As bases do autêntico heroísmo nascido da Fé não estão nos impulsos hipnóticos e eletrizantes, mas sim na convicção profunda, na determinação inabalável e no domínio completo da vontade sobre os sentidos.
Tanto na imaginação popular como no modo de sentir do homem contemporâneo, existem diversas modalidades de heroísmo que correspondem a tradições também diferentes. Temos, por exemplo, o heroísmo alemão, o da escola francesa, o de tipo nazifascista, comunista, o heroísmo japonês.
Diante dessas várias modalidades, qual é a crítica do heroísmo católico e no que ele consiste?
Agressividade do heroísmo e da disciplina alemã
No século XIX, o heroísmo alemão era romântico, como tudo o que caracterizou aquela época. Ele se personificou no exército do Kaiser1, distinguindo-se por uma alta ideia do Reich2, da cultura, da civilização e da missão germânica que, por meio da guerra conduzida com esplendor, com brilho cavalheiresco, levou o nome e o domínio da Alemanha até os últimos confins da Europa, num tempo em que o Velho Continente era o centro do mundo e, dominando-o, dominava-se a Terra inteira.
Esse heroísmo alemão era baseado numa série de convicções tidas por eles como evidentes e simples, e em função das quais possuíam uma vontade de acertar e de vencer inflexível, traduzindo-se no porte ereto de seus soldados. Além disso, eles tinham a ideia – a qual eu acho muito verdadeira e até São Tomás de Aquino defende – de que a fortaleza se exprime de modo mais excelente na agressividade a favor do bem.
A característica do heroísmo alemão eu creio que se simbolizava em três pontas: nas duas pontas do bigode do Kaiser e na do elmo do capacete do soldado alemão. Digo isto sem sarcasmo, porque devo confessar que tenho uma certa simpatia por todas as formas de heroísmo, embora tenha repúdio a todos os erros que há dentro delas. Mas, realmente, essas pontas manifestavam o que o heroísmo alemão tinha de pontudo. Ele se exprimia por um conjunto de convicções muito elementares, muito simples, que eram iguais em evidência.
O Kaiser era para eles a mais elevada produção do mais superior dos povos, o alemão, feita no terreno mais alto da cogitação humana, isto é, o terreno político. Por conseguinte, o imperador devia ser defendido com o melhor dos exércitos, o alemão, pois este era excelente tanto em infantaria como em indústria de guerra. Para eles isso era uma verdade elementar e simples.
As fábricas Krupp3, por exemplo, produziram um dos mais potentes canhões da armada alemã, o “Grosse Bertha”– Bertha era o nome da filha primogênita do proprietário da Krupp. Tudo isso acho simpático. A entonação meio bárbara do nome se parece com a beleza agreste de um rochedo às margens do Reno, uma coisa prodigiosa, embora seja pouco gracioso comparar uma senhora a um canhão, e a isso faço as minhas reservas. Nesse ponto já não estamos mais no terreno do heroísmo e sim no da vida civil, e aqui eu não me solidarizo com a cultura alemã.
No alto do elmo, a terceira ponta, está a diplomacia, também agressiva e tocando para frente. O passo de ganso, com os pés levantados num gesto de dureza que apavora não só porque calca os pés no chão, mas também porque é preciso uma destreza que assusta o homem quando ele dá este passo, indica bem a resolução de vitória. Daí surgem as massas de soldados alemães atacando na Blitzkrieg4. Tudo isto corresponde à imagem romântica do heroísmo alemão.
Sensibilidade nervosa e fanatismo do heroísmo francês
Em contraste com isto temos a imagem, também romântica, do heroísmo francês, o qual eclodiu em condições péssimas por ocasião da Revolução Francesa. A meu ver, nada exprime tão bem esse heroísmo quanto a Marseillaise5. Este hino possui um conjunto de harmonias, de élans, de entrains6, que determinam uma marcha fulgurante para frente, de espíritos dominados por erros enunciados de um modo brilhante. E o ímpeto todo da investida revolucionária é, não só o fanatismo desses erros expressos brilhantemente, mas também a ideia de que eles estão investindo contra o mundo inteiro, embora estejam mal armados, mal organizados, num exército de gente que combate até descalça, se necessário, mas que, pela sua sensibilidade nervosa, tiram de dentro de si a capacidade de lutar contra tudo e contra todos, derrubando toda a ordem sacral contra a qual com impiedade se levantavam.
