Uma das obras mais eminentes do amor é a disposição de lutar, e a virtude na qual todas as demais encontram seu esplendor e uma perfeição incomparável é a combatividade. A espada é o símbolo da varonilidade inteira, da disposição de enfrentar a morte e lutar por aquilo que se ama.
Temos para comentar uma ficha com considerações a respeito da espada, tirada do livro São Fernando III e sua época, do Padre Luís de Retana1.
Arma que condensa as virtudes do cavaleiro
A espada era algo grande e sagrado, nessa época da Idade Média na qual os heróis não tinham outra profissão senão a guerra. Desde o dia em que era armado, o cavaleiro não podia descingi-la nunca, mesmo quando estivesse sem armadura: com ela vivia, com ela junto a si dormia, com ela entre as mãos morria e era sepultado.
A espada era a arma nobre do cavaleiro cristão e a poesia medieval é infatigável na descrição das espadas.
A palavra “espada”, no idioma nórdico, procede da mesma raiz da palavra “chama” ou “incêndio”; a espada brilha na noite e brilha nos combates à luz do sol. A de Carlos Magno tinha trinta refrações. A espada do cavaleiro não podia ser tocada senão por ele. Osculando e tocando sua cruz, ele fazia seus juramentos e quando ele a legava a um herói ou a seus filhos, era o mais precioso presente do mundo.
A espada tinha seu nome com o qual, se fosse gloriosa, deveria passar à História, assim, o romance e a poesia imortalizaram a Tizona e a Colada do Cid, a Joyeuse e a Hauteclaire (esplendorosa) de Carlos Magno, a Gleste, que quer dizer “esplendor”, de Siegfried. […]
A razão pela qual a espada era a principal arma do cavaleiro é que ela significava e condensava em si as quatro principais virtudes do cavaleiro: cordura, fortaleza, equanimidade e justiça.
A cordura estava representada no punho da espada, que o homem tem encerrado na mão, e, enquanto assim o tiver, está em seu poder levantá-la, baixá-la, ferir ou deixá-la.
No pomo da espada está toda sua fortaleza, já que ela sustenta o punho, a guarda e a lâmina.
A guarda, colocada entre o punho e a lâmina, é o símbolo da equanimidade. A justiça aparece na lâmina da espada, que é reta e pontiaguda, e corta igualmente de ambos os lados.
Por todas essas razões, os antigos determinaram que os cavaleiros trouxessem sempre a espada consigo.
É uma ficha lindíssima, merece ser analisada com mais vagar.
Símbolo da dignidade humana
Para se compreender algo do passado há um método que aconselho ser utilizado aos que cultivam a tradição: procurar, antes de tudo, os resquícios desse passado enquanto ele está vivo. Porque não há nada melhor do que analisar a coisa viva, para depois se entender o passado.
Há algo curioso: como arma de guerra, a espada está, hoje em dia, completamente superada. Não se cogita uma pessoa afiar uma espada para entrar em combate. Pode-se dizer que da lista dos armamentos modernos ela está cancelada. Ninguém, por exemplo, podendo comprar um revólver para se defender, vai adquirir uma espada.
Entretanto, apesar disso, os oficiais de todos os exércitos do mundo usam espada. E não se compreende o contrário.
Quando um oficial comanda um destacamento e apresenta-se a este, ele fala com a espada desembainhada. Ele poderia fazer isso com um revólver, mas que graça teria? Seria cômico, ridículo. Que graça haveria em fazer isso com a baioneta? Somente a espada serve de símbolo para a atitude de disciplina cavalheiresca, nobre, inerente ao militar.
Séculos depois de a espada ter entrado em decadência como arma, no momento em que o seu desaparecimento é total, ainda hoje, como símbolo, não se compreende um oficial sem sua própria espada.
