sábado, septiembre 21, 2024

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A paz e a alegria da contrição

Santa Catarina de Gênova teve uma experiência mística do estado de uma alma no Purgatório e compreendeu o quanto a verdadeira contrição proporciona paz e alegria. Se carregarmos nossa cruz com resignação, teremos na alma torrentes de paz, tranquilidade, estabilidade, ordem, cuja fruição ninguém nesse mundo poderá nos tirar.

Temos para comentar um texto sobre Santa Catarina de Gênova1.

Num êxtase, vê a enormidade de seus pecados e se converte

Catarina de Gênova, oriunda de nobre linhagem dos Fieschi, nasceu na citada cidade mediterrânea, em fins do ano 1447.

Seus desejos de ingressar num convento foram contrariados por seus pais, que a desposaram com um patrício genovês, Giuliano Adorno, atendendo às conveniências políticas.

Seu esposo era-lhe infiel, violento e debochado. Durante os cinco primeiros anos de seu casamento, a jovem sofreu em silêncio. Mais tarde, quando seu marido tratou de arrastá-la a uma vida mundana, onde pensaria em desenvolver seus extraordinários dotes de beleza e invulgar espírito, viu aumentar sua desventura, chegando inclusive a perder o consolo da Religião que até então a sustentara.

João C. V. Villa
Almas do Purgatório – Catedral de Loja, Equador

Dez anos depois de seu casamento, Catarina visitou sua irmã, que vestia o hábito monacal, contando-lhe as dificuldades. O conselho da jovem religiosa foi que se confessasse e se entregasse à penitência. Quando se decidiu a seguir esse maravilhoso caminho, caiu em êxtase, sendo-lhe descoberta a grandeza de seus pecados, enquanto nela se despertou um tão grande amor a Deus que dessa experiência se converteu.

Assim, voltou a acariciar o desejo de sua infância. Durante muitos anos, na Quaresma e no Advento, viveu quase que exclusivamente da Sagrada Comunhão.

Seu marido, que se arruinara, ainda a fez sofrer muito, confessando-se apenas no seu leito de morte.

Catarina dedicou-se a cuidar dos doentes num hospital de Gênova, onde sua conduta foi particularmente heroica durante a epidemia de 1493. Faleceu a 15 de setembro de 1510.

O fogo abrasador do Purgatório

Nunca se escreveram palavras tão profundas sobre o Purgatório como as desta Santa. No abrasado fogo de seu amor a Deus, reconhecia o que padecem as almas que passam por aquele lugar de purificação, onde o amor depurador do fogo limpa os espíritos de todos os resquícios de pecado.

Ao separar-se do corpo, disse ela, a alma impura se sente destroçada, reconhecendo o peso que a oprime e, com a convicção de que só se verá livre de tal peso através do Purgatório, deseja caminhar imediata e voluntariamente para ele.

A essência divina encerra tanta pureza e claridade, que aquelas almas que possuem um só resquício de imperfeição em si preferem lançar-se em mil purgatórios a colocar-se em presença de Deus com a mancha do pecado. É verdade que o amor a Deus lhes proporciona um indizível bem-estar, mas isto não diminui a mínima parcela do sofrimento que devem padecer no Purgatório. Ao contrário, seu padecimento consiste precisamente em sentir-se refreadas no amor, e tal tormento cresce à medida que seu amor se torna mais perfeito. Deste modo, as almas do Purgatório gozam as maiores delícias, ao passo que sofrem as maiores dores, sem que uma coisa impeça a outra.

Uma alma muito chamada

Nesta ficha há duas considerações a tirar.

Uma delas é propriamente a biográfica, sobre a vida de Santa Catarina. E a outra é a respeito do trecho referente ao Purgatório.

Flávio Lourenço
Conversão de São Paulo – Catedral da Santa Cruz, Cádiz, Espanha

Na parte biográfica, poderíamos fazer várias observações. Trata-se de uma alma muito chamada que, entretanto, não correspondeu ao convite de Deus. Ela se casou com Giuliano Adorno quando quisera ter sido religiosa, e se deixou arrastar ao mesmo tempo por um oceano de sofrimentos, de padecimentos que seus pais lhe infligiram, de um lado e, de outro lado, pelo mundanismo e pela vaidade, que fizeram dela uma pessoa preocupada, durante grande período, apenas com prazeres e sem cogitar das coisas de Deus.