Basta ouvir cantar os acordes da Marseillaise que qualquer um se dá conta de quanto a música é envolvente e de como, apesar de todos os horrores, tem a capacidade de começar a entusiasmar e de levar o indivíduo a marchar com o élan de uma coragem individual, em que ele luta e resiste sozinho, disposto a morrer no campo de batalha, padecendo todos os horrores, para realizar aquilo que resolveu. É uma outra forma de heroísmo.
Magnetismo hipnótico e eletrizante de Hitler
Já no heroísmo nazifascista encontramos algo de parecido e algo de diferente com os dois tipos tratados acima. Este se baseia, como o dos alemães, em algumas verdades muito simples e elementares e não em doutrinas abstratas, como as da Revolução Francesa.
Uma verdade elementar era que à Itália, como descendente e continuadora do Império Romano, cabia dominar toda a zona do Mediterrâneo, como o Mare Nostrum7, para defender a alforria da cultura latina, que habitava nela como no seu tabernáculo, pois era a primeira cultura de todos os séculos.
O Führer8, então, personifica a ideia democratizada do Kaiser alemão. Não se trata mais de lutar por uma dinastia ou por uma estrutura política, mas de lutar pela ideia do povo-rei, do povo-senhor, dotado de mais qualidades que todos os outros povos os quais, como não quiseram reconhecer tais atributos, precisaram levar uma boa surra para, afinal, deixarem-se organizar pelo povo que sabe fazer as coisas.
Daí nasce, naturalmente, a ideia do domínio nazista sobre a Terra, já não com o bigode pontudo do Kaiser, mas com o bigode cínico de Hitler, que mais me parece escorrido de dentro das narinas; bigode de um homem que não tem mais nada da grandeza da Europa de outrora, mas, ao mesmo tempo, é um grande demagogo, um político muito velhaco, capaz de dar olhares oblíquos nos quais transparece toda a falsidade. Este homem é um eletrizador, um magnetizador.
Ora, o Kaiser não era um eletrizador, ele era o representante de uma tradição. Hitler, pelo contrário, mag netizava e, quando urrava e batia com os punhos na mesa, ele levantava e determinava correntes elétricas enormes, que arrastavam povos inteiros à batalha, à guerra, à agressão e ao combate, por um fluido magnético, uma apetência de heroísmo que ele era capaz de despertar, deixando as pessoas completamente dominadas. Ele eletrizava todas as Alemanhas: a Áustria, os Sudetos, os do Corredor Polonês9, bem como os alemães do centro do país.
Heroísmo fatalista e irracional dos comunistas
O heroísmo comunista, por sua vez, possui duas vertentes: o do terrorista e o do soldado da guerra convencional. Este último tem qualquer coisa de soturno, de desesperado, de sádico e fatalista. Basta observar a fotografia de um general ou de um soldado russo fitando um ponto qualquer do horizonte; o olhar deles é inexpressivo. Percebe-se que não é a atitude militar, pois não resulta de um entusiasmo, mas, isto sim, de um peso misterioso que está na alma, mais parecido com uma espécie de incubação diabólica.
Dir-se-ia que aquele homem ficou possuído por ter feito com o demônio um desses pactos irretratáveis, com o qual participa de todo o ódio, toda a agressividade e todo o espírito de cálculo diabólico, como também de todo o desespero frio de quem sabe não ter mais salvação a esperar; não acredita em idealismo nenhum, não quer construir, só quer derrubar porque sabe muito bem que a ordem que ele finge construir é uma negação de toda espécie de ordem. Ele quer aquilo e vai movido por uma fatalidade em direção à morte, com revolta, vai para destruir. Há qualquer coisa de irracional e fatalista nesse heroísmo de homens hipnotizados que caminham assim para a morte.