Por outro lado, em quase todos os países existem academias de letras. Os acadêmicos com seus fardões usam uma espada. No momento em que o literato chega ao auge de sua glória, quando ele é proclamado imortal – da mais mortal das imortalidades, enfim… – para entrar na imortalidade não lhe dão uma grande pena para ele colocar ao lado, ficaria uma tralha ridícula. Usando o fardão, usa-se a espada. E ele se sentiria inibido se não portasse uma espada.
Não sei como é hoje, mas também até algum tempo atrás, o traje dos diplomatas era usado com espada. Qual a razão disso? Porque a espada ficou associada a uma série de coisas poéticas, de símbolos de cavalaria, de dignidade humana, uma série de coisas que não se dissociam dela. E isso não é um mero efeito de seu aspecto material, é uma bonita arma, enquanto o revólver é um monstrengo.
Os da Antiguidade Clássica, antes da Idade Média, não tinham feito em torno da espada toda a legenda construída durante o medievo. Foi a Idade Média que soube ver a espada, sublimou-a e transformou-a no mais alto símbolo da dignidade humana. Um rei, para se coroar, portava sempre uma espada. Inclusive para todas as coisas que o igualitarismo ainda deixou em pé, usa-se espada.
Se em nossa época isso é assim, o que seria a espada na Idade Média? Esse autor mostra o papel dela e como ela estava ligada indissoluvelmente ao homem por um afeto pessoal.
A espada era considerada – diz ele muito bem –, quase como um sacramental, ela trazia corporificada em si algo da dignidade do homem, da varonilidade dele, da hombridade, da sua capacidade de ataque e de defesa. Tudo isso estava consubstanciado nela. E por causa disso os homens não se despojavam dela jamais.
Combatividade, virtude que aperfeiçoa todas as demais
Até a Revolução Francesa, os nobres, nas funções civis, como num baile de corte, por exemplo, ou numa recepção, num aniversário, numa visita na casa de um parente para uma conversinha à noite, ele levava sua espa da, numa época em que ela já não tinha significado como defesa, porque as ruas já estavam bem policiadas, os ataques noturnos quase não existiam. Por outro lado, já havia armas melhores para defesa, mas os fidalgos usavam a espada, porque ela era o símbolo da fidalguia.
Com isso havia uma noção a respeito da qual eu quero insistir particularmente, porque me parece ser muito importante para termos em mente. Embora o homem deva ser adornado por toda espécie de virtudes, como a sabedoria, a castidade, a virtude na qual todas as demais encontram um esplendor e uma perfeição incomparável é a combatividade.
Nisso se encontra a glorificação da espada como sinônimo da varonilidade inteira, significando que o verdadeiro varão católico mostra a integridade da virtude nele pela disposição para lutar, pela combatividade. Porque é na disposição de lutar por uma virtude que mostramos a integridade dela.
Espírito combativo, plenitude do católico
Isso se explica muito bem por um episódio da vida de Nosso Senhor, no qual a mãe de dois Apóstolos prostrou-se diante d’Ele e pediu para seus dois filhos toma rem lugar um à direita e outro à esquerda d’Ele. E Nosso Senhor disse: “Podeis beber o cálice que eu vou beber?” (Mt 20, 22). Era como se dissesse: “Sois capazes da luta, que é a condição para o que pedis? Sois capazes da abnegação, condição para se provar o amor?”
A prova do amor está na dedicação, na abnegação. Nosso Senhor disse muito bem: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos” (Jo 15, 13).
Como o varão era um homem responsável pelos direitos, pela vida de muitas pessoas de sua família, ele provava essa integridade pela disposição de defender, com risco de seu próprio sangue, aqueles valores morais que representava. Disto decorre que o uso da espada é a disposição de dar a vida, de enfrentar o risco de morte e lutar por tudo quanto se ama.