Vemos, depois, uma conversão maravilhosa. Naquele tempo, eram muito numerosas as pessoas que entravam para o estado religioso. Mesmo nas famílias das mais altas categorias, havia sempre dois, três, quatro filhos, que se faziam frades, freiras, padres, bispos, ou então iam para as Ordens de Cavalaria. A coisa mais corrente, mais comum, era alguém ser religioso.

Certo dia, ela foi visitar sua irmã, que era religiosa, e se expandiu a respeito de tudo quanto sofria no mundo. Eram padecimentos que se contradiziam, se chocavam. De um lado eram por causa do péssimo marido, o qual pôs fora a fortuna, continuou a levar uma má vida e só se converteu no leito de morte.

E de outro lado – não está dito de modo expresso na ficha, mas se compreende – o enorme vazio dos prazeres nos quais ela procurava uma compensação daquilo que sofria. A irmã, então, lhe recomenda que volte a Deus, à prática dos Sacramentos que ela abandonara. Catarina atende o conselho e é ferida por um êxtase, no qual vê todo o horror dos pecados que cometeu.

Passou, então, a levar uma vida de penitência. Ela, que fora uma dama de grande honra – ocupara um lugar de destaque pela sua beleza, situação social, riqueza, numa das cidades mais celebres do mundo de então, Gênova, república aristocrática, que dominava partes do Mar Mediterrâneo – vai cuidar despretensiosamente dos doentes num hospital, para fazer penitência.

A ideia da expiação do pecado por meio do sofrimento domina toda sua vida, e ela se entrega a um verdadeiro Purgatório na Terra. Vai ajudar os outros no sofrimento e sofre com eles para expiar o pecado que cometeu. Assim vemos quanto é lógico que ela tenha uns pensamentos profundos – êxtases, visões e revelações – a respeito do Purgatório.

Antes, porém, de passar a esse tema, vamos considerar o conjunto desta biografia.

Procurou escapar do bom caminho e recebeu grandes sofrimentos

Há certas almas que Deus persegue com obstinação; porém, elas fogem e, às vezes, se debatem contra o Criador. Mas Ele, na sua misericórdia, em determinado momento as atinge de tal maneira que elas se entregam a Ele por completo. Essas almas, na História da Igreja, são incontáveis.

Temos um exemplo em São Paulo, a quem Nosso Senhor disse, na hora da conversão: “Saulo, Saulo, por que Me persegues?” (At 9, 4). E acrescentou que era duro para ele relutar contra o vento da graça de Deus, que o chamava para uma determinada finalidade.

Santa Catarina procura escapar do bom caminho. Deus não lhe corta o mau caminho, mas nele coloca um sofrimento. O mau marido, a frustração do mundo, predispõem sua alma para aquele momento abençoado em que a irmã lhe dá um bom conselho.

Sua alma provavelmente estava preparada por mil sofrimentos. Catarina era naquela ocasião mais ou menos como um filho pródigo que volta à casa paterna. Ela é vencida por Deus, que arranca essa vitória de um modo magnífico. Em vez de inspirar considerações piedosas sobre o pecado para fazer tão somen te um ato de contrição, Deus lhe dá muito mais. Concede-lhe uma visão na qual ela tem uma noção clara do pecado que cometeu.

Davi, depois de ter pecado, disse aquela frase estupenda que está nos Salmos e sempre me impressionou: “Eu pequei só contra Ti, ó meu Deus, e o meu pecado está o tempo inteiro diante de mim” (cf. Sl 50, 5-6), como se fosse um acusador que se levanta dizendo aquilo que ele fez. Catarina poderia dizer isso, porque teve uma visão na qual viu o seu próprio pecado.

A verdadeira contrição é alentadora e proporciona muita alegria

Poderíamos nos perguntar se Deus foi para com ela misericordioso ou duro, um pai cheio de bondade ou, pelo contrário, de severidade. Compreendo que alguns possam achar ser em extremo duro ver de frente o seu próprio pecado, pois deve produzir uma impressão de desalento, tristeza, desânimo e até o desmaio.