Bem diverso é o risco que corre o terrorista. Este é o indivíduo que toma drogas, sendo objeto de toda espécie de efeitos excitantes. É o sujeito habituado à orgia e que, como é próprio aos homens que vivem dentro dessa libertinagem, tem a tendência para desprezar a vida e, por causa disto, se é comunista transforma-se em terrorista; se não é comunista acaba sendo uma espécie de playboy maluco, desses que fazem corridas de automóvel para ver quem passa primeiro em tal obs táculo e, afinal, espatifa-se ou morre. É uma explosão de agitação, resultado inequívoco de toda uma desordem interior ou de todo um acúmulo de várias desordens interiores.
Heroísmo japonês, fruto de um desespero
O heroísmo japonês tem qualquer coisa de cego, de fanático e, ao mesmo tempo, de implacável.
Outro dia lemos a história do preceptor do imperador japonês. Quando morreu seu antecessor, o preceptor do atual Mikado10 deu sua última aula para ele para confirmar se tudo quanto ensinara havia sido assimilado. Verificando que a cabeça do rapaz estava em ordem para ser imperador, ele entendeu que não tinha mais nada para fazer. Com uma frieza completa, uma falta de sentimento, uma espécie de adormecimento do instinto de conservação que causa pavor, combinou com a mulher, que resolveu suicidar-se também, e ambos praticaram o haraquiri. Disseram-me que essa prática consiste em pôr, com as próprias mãos, as entranhas para fora.
Há nisto algo daquele estado de espírito que as divindades japonesas exprimem: ídolos com cara de ferocidade, olhos esbugalhados de quem, com um ritual de desespero interior, deixa a vida por já não caber mais dentro de suas próprias entranhas e, quando sacrifica a vida, imola alguma coisa que lhe pesa e que não quer mais suportar.
O próprio kamikaze tem algo disso. Não se sente no heroísmo dele o temor, mas sim uma espécie de deformação, pela qual exclui o medo e vai para a morte com completa indiferença.
O episódio heroico por excelência
Por fim, qual é o verdadeiro heroísmo? É o católico.
O supremo exemplo do heroísmo católico é Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele é o modelo de toda forma de virtude e santidade. E não é só o modelo, mas a fonte, porque d’Ele emanam as graças para os homens conquistarem a santidade. A meu ver, a demonstração mais perfeita que Ele deu de seu próprio heroísmo foi a Agonia no Horto.
Nietzsche12 tinha desprezo por ela, pois afirmava que Nosso Senhor não Se tinha mostrado varão nesse passo da Paixão e que, aliás, com a sua doutrina do perdão, com a sua vontade, Ele não era verdadeiramente um homem, mas um ente aborrecido e dulçuroso. Esta afirmação é blasfema e, se tivéssemos mandado Nietzsche carregar a Cruz, ele não teria tido coragem para carregá-la, pediria água duzentas vezes, a abandonaria, apostataria, teria feito cem coisas para fugir dela.
A Agonia de Nosso Senhor Jesus Cristo no Horto é o episódio heroico por excelência, não só porque se trata d’Ele, mas por causa da natureza do lance.
Ele era o Homem-Deus e, considerado na sua humanidade, era perfeito não só por ter sido concebido sem pecado original, mas porque foi o mais perfeito dos homens criados. Ele possuía todas as qualidades da criatura humana no seu mais alto grau. N’Ele, todos os instintos eram perfeitos, e como o instinto de conservação é um elemento fundamental de todo ser humano, seria um homem deformado se não o tivesse. De fato, Ele o possuía muito harmonicamente desenvolvido e mais agudo, levando-O a ter pavor dos sumos tormentos físicos que iria sofrer.
Por outro lado, por possuir uma inteligência perfeita, conhecia a fundo o valor do afeto, da fidelidade, da solidariedade dos amigos. E, portanto, tinha uma compreensão completa de todos os tormentos morais que O aguardavam. Assim, nunca houve, não há, nem haverá um homem que tenha padecido os tormentos físicos e morais que Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu durante a Paixão, não só por causa do abandono dos Apóstolos, mas de todas as injúrias lançadas por cada uma daquelas almas as quais Ele queria salvar. É insondável o que o Redentor sofreu nessa ocasião.
