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Termômetro do verdadeiro fervor

A alma que tem a resolução de cumprir o seu dever sem vacilação, mesmo quando para realizá-lo precise passar por todas as dificuldades e sofrimentos, essa é fervorosa. Aquelas, entretanto, que preferem uma vida macia, sendo estimadas por todos, tendo pavor da dor, essa é uma alma medíocre. A prova do fervor é a coragem na dor.

Fervor! O que dizer dele? Antes de tudo, como descrevê-lo? No que consiste? Muitas vezes o melhor modo de descrever algo é começar desvendando o contrário do que é. Isso dá uma ideia mais nítida da realidade.

Desejos de uma alma sem fervor

Quando uma pessoa toma conhecimento dos Mandamentos da Lei de Deus e da Igreja e se convence com seriedade de que devem ser seguidos, mas forma uma resolução tranquila, sem entusiasmo, essa pessoa não chega a se lamentar que sejam muitos os preceitos a cumprir, mas também não chega a se alegrar em nada.

Pensa: “Eu vou guardar esta tabela, porque vou observá-la. A razão desses Mandamentos é para me levar ao Céu, não é? Parece que lá é muito agradável, vê-se a Deus. Além disso, evita-se o Inferno, pois ele é desagradável e tem suas consequências. Deus parece um Ser muito extremista e radical!

Vicente Torres

“Por exemplo, eu estou aqui tomando estas deliberações. Não há remédio: Ele manda, então eu sou obrigado a obedecer. Devo cumprir os Mandamentos, mas não tenho entusiasmo. Se eu morrer agora tendo essa boa disposição de cumpri-los, o que Ele fará? Com certeza me receberá com um afeto muito superior ao meu afeto por Ele. Eu nem compreendo qual é essa eternidade de felicidade com que Ele me inundará, porque apenas Lhe dou uma parte de mim mesmo. Mas, não custa tanto assim. Eu dou, como poderia também não dar.

“Deus me cumulará de dons que vão muito além de minha expectativa. Aliás, Ele declarou haver um certo exagero na sua retribuição quando disse: ‘Ego protector tuus sum et merces tua magna nimis ‘Serei Eu mesmo a vossa recompensa demasiadamente grande’ (Cf. Gn 15, 1) – Demasiado é excessivo. Portanto, há um excesso dentro disso.

“Como Deus é perfeito, deve estar certo; mas eu não compreendo esse excesso, porque em mim não há esse desejo nem esse entusiasmo nem essa admiração por Ele. Há o de coexistência pacífica, sem entrar em guerra contra Ele. Mas eis que, dessa simples resolução calma que eu tomo, Deus vem ao meu encontro e celebra isso como se eu estivesse dando uma maravilha. E, se eu morrer, quer dizer, se Deus me chamar – oxalá não seja logo! – Ele me cumulará de bens que me deixam aturdido.

“E, ao mesmo tempo, o reverso da medalha me deixa surpreso também. Afinal de contas, se alguém deixa de ir à Missa um domingo porque está chovendo, comete pecado. Por exemplo, se uma senhora quer ficar em casa tocando piano porque a manhã está muito agradável e a casa está aconchegada, mas está chovendo fora, coitada! Ela tem essa fraqueza: não vai à Missa. Em todos os outros domingos da vida, menos nesse, ela foi… É pecado mortal! Deus é muito de excessos e toma isso como uma coisa terrível. Se essa senhora morrer logo depois, vai para o fundo do Inferno. Por um motivo que não foi tão horrível assim.

Flávio Lourenço

“Além do mais, isso que Dr. Plinio está dizendo passa-se na minha alma, mas eu não tenho coragem de formulá-lo para mim mesmo porque, se o fizer, significa que explicitei e, sendo assim, consenti e já pequei. O que resta na minha alma é aquilo que não formulei, não o disse de modo explícito por medo dos excessos de Deus. Na borda dos meus lábios, a palavra morreu. E na orla da minha explicitação, o pensamento não aflorou. Dr. Plinio está como que fazendo uma cócega dentro de minha alma e, na medida em que ele fala, estou sentindo algo que concorda com ele.