Flávio Lourenço
Rei Davi – Museu de Belas Artes de Marselha, França

A pessoa que pensa assim não tem uma noção clara do que seja uma contrição. No meio de seus crepes, de suas lágrimas, a verdadeira contrição é alentadora e proporciona belas, talvez lúgubres, mas magníficas alegrias. Para mostrar isso ela descreve o Purgatório, que é por excelência o lugar de contrição. Para lá vão as almas que têm de se purificar de alguma coisa antes de ver a essência de Deus.

Santa Catarina, no trecho transcrito, fala de um modo conciso, mas muito elevado, sobre o Purgatório. Mostra que a alma de uma pessoa boa, fiel, que morre, tem uma primeira noção da pureza infinita de Deus e sabe que vai possuí-Lo por toda a eternidade, a felicidade insondável que não se compara com as alegrias da Terra. Mas, ao mesmo tempo em que é atraída para o Criador, ela se sente fora de condições de se apresentar a Ele.

Então, a alma passa por dois movimentos: um cheio de alegria e outro pleno de pesar. O movimento cheio de alegria a conduz para unir-se a Deus. O de pesar vem do contraste entre aquela mancha que ela nota em si e a pureza infinita do Criador. Então, por um desejo de união, de purificação, diz Santa Catarina, a alma suportaria mil Purgatórios para poder unir-se a Deus. Ali, no Purgatório, ela sofre o tormento delicioso ou a tormentosa delícia de ir sentindo que aquilo que a separa de Deus vai se tornando mais adelgaçado ao longo das purificações e, ao mesmo tempo, querendo chegar mais próxima do Criador.

A tristeza depurativa e a paz da contrição

De maneira que ela tem uma fundamental alegria junto a uma tristeza que a vai depurando e aproximando de Deus. Algo disso existe também na paz de alma causada pela contrição. Nos Salmos, Davi, inspirado pelo Espírito Santo, canta o pesar por ter pecado, de maneira que cada uma daquelas palavras é uma gota de fogo caída do Céu para a alma humana. Faz certas comparações magníficas. Ele diz, por exemplo, que por causa do pecado ficara isolado, rejeitado e se sentia como um pardal solitário no telhado de uma casa.

A similitude não podia ser mais pitoresca. As pessoas se reúnem em família debaixo do telhado da residência, onde talvez esteja acesa uma lareira e haja o calor do convívio entre todos. Do lado de fora sobre o telhado, sozinho, exposto à chuva, à intempérie, não tendo ninguém com quem “conversar”, está o pardal solitário.

Nheyob(CC3.0)
Santa Catarina de Gênova – Igreja de Santa Ana, Detroit

Assim, longe do convívio dos bons que se entreamam, está o pecador solitário. A imagem não podia ser mais poética, mais bonita para exprimir a solidão do pecador. Davi descreve de mil modos lindos a própria dor.

Ao mesmo tempo em que vai falando de sua dor, nota-se que ele está em paz. É a paz de alma do pecador que reconhece ter errado, não está mentindo para si nem para Deus, e tem coragem de olhar de frente o seu próprio pecado. Em geral, os Salmos terminam com um cântico de esperança: “Mas Tu és Deus meu Salvador e terás compaixão de mim.” Todas aquelas palavras magníficas indicam a esperança da alma de ser atendida, ser remida e salva. Compreende-se a torrente de paz, de esperança e o júbilo triunfal que existe por detrás da penitência. Assim nós devemos considerar Santa Catarina de Gênova.

Um hospital em Gênova, naquele tempo

Imaginemos um hospital em Gênova, naquele tempo: edifício bonito, como geralmente eram as construções italianas. Às cinco horas da manhã, toca uma sinetazinha, a Missa vai começar, as primeiras mulheres fiéis usando véu entram na capela. Entre elas se encontra Santa Catarina de Gênova, lembrando-se talvez de outras madrugadas em que não estava saindo de casa, mas entrando nela. Em que ela não tinha diante de si a perspectiva de um dia de sacrifício, mas a recordação amarga de uma noite inteira de prazer, seguida de inconsolável frustração.

Sailko(CC3.0)
Restos mortais de Santa Catarina de Gênova – Basílica della Santissima Annunziata del Vastato, Itália

Ela caminha com passo ligeiro, mais uma vez pede perdão pelo seu pecado, ajoelha-se e começa a rezar no recolhimento do prédio. Inicia-se a Missa, os fiéis oram com o padre, aos poucos a claridade entra na igreja, as luzes das velas tornam-se inúteis, a natureza vai acordando, é a normalidade da vida.