Pois bem, chegado o momento da Agonia no Horto, Nosso Senhor, por assim dizer, pôs um ponto final na sua existência terrena, sua obra estava pronta e, naquela noite, Ele devia preparar-Se para o seu próprio martírio, dispor a sua sensibilidade física e espiritual para sofrer a Paixão e carregar a Cruz. Tudo isso implicava em prever, medir, ajustar-se, tomar a resolução e fazer.
Agonia, em grego, quer dizer luta, combate. Portanto, foi a luta que Nosso Senhor Jesus Cristo travou contra aquele cúmulo de dores que santissimamente, dentro d’Ele, pedia não padecer, desabrochando naquela oração pungente e tocante.
Ele começou a ter tédio e pavor, segundo narra o Evangelho (cf. Lc 22, 42-44), e de medo do que Lhe haveria de suceder, começou a suar sangue. Não pode haver maior expressão de medo! E dentro deste medo, no auge do sofrimento moral, não pode haver resolução maior do que a que Ele fez ao Padre Eterno: “Meu Pai, se for possível afastai de mim este cálice, mas faça-se a vossa vontade e não a minha.” O que equivale a dizer: “Se for possível, prefiro não sofrer, mas, se seguindo os vossos superiores desígnios Eu deva sofrer, então não insisto na minha oração. Eu aceito o sofrimento que vem sobre Mim e o enfrentarei. Padecerei até o último gemido, até a última gota de sangue, até a última lágrima. Não recuarei!” Aí veio um Anjo e Lhe deu forças.
Convicção inabalável de Nosso Senhor Jesus Cristo
Notem a beleza extraordinária do acontecido na Paixão: Nosso Senhor Jesus Cristo não teve, em nenhum momento, receio, mesmo quando chegaram os algozes para prendê-Lo e Lhe perguntaram: “És tu Jesus de Nazaré?”, ao que Ele respondeu: “Eu sou”, e o disse de um modo tão terrível que todos eles caíram com o rosto em terra (cf. Jo 18, 4-6).
Ali mostrou que se Ele quisesse não sofreria aqueles tormentos, porque poderia mandar embora aqueles homens. Ele ia sofrer porque queria. Apesar de tudo quanto n’Ele clamava contra a dor, Ele a aceitava e queria carregá-la até o fim.
Esse modelo de heroísmo tem como ponto central o seguinte: uma convicção. É evidente que estou me exprimindo em termos humanos porque, para me referir de modo adequado de Nosso Senhor Jesus Cristo, eu deveria falar de sua união hipostática, das comunicações que sua humanidade recebeu de sua divindade durante a vida terrena. Mas vou simplificar a exposição.
Nosso Senhor Jesus Cristo tinha uma convicção profunda, na sua humanidade, de tudo aquilo quanto a sua divindade sabia. Ele compreendia que devia cumprir a vontade do Padre Eterno e assim o queria. E, em consequência dessa convicção inabalável, possuía uma vontade firmíssima; em decorrência dessa vontade, tinha um domínio invencível sobre as paixões; por efeito desse domínio, aceitou o martírio até o fim. Aí está o esquema e a explicação do que há de mais recôndito no heroísmo de Nosso Senhor.
O requinte do heroísmo católico
Ao longo da História da Igreja esse heroísmo se repetiu. Em alguns momentos o sopro do Espírito Santo incendiou a Cristandade, levantando legiões de heróis nas Cruzadas, por exemplo, ou por ocasião da Reconquista. Em tais episódios muitas vezes vimos aqueles heróis indo alegres para combater, tanto pela libertação do Santo Sepulcro quanto para desinfestar o território da Península Ibérica dos mouros, dos maometanos que a tinham invadido.
Contudo, não é o melhor do heroísmo a hora em que a graça comunica aos homens uma alegria sensível e a virtude, os atos heroicos são fáceis de praticar.
O requinte do heroísmo católico o encontramos ao abrir os livros da história das Cruzadas e descobrir os sofrimentos pelos quais eles passaram quando o sopro do Espírito Santo já não se fazia sensível; os riscos que correram, enfrentando um calor horroroso, marchas tremendas pelo deserto, dizimações pela peste ou fome, tendo que combater inimigos muito superiores e morrendo em condições muitas vezes atrozes e, ainda assim, perseveravam na deliberação de morrer por Nosso Senhor Jesus Cristo até o último instante.