“Eu gostaria de um Deus mais calmo… menos radical, que me premiasse e me punisse menos, e se incomodasse menos comigo como eu também não me incomodo muito com Ele, que me deixasse viver à vontade. Em certo momento, o meu caminho haveria de encontrar o seu e Ele haveria de encontrar a minha alma limpa e intencionada de viver em paz com Ele. Não se precipitaria para me abençoar nem nada. Apenas me diria: ‘Ah, é você? Seu lugar é lá…’ Eu encontraria um maço de nuvens destinado para mim, no qual me sentaria e tocaria harpa por toda a eternidade. As nossas contas estariam justas.”

As almas “corretas” no fundo são medíocres

Alguém dirá: “Dr. Plinio, esse estado de alma não existe. Uma pessoa assim cai diretamente no pecado mortal, porque são tantas as tentações da vida, que não aguenta.”

Em nossa época, isso é verdade. No Reino de Maria não o será, porque na vida comum desse bendito reino vindouro, as condições serão muito menos tentadoras e a pessoa, podendo levar uma vida agradável, será muito menos solicitada para o pecado.

Inspetoria Salesiana de São Paulo
Santuário do Sagrado Coração de Jesus, em São Paulo, nos tempos de infância de Dr. Plinio

E nem é preciso subir tão alto. Basta pensar na época em que eu era mocinho, na qual a opinião pública era muito severa quanto à pureza das mulheres. Se uma senhora fizesse a menor concessão a esse respeito, cometesse a menor falta contra a pureza, fazendo ou recebendo um telefonema leviano, por exemplo, isso circulava no meio social e ela ficava mal vista, coisa que contrariava seus interesses.

Por precaução e por egoísmo, ela era obrigada a ser pura. Como resultado, a mulher se habituava à pureza. Casava-se já sabendo que o marido ia ser adúltero. Mas também sabia que este não se separaria dela, porque naquele tempo o divórcio era incomum. Havia desquite, mas era raríssimo, porque este ficava muito mal para o marido. Então a mulher aturava o esposo, pois sabia que ele nunca lhe tiraria a condição de esposa nem o dinheiro necessário para viver. O marido, por sua parte, também aturava a mulher e sabia que ela nunca ia envergonhá-lo arranjando uma outra união. Os dois tocavam a vida sem entusiasmo e sem ódio, até que morresse o primeiro. Essa era a história de um casamento.

Eram pessoas medíocres, tidas por corretas. Quem olhasse para uma senhora dessas e dissesse: “Aqui está uma mulher leviana, impura, que falta à Missa aos domingos, uma mulher cética, que não tem fé”, faria uma calúnia evidente. Porém, quem afirmasse: “Aqui está um espírito fervoroso”, diria uma mentira ainda mais evidente.

Repulsa de Deus pelas almas mornas

O que diz Deus desse gênero de almas? Segundo a ótica errada a respeito dos Mandamentos, essas pessoas não violavam nenhum. Na realidade, eu não saberia como julgar a situação delas, porque nunca lhes ensinaram; mas, de fato, elas violam o Primeiro Mandamento, o qual manda: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, com todo o teu entendimento, com toda a tua alma…” Não é apenas aquela frase seca “Amar a Deus sobre todas as coisas.” O texto é mais explícito.

Em síntese, essas pessoas cumpriam de fato todos os Mandamentos, menos um, o Primeiro. E, por causa disso, a queixa e o julgamento de Nosso Senhor se externava assim: “Se tu fosses frio ou quente, eu te aceitaria, mas como és morno, começo a vomitar-te de minha boca” (Ap 3, 15-16).