Santa Catarina se prepara para começar a sua penitência enorme, infinda, junto aos doentes, ouvir gemidos, assistir agonias, consolar dores. Mas, para além de tudo isto, há uma luz que se levanta e vai ficando cada vez mais nítida: o perdão está vindo, o Céu nascendo, a paz de alma entrando. E com ela se dá o que ocorre no interior daquela capela.

Ao mesmo tempo nela também as luzes vão entrando e brilhando, como uma capela na qual a madrugada vai se fazendo luz e as imagens tomam colorido. Em certo momento, ela morre e é o Céu. Esta é a paz, a tranquilidade da alma na contrição, um perfume que existe na tristeza, na resignação católica e que os espíritos pagãos não conhecem.

Tratando da vida espiritual, quando se fala de mortificação, tristeza, etc., as almas em geral ficam arrepiadas. Não compreendem toda a alegria e felicidade que não estou conseguindo expor adequadamente, mas espero fazer pressentir nesta exposição, porque há qualquer coisa que a palavra humana não descreve por completo. É este misto de amargura e de esperança, de tristeza e de paz, em que a esperança vale muito mais que a amargura, e a paz muito mais que a tristeza. Lembro-me das palavras que creio serem de São Paulo: “Eu tenho uma superabundância de alegria em meio a minhas tribulações” (cf. I Ts 1, 6). Isso o mundo não conhece.

Vicente T.
Sede da Sabedoria (acervo particular)

Oceano de paz que só a pessoa verdadeiramente católica possui

O membro verdadeiro da Igreja vive uma espécie de Purgatório na Terra, que é um vale de lágrimas onde expiamos os nossos pecados. Se carregarmos nossa cruz com resignação, teremos na alma torrentes de paz, tranquilidade, estabilidade, ordem, de cuja fruição ninguém, dentro desse mundo transviado, pode ter a verdadeira noção.

Esses bens coexistem com uma verdadeira dor, uma autêntica contrição. Se eu conseguisse dizer as palavras para fazer sentir como a verdadeira paz torna a dor suportável e quanto é digno de entusiasmo, nessas condições, carregar a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, teria feito bem para várias almas que aqui se encontram. É meio inexprimível. Entretanto, encontramos um exemplo disso na vida de Santa Catarina de Gênova.

Que ela do alto Céu interceda por nós e torne luminoso, pela obtenção da graça no interior de nossas almas, aquilo que não consigo senão vagamente indicar, fazer sentir. E que Nossa Senhora nos dê a paz e a alegria da verdadeira contrição, próprias a quem Ela concede a força de ver seus defeitos de frente. É o oposto do olhar oblíquo sobre a própria consciência, de uma tirada de corpo, um não querer ver bem e não se corrigir nunca, uma perpétua maromba diante dos próprios defeitos. Daí também, um mal-estar, uma agitação, um nervosismo contínuos.

Arquivo Revista
Dr. Plinio em 1971

Se, pelo contrário, com toda a paz olhássemos para o nosso próprio defeito e disséssemos: “Meu defeito é este. Eu o vejo por inteiro e noto que chega a tal ponto, mas o observo com paz, olhando para Nossa Senhora. Não faço a fraude de não olhar e fico observando-o com uma tristeza que talvez ainda não seja eficiente na ordem da correção, até o momento em que a Santíssima Virgem tenha pena de mim.”

Esse é o primeiro passo para se corrigir. Mas é preciso ter essa lealdade interior por onde se veja o próprio defeito de frente, não se feche os olhos para ele. Eliminar de dentro da alma o caos, a confusão, o mal-estar desse defeito que de vez em quando surge e nós entravamos; com o qual temos a cumplicidade que nos causa horror e depois some de novo; e não sabemos como pegar, não queremos extirpar, mas que nos agarra. Ter a alma limpa dessas misérias e ver as coisas de frente é um oceano de paz que só a pessoa verdadeiramente católica possui. E isto já nos dá um pouco a ideia das amargas delícias do Purgatório, que são o prenúncio do Céu.

Que Nossa Senhora nos faça entender isso, pelos rogos de Santa Catarina de Gênova.

(Extraído de conferência de 27/3/1971)

1) Não possuímos referências bibliográficas.

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