Ou seja, havia uma convicção profunda, uma determinação, um ato de vontade firmíssimo tomado em consequência dessa convicção e um domínio completo da vontade sobre todos os sentidos, que diziam “não”.
As Cruzadas e a Reconquista não devem ser vistas como passeatas alegres de homens continuamente entusiasmados, num encanto contínuo do ato realizado e que morriam vendo diante de si os Céus abertos, dispostos a entrar nele com alegria, carregados pelos Anjos. Houve cruzados que morreram assim, houve também mártires que morreram assim no Coliseu ou no Circo Máximo, na plena alegria de entregarem suas vidas, mas são mortes excepcionais. A morte comum do herói católico é a morte no medo, no espanto, no tédio, no horror. Entretanto, por uma profunda convicção, mantém-se heroica.
Nisto temos o contraste entre o heroísmo das várias escolas acima mencionadas e o heroísmo católico.
Sistemas fabricados por um ímpeto, baseado em impulsos
Nessas escolas se tem sempre o medo em conta de uma vergonha e só se concebe o verdadeiro herói como um indivíduo preparado por uma espécie de calefação de propaganda para fazer aquilo que o partido ou a nação quer dele. Ora, a convicção raciocinada, refletida e deliberada é considerada uma coisa secundária.
Assim, seja por meio das falanges que marcham a passo de ganso, da hipnose do Führer, do romantismo contagiante da Marseillaise ou dessa outra espécie de hipnose sinistra do comunismo, procura-se fazer com que os homens, levados não por uma convicção raciocinada, mas por algumas ideias simples que parecem evidentes e que não foram objeto sequer de uma análise, fanatizados, tornados ébrios por um sistema de propaganda, nem sintam o seu instinto de conservação e se atirem cega e loucamente por cima do perigo.
O resultado é que, passado o momento do heroísmo, o sistema desaba, pois ele é feito apenas para algumas grandes investidas e para a vitória; porém, se a investida não tem êxito e é preciso começar a resistir, o sistema desaba, não se aguenta, porque é todo fabricado por um ímpeto; é um sistema baseado em impulsos e, portanto, não tem duração.
A prova disso está na história de todos esses regimes. O Kaiser Guilherme II, por exemplo, foi derrotado na guerra, se entregou ao adversário para evitar a invasão. A Alemanha imperial ruiu por completo, aqueles exércitos se dissolveram e todos estiveram de acordo em capitular diante da França para evitar que o território fosse prejudicado. Em síntese, deu-se uma linda investida, que culminou num cálculo econômico e numa capitulação.
Por ocasião da II Guerra Mundial, os Aliados e os russos investiram mais uma vez contra a Alemanha, invadiram-na com violência e a bombardearam, embora houvesse resistência. Entretanto, se analisamos bem, a resistência foi feita por um povinho que tinha a tradição de patriotismo. Os chefes fraquejaram, amoleceram, tentaram fugir, traíram Hitler. Quando Hitler se suicidou no Bunker13 em Berlim, tinha consigo apenas algumas poucas pessoas.
Os historiadores da Alemanha reconhecem que, por ocasião do desembarque inglês na Normandia14, episódio que fez virar a guerra, todos os grandes generais alemães estavam às ocultas, na retaguarda, longe do campo de batalha: um deles estava comemorando o aniversário da mãe, outro fora ver um castelo que tinha mandado reformar… Estavam todos cuidando de sua vidinha, o impulso tinha passado.
Tomemos, por exemplo, o heroísmo dos integralistas15 brasileiros. Houve tempo em que duas forças estavam em franca ascensão na mocidade brasileira: o movimento católico e o integralista. Certa vez, um integralista foi-nos visitar e disse-nos:
— O que vocês estão fazendo aqui?
— Estamos fazendo um círculo de estudos.
— Para que isso? – perguntou.
Eu lhe respondi:
— Para nos compenetrarmos da Doutrina Católica e para lutarmos.
— Qual nada! Não é com um círculo de estudos que se prepara um herói, mas sim por meio de uma galvanização, uma calefação do entusiasmo. Nós, integralistas, quando ouvimos falar de comunistas, arrepiamo-nos e estamos dispostos a pular em cima do comunismo como gato pula em cima do rato.