No tempo dos meus avós, a medicina era muito atrasada, no Brasil ainda mais do que nas nações europeias daquela época. Entretanto, ela tinha certos recursos singulares dos quais eu peguei alguns ecos. Quando uma pessoa comia algo estragado, por exemplo, a solução era fazê -la expelir a comida bebendo água morna em quantidade, porque justamente esta tem um poder repulsivo, que faz com que o organismo rejeite aquilo que tomou. Com isso, a matéria infeccionada saía também.

Isso comprova como o termo “morno” foi usado desde a mais alta antiguidade, sempre. E aí está o princípio: “… como és morno, começo a expelir-te de minha boca.” No próprio organizar da ordem física, Deus colocou um símbolo para esse tipo de almas. Elas são “vomitivas”, “expulsivas”, são repulsivas.

Os culposamente fracos

No caminho de nossa vocação, haverá possibilidade de alguém ser morno? Vou ser franco. A pessoa entra para a nossa vocação, em geral, com uma enorme ruptura com o mundo. Porque não há um de nós, apesar da enorme diferença de idades, que não pertença a um meio social – alto, médio ou baixo, pouco importa – corroído ou carcomido a fundo pela Revolução. Para entrar pela pradaria bendita da Contra-Revolução foi necessária uma ruptura profunda e, às vezes, trágica.

Flávio Lourenço
Juízo Universal – Museu Catedralício Diocesano de León

A ruptura profunda e trágica, se é completa, traz a paz. Se não o é, deixa uma inquietação constante. Porque, se alguém fica entre os limites do bem e do mal, com um pé no bem e outro no mal, de vez em quando tem de fazer um esforço enorme para não cair no mal. E quando o faz, uma vez ou outra cai. Se não teve coragem de romper por inteiro com aquilo ao qual estava ligada, não terá coragem de fazer sempre o esforço heroico contra a tentação renascente que ela mesma alimentou. A pessoa é culposamente fraca e, por esse mesmo motivo, ela cria a tentação a qual, porque é fraca, não terá coragem de vencer. Em suma, alguém nessa situação oscila.

Se, pelo contrário, dá um passo de leão, dá um salto colossal e rompe com tudo, quando volta para o seu passado, uiva de ódio, de rejeição! No íntimo de sua alma ela ainda execra aquilo que deixou, pois vê com ódio todo o mal que aquilo lhe podia ter feito ou talvez lhe fez. E ela segue o aceno de Deus! Que coisa magnífica!

Entretanto, não devemos ter ilusão a esse respeito. As pessoas não entendem o que é a vida do verdadeiro católico, menos ainda a vida do verdadeiro religioso.

O fervor da Santa da Pequena Via

Em uma de nossas sedes há uma fotografia muito bonita de uma alameda de árvores. Não é exuberante como a floresta de Fontainebleau, absolutamente, mas é um arvoredo bonito, digno, bem arranjado e bem agradável de ver. Há nele uns bancos de pedra, sem encosto, dispostos de um lado e de outro do caminho, convidativos para se sentar debaixo daquela sombra visitada por pingos de sol. É uma via reta e comprida, da qual não se vê o fim. Tenho a impressão de ser uma alameda do convento de Lisieux, onde Santa Teresinha do Menino Jesus escreveu parte da História de uma alma.

Que beleza pensar em Santa Teresinha escrevendo a própria história com sua letrinha pequenina, vestida com aquele hábito carmelita, sentada sob os pingos de sol daquele arvoredo e, em certo momento ela exclamar: “Como é doce a vida religiosa!” O mais curioso é que, de fato, ela é doce, só ela tem doçuras. E doçuras que a vida aí fora não tem. Mas, se lembrássemos o quanto Nossa Senhora pediu a Santa Teresinha e o quanto ela deu, aí compreenderíamos a batalha dentro da vida religiosa.

