirmos menos? Nesse caminho nunca devemos ir na seguinte lorota: “Eu vou oferecer a Nossa Senhora em vez de um terço inteiro, uma Ave-Maria muitíssimo bem rezada. Isto basta!” Quem reza uma Ave-Maria muitíssimo bem rezada? Se eu tenho moedinhas de pouco valor e não sei fabricar outras, devo fabricar muitas moedinhas de pouco valor para pagar o preço inteiro. E, portanto, se minha oração vale pouco, eu tenho que suprir pela quantidade. Não tem por onde escapar! E, portanto, rezar muito!

Nosso Senhor diz exatamente isto: quando não se consegue rezar muito bem, reza-se muito. É a parábola do homem que estava deitado e o outro bateu na porta pedindo pão. O dono do pão não gostava muito de quem estava pedindo. Levou tempo para atender, declarou estar deitado, etc. O outro estava fazendo para ele um pedido desagradável, mas à força de pedir, ele levantou-se e lhe deu o pão. E Nosso Senhor disse: “Fazei assim com vosso Pai Celeste!” (Cf. Lc 11, 5-13)

Rezemos muito e Nossa Senhora nos atenderá.

Um bonito exemplo de oração perseverante

Mamãe era de rezar muito e muito longamente. Ela dava com isso um exemplo muito bonito.

Meu pai costumava dizer: “Toda família que não tem casa própria de vez em quando muda de casa”. E durante muito tempo não tivemos casa própria e mudávamos de casa. Meu pai dizia de brincadeira: “Não compremos casa perto de igreja porque Lucilia some! Ela passa o dia inteiro na igreja e nós em casa não teremos mais dona de casa”. Ele dizia brincando, pois sabia não ser assim. Isso para dizer até que ponto ela era rezadeira.

Nós podemos ter certeza de que no Céu a mesma insistência na súplica ela desenvolve. Então pedir a ela: “Minha mãe, eu rezo pouco, rezo mal, mas vós vedes Deus face a face. Vós estais na glória d’Ele e tendes hoje a certeza inteira de que vossa oração é atendida. Nós vos suplicamos fazer com que aquilo que vos peçamos vós obtenhais de Nossa Senhora junto a Nosso Senhor Jesus Cristo”.

(Extraído de conferência de 1/5/1980)

1) “Vós sois glorificado na assembleia dos santos: quando coroais os seus méritos coroais os vossos próprios dons”. Prefácio dos Santos I: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970).

2) Ver Revista Dr. Plinio n. 300 e 301.

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