jueves, noviembre 21, 2024

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Criação: grande livro que nos aproxima de Deus

A Criação é como um grande livro de Moral a ensinar aos homens a reta ordem das coisas. E com quanta formosura! Mesmo que algumas obras divinas pareçam não ter utilidade material, possuem uma grande funcionalidade espiritual.

Um rio numa região setentrional ou meridional, natureza fria. Vemos a vegetação no outono, as folhas das árvores começam a ficar douradas. A água faz uma grande volta e caminha, com placidez e tranquilidade, até o ponto onde vai se juntar a um rio maior, a um grande lago ou ao mar. É um aspecto comum da natureza, não excepcional como se pode contemplar nos cumes dos Andes, na Baía de Guanabara.

Formosura, bênção, ordem e tranquilidade das obras de Deus

O rio parece pouco funcional. Quantas voltas dá para chegar a seu ponto terminal! Alguns pensariam em fazer um canal retilíneo para servir ao transporte de navegação. Mas, do modo como se apresenta, é a poesia na arte. Observem como a volta é poética, delicada. Ele pare ce sentir o agradável dessa sinuosidade; dir-se-ia que as águas se divertem fazendo um passeio tão cheio de capricho.

João C. V. Villa
Cordilheira do Andes Patagonia, Chile

A placidez da água refletindo o céu, também conduz a pensamentos elevados, celestes. A consideração desse pequeno pedaço de um grande panorama nos sugere a ideia de que Deus tornou repletas de sua bênção todas as suas criaturas. Aí estão seres vivos, inertes, cheios da formosura, da bênção, da ordem e da tranquilidade das obras de Deus.

Uma fotografia mostra a natureza em sua intimidade, em seus aspectos simples; outra, a apresenta em um de seus aspectos grandiosos. Do alto do monte se divisa um grande panorama: uma cordilheira com uma sucessão de elevações imponentes, uma península se estendendo como mão dominadora sobre o rio, pela qual este muda o seu caminho sob o domínio da montanha.

O rio é obrigado a modificar-se, exprimindo a ordem natural segundo a qual o que é forte, grande, deve ter um domínio não destruidor, selvagem, mas efetivo sobre as coisas mais baixas, tornando-as melhores.

É uma afirmação da hierarquia. Essa montanha é mais grandiosa do que a península, porque essa é planície; mas a terra firme é mais segura que a água; então a montanha domina esteticamente a península, a qual domina com funcionalidade a água do rio. Isto é como se fosse um livro de Moral a ensinar aos homens a reta ordem das coisas. Deus o criou e o deixou para que um dia pudéssemos contemplar isso e, milhares e milhares de anos depois, fazer uma reflexão sobre a ordem criada por Ele.

Riquezas e mistérios da natureza

Essas são grandezas comuns da natureza. O que tem isso de funcional? À medida que os sábios a estudam, dão-se conta de que há uma tal concatenação de fatos com efeitos complexos que, se os homens começassem a transformá-la sumariamente, chegariam a consequências terríveis.

Imaginem, por exemplo, que uma máquina niveladora pudesse arrasar todos os montes do universo. Pareceria muito útil, porque para as estradas e para o comércio seria mais prático e se poderia aproveitar melhor o território. Já pensaram no regime das temperaturas e dos ventos, que diferença traria? E que desordem isso causaria? Suponham que todas as águas fossem reduzidas a canais retilíneos; na fauna e na flora subaquáticas, que consequências poderia ter? Porque nas águas lentas há toda uma vida diferente da vida das águas rápidas. E para ser inteiramente funcional, teríamos que imaginar canais retilíneos tocados à eletricidade e as águas correndo como os automóveis.

Alguém dirá: “Que utilidade têm a flora e a fauna subaquáticas que ninguém aproveita?”

João C. V. Villa
Cordilheira do Andes – Illiniza, Equador

É bem verdade isso? Não será útil dentro de cem anos? Talvez, por exemplo, estejam lá os princípios para os medicamentos que possam curar o câncer. Quem tem direito de destruí-las? A natureza é muito rica e misteriosa, e uma pessoa não pode simplificar assim as coisas. Deus quis que houvesse milhares, centenas de milhares, milhões de coisas tão formosas como essas. No ambiente do homem nesta terra de exílio – não é o Paraíso –, há o feio. Mas também existe o formoso para o bem da alma do homem e o ensinamento do espírito humano.

Diálogo das hierarquias e superioridades no universo

Contemplemos um cume dos Andes. A altura da montanha dá a ideia de uma rainha solitária, nesta parte da paisagem que está delimitada pela fotografia. Notem o contraste cheio de formosura entre o peso e a força dessa montanha – que tem no alto uma espécie de pirâmide gelada natural – e as folhas delicadas dessa árvore, que mostra a inspiração inesgotável de Deus. E como todas as obras d’Ele, das maiores às menores, têm uma harmonia entre si.