Santa Teresinha recebeu um convite da graça para aceitar de ser vítima expiatória do amor misericordioso de Deus. Tomando em consideração que o amor misericordioso de Deus era tão pouco compreendido e tão pouco amado pelos homens, ela quis oferecer uma reparação que consolasse a Deus antes de tudo, mas também tivesse como mérito expiar pelas pessoas que não correspondem com fervor às vocações que receberam e aos passos do amor de Deus em direção a elas.

Para obter que Deus não castigasse essa rejeição do seu amor – porque tal atitude é um insulto a Deus – a Providência Divina escolheu uma, ou uma coorte de almas vítimas, que haveriam de se oferecer na Terra e, em atenção a elas, deu ainda mais dádivas para chamar outras almas.

A fórmula desse sacrifício era: nunca pedir nada e nunca recusar nada a Deus, aceitar o que acontecer. O que Deus permitisse que sucedesse a Santa Teresinha, ela consentia e não alterava. E com isso ela oferecia um, dois e até vinte sacrifícios, aos quais chamava de “pequenos”, pois não eram heroicos como os de Santa Maria Egipcíaca, uma Santa que viveu no Egito e praticou tantos sacrifícios, tão heroicos, que no século passado cessaram de imprimir sua biografia porque horripilava as almas…

Flávio Lourenço
Santa Maria Egipcíaca – Museu Episcopal, Vic, Espanha

A Santa da “Pequena Via” aceitava todos os sacrifícios permitidos pela Providência. Certo dia, por exemplo, uma freira que a ajudava a fixar uma parte do hábito foi inábil e meteu um alfinete em sua carne. Santa Teresinha passou o dia inteiro com aquele alfinete cravado em si porque, tendo Deus permitido, ela não ia tirar. Assim era a vítima pelo amor misericordioso de Deus.

Outro dia, imagino eu, ela estava escrevendo sua autobiografia e, no momento em que tinha o espírito mais concentrado, de repente se apresenta uma outra religiosa e lhe diz:

— Oh, irmã Teresa, como a senhora está escrevendo tão bem, vou lhe roubar um pouquinho de tempo. Podemos conversar? Estou muito desolada e preciso me consolar um pouco…

— Oh, pois não! – respondia Santa Teresinha.

A conversa durava uma hora… Em certo momento tocava a hora da refeição – um magro almoço carmelita – e todas se dirigiam para o refeitório. O resto do dia se desenrolava segundo a regra. A História de uma alma ficava para o dia seguinte. Em tudo fazia o contrário do que quereria, porque era o modo de oferecer um sacrifício ao amor misericordioso de Deus.

E se fosse apenas isso! Ela tinha tanta vontade de morrer que, uma noite ela teve uma golfada e fez uso de um lenço. Desejava muito saber se tinha expelido sangue – precursor de uma hemoptise e prenúncio da morte – mas, para oferecer seu sacrifício e se mortificar, não acendeu a luz. No dia seguinte, quando raiou a aurora, Santa Teresinha deu-se conta de que a morte estava próxima e, afinal, iria libertá-la. Era a tuberculose que batia às portas dela, e não havia os mil recursos de cura existentes hoje.

Pouco depois começa a prova contra a fé, a tentação terrível dos Santos. Ela morre numa aridez tremenda, mas com esta frase muito característica do seu estado de espírito: “Eu creio, única e exclusivamente porque quero crer!” Cria porque amava! No momento de morrer, depois de uma agonia tremenda, ela teve um êxtase e caiu morta. Um perfume de violeta, inexplicável, começou a se irradiar de seu corpo para o convento inteiro. Era a glorificação daquela que tinha aberto a Pequena Via para as pequenas almas. Que martírio! Que coisa tremenda!

A vida é cheia de grandes sofrimentos! Como enfrentá-los e estar à altura deles quando vêm? São vagalhões colossais que se abatem sobre todo mundo. Não há ninguém que não padeça sofrimentos muito grandes dentro da vida religiosa e fora dela. Por vezes, mais dentro do que fora; por outras, mais fora do que dentro.