Eu disse:
— Isso não vai dar resultado nenhum, a menos que vocês sejam perfeitamente irracionais, porque quando chegar a hora do medo, não vai sair nada.
Pouco tempo depois, ambos os movimentos levaram uma paulada: Getúlio Vargas começou a combater o integralismo, e o progressismo atacou o nosso movimento. O movimento integralista se desfez por completo, e vários dos tais “gatos” se fizeram comunistas. Graças a Deus, nós continuamos a arriscar muitas vezes a nossa vida, mesmo arrostando prejuízos morais e difamações sem nome.
A Fé, fundamento do heroísmo católico
O fundamento do heroísmo católico é a Fé. Portanto, são as convicções, as certezas de Fé que a pessoa adquire no estudo, na oração, na meditação, na vitória interior contra si mesmo, contra as suas paixões desorde nadas, sendo casto, puro, aplicado no trabalho, coerente, formando um espírito intransigente contra a Revolução, calcando aos pés o respeito humano, vivendo exclusivamente para a Causa Católica sem se preocupar, a não ser na medida do indispensável, com seus interesses pessoais.
É assim que a pessoa forma seu heroísmo interior para depois tornar-se herói no campo de batalha. Esta é a diferença entre as escolas de heroísmo neopagãs e a escola de heroísmo católica, da qual, com as limitações e as misérias daquilo que é humano, procuramos ser discípulos.
É este o heroísmo para o qual desejamos nos preparar. A hora atual o pede mais do que nunca. Nosso século será o século dos heróis, porque mais ninguém vai sobreviver, a não ser os heróis.
Nesta época é preciso compreender que nascemos para ser heróis da Fé, não por puro impulso nem por mero temperamento, mas para ser heroicos como Nosso Senhor Jesus Cristo o foi.
Alguém dirá: “É pretensiosa a comparação.”
E eu respondo: não se trata de uma comparação, a não ser porque Ele é o modelo a ser imitado por todo católico. Nosso Senhor Jesus Cristo mesmo disse: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5, 48). Nós, portanto, devemos dizer: “Sede heroicos como Nosso Senhor Jesus Cristo o foi!” Esta é a verdadeira escola de heroísmo.
(Extraído de conferência de 18/2/1971)
1) Título usado para o imperador do Sacro Império Germânico (962-1806), da Áustria (1804-1918) e da Alemanha (1871-1918).
2) Nome oficial para o Estado-Nação alemão no período de 1871 a 1943.
3) Pertencente à família Krupp, uma importante e antiga dinastia alemã de Essen. A fábrica Krupp foi a maior empresa da Europa no início do século XX e a principal fabricante de armas para a Alemanha durante as duas guerras mundiais.
4) Do alemão: guerra-relâmpago. Tática de ataques rápidos e de surpresa, com a finalidade de evitar que as forças inimigas possam organizar a defesa.
5) Hino revolucionário composto por ocasião da Revolução.
6) Do francês: vivacidade alegre, otimista.
7) Do latim: “o nosso mar”. Termo usado pelos antigos romanos e revivido pelos nacionalistas após a unificação da Itália em 1861.
8) Do alemão: líder, chefe. Termo que, embora comum na língua alemã, ficou associado a Adolf Hitler.
9) Denominação criada ao fim da Primeira Grande Guerra quando foi cedida à Polônia, pela Alemanha, uma estreita faixa de terra junto ao Mar Báltico.
10) Título do imperador do Japão. À época desta conferência, o imperador era Hirohito (Shōwa).
11) Suicídio ritual praticado no Japão, especialmente pelos guerreiros, que consiste em rasgar o ventre com uma faca ou um sabre.
12) Friedrich Wilhelm Nietzsche, filósofo (*1844 – †1900).
13) Complexo subterrâneo de salas, em Berlim, conhecido como Führerbunker, localizado a cinco metros de profundidade dentro do prédio da Chancelaria do Reich.
14) Ocorrido em 6 de junho de 1944.
15) Movimento que pretendia unir tradições políticas, culturais, religiosas.