O quadro perderia muito de sua formosura se as folhas não estivessem aqui. Mas o que seriam elas sem a montanha? Ninguém as fotografaria. A vida artística da árvore é a montanha, mas a graça dela é o contraste com a árvore. Tudo isto é feito naturalmente. Que princípios de moral magníficos estão ensinados aqui!

Se essas árvores pensassem, cada uma delas teria a aspiração de ser rainha da planície, julgando-se pequena ao sopé da montanha. Entretanto, isso não destrói a altivez delas. Como são dignas! Mesmo as coisas menores, quando dignas e conformes ao plano de Deus, podem conviver com as maiores sem serem humilhadas.

Isto me lembra um pequeno fato da história francesa. Uma mucama de uma filha de Luís XV faltou-lhe com o respeito em alguma coisa pequena. A princesa lhe dirigiu uma palavra muito dura e terminou dizendo: “Você se esquece que eu sou filha do rei?” A camareira respondeu: “Senhora, não esqueçais que eu sou filha de Deus!”

Este poderia ser o diálogo entre a montanha e uma dessas árvores. A montanha diria:

— Não sabes que eu sou a rainha de toda a planície em que estás? Deverias ser calcada por mim e não tens razão de elevar-te de tal maneira ao meu ser.

E a árvore poderia responder:

— Montanha soberba, tu és minha irmã, eu também sou obra de Deus. E minha elevação tem uma razão estética de ser.

A grama diria o mesmo às árvores, as formigas à grama e os micróbios às formigas. Este é o grande diálogo das hierarquias e superioridades no universo.

João C. V. Villa
Cordilheira do Andes – Illiniza, Equador

Imaginem uma rodovia que passe por essas árvores, uma estrada de ferro que vá até o alto do monte, onde há um local para bailes. Tornou-se funcional, mas de uma feia e péssima praticidade. Não é nem a das formigas, nem a das árvores, nem a das montanhas. É a má funcionalidade de uma civilização exclusivamente mecânica.

Um ato da vontade soberana de Deus

Em outra fotografia não vemos a harmonia existente na cena anterior, mas “fractuosidades”1 nas quais se sente qual foi a violência dos movimentos telúricos, dos terremotos, que chegaram à formação dessas massas potentes, e pode-se pensar na força de Deus. Como diz a Escritura, o Senhor faz as montanhas saltarem como carneiros (cf. Sl 113, 4). Aqui se vê como Deus Se manifestou para mostrar aos homens o seu poder.

Tem isso algo de formoso? Sim, porque é formoso o poder que está a serviço do bem. A força a serviço da grandeza e do direito é magnífica em si mesma. Neste sentido, a verdadeira violência é a sacrossanta violência de Deus modelando o universo. O Escultor do universo se vê aqui. E não se pode falar de violência de Deus, porque ela supõe um grande esforço, e para Deus ele não existe. Há grandes realizações operadas por um ato da vontade soberana e onipotente.

Flavio Lourenço
Cordilheira do Andes – Cotopaxi, Equador

João C. V. Villa

Aqui poder-se-ia ajoelhar e exclamar: Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominus Deus Sabaoth. O Senhor Deus dos Exércitos é três vezes Santo. É esta a grandeza de Deus. Tais coisas são funcionais? Não parecem. Mas elas fazem parte da imensa funcionalidade do universo.

Convite às grandes solidões fecundas da alma

Nos Andes, nota-se um trecho de uma estrada que harmoniosamente se funde com o panorama. Ao contemplar essa neve, essa solidão, alguém diria: “Por que Deus criou coisas nas quais o homem está só de passagem e não pode ali habitar? Essa solidão impressionante parece expulsá-lo daí.”

Não expulsa o homem, mas é um convite às grandes solidões fecundas da alma, à vida dos cartuxos, dos trapistas, que se recolhem à solidão na luta da vida quotidiana. Quando alguém lá se encontra, sente a natureza e nada mais, é levado a pensar em Deus para o qual essas coisas conduzem. Ainda que não tivesse uma utilidade material, isso tem uma grande funcionalidade espiritual.

Poderíamos imaginar aqui – como nas partes mais geladas dos Alpes, na Europa – grandes conventos, onde almas solitárias, postas nessas imensas solidões, rezam pelo mundo e dão aos homens, através de seus exemplos maravilhosos, a vontade de meditar, de isolar-se na vida quotidiana, para pertencer mais por completo a Deus.

A Criação é um grande livro que nos aproxima de Deus. Mas, com quanta formosura! Que artista poderia ter imaginado algo semelhante?

(Extraído de conferência de 14/1/1974)

1) Neologismo derivado da palavra latina fractu: fracionado, quebrado.

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