A prova do fervor é a coragem na dor!

Como, então, considerar o papel do sofrimento? A alma que tem a resolução de sofrer e está disposta a enfrentar qualquer coisa, seja como for, na pior dificuldade e no escuro, resolvida a chegar até o fim da dor se for preciso, mas cumprir o seu dever sem vacilação, achando que sua vida está bem empregada, pois assim deve ser e assim o quer, essa é uma alma fervorosa!

Se a alma tem pavor da dor, prefere a brincadeira, quer ser engraçada, divertida, estimada por todo mundo, levar uma vida macia, assusta-se perante qualquer sofrimento, ela pode ter um êxtase – seria um falso êxtase – diante de um crucifixo ou de uma imagem de Nossa Senhora a ponto de se retorcer, mas eu não tomo a sério, porque a prova do fervor é a coragem na dor. E qualquer piedade que não venha acompanhada de coragem na dor é patifaria.

Divulgação
Santa Teresinha do Menino Jesus, pouco tempo antes de sua morte

Nós temos que olhar bem de frente e compreender o seguinte: para isso, muitas vezes não nos bastarão as resoluções muito boas tomadas na vida comum, por exemplo: “Eu quero, ó Senhora, Rainha do Céu e da Terra, na hipótese das grandes dores, sofrer tudo. E desde já eu me dou inteiro!” Isso é ótimo! Mas virão momentos em que a dor é tal que somos capazes de dizer: “Minha Mãe, eu não pensei que o sofrimento fosse tão grande e creio que vou arrebentar, eu não vou aguentar!”

O verdadeiro católico não arrebenta! Aguenta tudo! Por uma razão muito simples: quando pede, ele tem sempre a graça de Deus consigo. É compreensível que as forças naturais de um homem não ofereçam recursos para enfrentar isso. Mas, onde a natureza é fraca, a graça é forte. Se a pessoa reza, Nossa Senhora lhe dará uma força que não tem, e na hora da luta ela enfrentará a tentação.

A pessoa deve confiar em que a sua capacidade de sofrer vá muito mais longe do que o tamanho de sua personalidade. É mais ou menos como um homem que, para glorificar a Nossa Senhora, tem que encontrar um leão no caminho e estrangulá-lo. Ele olha para suas mãos e diz: “O leão vai devorá-las e a mim também! Eu não sou capaz de dar-lhe um beliscão e nem sequer um safanão na juba, e ainda devo estrangulá-lo?! Eu?! Nunca!” Esse é um apóstata fracassado.

Para a alma fervorosa, a coisa se põe de outra forma: “Se for esse meu dever e a dedicação à Santa Igreja Católica me levar até lá, eu direi a Nossa Senhora: Dai-me graças para suportar e caminharei até lá! ‘Omnia possum in eo qui me confortat’, diz São Paulo. ‘Tudo posso naquele que me dá forças’ (Ef 4, 13). A força de Nosso Senhor, obtida pelas preces de Nossa Senhora – as quais Ele nunca recusa –, me dará força. Na hora ‘H’ eu serei forte!” Este é o fervor!

Sacrificar muitas coisas pequenas é coisa imensa aos olhos de Deus

Entretanto, o fervor não é só para as grandes ocasiões. Não está preparado para receber a graça do fervor nas grandes ocasiões quem não o tiver nas pequenas. E para isso, é preciso estar habituado a fazer os sacrifícios da vida diária com esse fervor.

Se, por exemplo, devo realizar uma coisa desagradável, cacete, e não estou com vontade de fazer, se é meu dever, eu o faço e com élan, aí eu tenho fervor. Ou posso deixar um dever desagradável para cumprir daqui a meia hora, mas vou cumpri-lo já! Devo ter a “gula” do sacrifício! E não ficar me espreguiçando vagabundamente aos pés de um sacrifício que eu não tenho coragem de fazer, grande ou pequeno, pouco importa. Hoje, em qualquer horário, devo dar um telefonema cacete; acabei de acordar, então vou fazê-lo agora! Vou pular em cima desse pequeno dever como diante de uma fera e direi: “Venha cá, telefone, símbolo do progresso e meu servo. O meu primeiro combate será através de ti!”

Os sacrifícios devo fazê-los logo. Mas, se tenho alguma coisa agradável a realizar, nunca a preferir: deixo passar o primeiro ímpeto e faço depois.

Do mesmo modo, se estou muito desejoso de ouvir as repercussões de apostolado de um militante do nosso movimento que acabou de chegar de viagem – a qual durou meses –, penso em descer logo as escadas para falar com ele. De repente paro e me lembro de oferecer a Nossa Senhora um sacrifício. Desço devagar os degraus e a cada passo rezo uma jaculatória. Para quê? Para me atormentar? Não! Para conquistar um pouco mais do terreno da Revolução maldita, gnóstica e igualitária. Quando chegar embaixo, terei perdido um pouco das notícias, é verdade, mas terei ganho muito terreno para Nossa Senho ra, que saberá o que fazer desse meu oferecimento ao descer devagar a escada. Eu sei que em cada degrau meu Anjo me acompanha sorrindo!

Vicente Torres
Martírio de São Paulo – Pinacoteca Vaticana

Eu pergunto: haverá no mundo escada mais doce de descer? Isso é fervor! Alguém dirá: “Mas, Dr. Plinio, isso é uma coisa tão pequena!” Eu respondo: “Fazer muitas coisas pequenas assim é imensíssimo! E nós as devemos fazer!”

Há, contudo, um ponto sobre o qual desejo insistir e é o seguinte: se há uma coisa que o homem gosta de fazer é sua própria vontade. Porém, na vida que se leva dentro de alguma Ordem religiosa há algo particularmente bonito. O dever tantas vezes nos aponta algo a fazer, mas nossas apetências vão para outro lado. E o dia inteiro nos movemos, não por nosso capricho, mas pela regra.

Que há de bonito nisso? Imaginem se uma pessoa recebesse de Deus o seguinte privilégio: sempre que Deus quisesse que ela fizesse alguma coisa, aparecesse um Anjo e lhe revelasse: “Deus quer isto de ti.” Seria algo admirável!

Ora, o próprio do religioso é fazer sempre, nas grandes e nas pequenas coisas, a vontade do superior. E cada vez que este manda fazer um serviço, tem-se a certeza de ser dos privilegiados a quem Deus Se dirigiu pela voz do superior. O comum dos homens quantas vezes tem de quebrar a cabeça para saber onde está o desígnio de Deus. Na obediência religiosa a pessoa o encontra com paz e despreocupação.

Arquivo Revista
Dr. Plinio em 1985

Então, há mil ocasiões para fazer sacrifícios, ora pequenos, ora grandes, que aumentam o fervor. O auge do fervor é daquele que, no auge do tormento e do sofrimento, em certo momento diz: “Está tudo pronto, consummatum est!

São Paulo, uma alma fervorosa

Vejam o lindo simbolismo do martírio de São Paulo. Ele foi o Apóstolo que mais trabalhou pela difusão do Evangelho. Antes de morrer decapitado, declarou: “Combati o bom combate, percorri todo o caminho que eu deveria percorrer. Dai-me, Senhor, agora, o prêmio de vossa glória” (Cf. 2 Tm 4, 7-8). Quando o carrasco romano arremessou a espada contra ele cortando-lhe a cabeça, esta picou três vezes sobre o chão, tal foi a violência do golpe. Em cada ponto onde ela rolou, abriu-se uma fonte. Esse é o sacrifício do homem fervoroso!

Nos grandes sacrifícios de nossa vida, temos a impressão de que algo nos foi decepado, mas abrem-se fontes através deles!

(Extraído de conferência de 16/2/1985)

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