Houve um magnífico costume de adoração, dos fidalgos, até a Revolução Francesa: quando iam à Missa, na hora do Evangelho, todos puxavam a espada e ouviam a leitura com ela desembainhada. Era o modo de o varão amar: “Sei que esse Evangelho é odiado, porque tudo quanto é bom, santo e verdadeiro é odiado neste mundo de trevas. E eu estou aqui para afirmar que odeio esse ódio e estou disposto a ir à última luta de ódio ao ódio.”
Nessa disposição de luta se manifestava a integridade do católico. O amor sem as obras não é nada, mas uma das obras mais eminentes do amor é a disposição de lutar por ele. Em última análise, aqui temos a justificação do espírito combativo, como sendo a plenitude do católico e da varonilidade de um homem.
Fulgor simbólico e poético da espada
A ficha nos descreve, de um modo muito belo, o papel da espada na Idade Média. Os medievais souberam ver tudo isto simbolizado nela.
A espada de Carlos Magnos, por exemplo, tinha trinta reflexos. Podemos imaginar a beleza do gesto: Carlos Magno, imperador possante, germano corpulento, montado num cavalo lendário, na hora de rachar um pagão ou um maometano, movido pelo amor de Deus, puxava a espada e a descarregava sobre um brutamontes, como um novo São Miguel. Porém, antes de cair vitoriosa sobre o adversário, a espada brilhava com trinta refrações.
Essa ideia de algo que brilha à luz do sol antes de desferir o golpe da morte, é eminentemente medieval. É o fulgor simbólico, poético, artístico, da espada que brilha, porque é brilhante fazer isso. É o brilho do varão na plena expansão de suas qualidades, de seu fogo, de seu senso de responsabilidade, de sua abnegação, indo para a frente e, antes de matar, o sol baixa sobre sua espada, dá trinta refrações diferentes e depois obtém como resultado um sarraceno ou um pagão morto aos pés dele. É uma beleza tão superior que se uma alma fica insensível a essa forma de beleza, não sei a que será sensível.
A certa altura, o autor descreve a cordura como sendo a virtude da disciplina, a qual está simbolizada no mango da espada. Isso significa que a espada é obediente, pois ela faz tudo quanto seu dono lhe manda. Ela fura tudo quanto ele quer, ela corta tudo quanto ele quer que corte; ela previne todos os golpes. Então, a cordura é uma virtude ativa, própria daquele que, destinado ao combate, luta como lhe foi mandado. Essa cordura é a disciplina militar.
A mais preciosa das heranças
O militar presta seus juramentos sobre a cruz da espada. A cruz é sagrada para ele, porque representa o sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo, é a honra dele como cristão. Inclusive na hora de morrer, o fidalgo é sepultado com sua espada, exceto se ele a lega para algum herói ou para um filho. Essa é a mais preciosa das heranças.
O que é mais bonito dizer: “Eu herdei de meu pai uma espada”, ou “Herdei de meu pai uma indústria, uma Frigidaire2, ou um Cadillac”? Pode ser mais lucrativo herdar uma indústria. Mas, como é mais bonito dizer: “Eu herdei de meu pai a espada que ele usou como militar, como combatente, nos campos de batalha, onde defendeu a Civilização Cristã; ele foi um herói e morreu na guerra.” Essa espada se transformaria numa relíquia, podendo-se colocá-la sobre um altar ou guardar numa capela.
A coisa mais bonita que um homem pode deixar, nessa ordem de valores, para seus descendentes, é um bonito nome. Pois bem, a espada é algo quase tão belo quanto o nome. Melhor elogio da espada não poderia haver.
Noções que foram desaparecendo
Surge uma pergunta: por que razão os homens de antes da Revolução Francesa podiam usar espada e depois desta, no traje comum, não se usou mais? Em primeiro lugar porque o espírito da Revolução Francesa não só é contrário à nobreza como instituição, mas também enquanto valor, ou seja, a Revolução tende a enxovalhar cada vez mais tudo quanto é nobre.
Em nossos dias, com frequência ouvimos falar que as coisas são caras ou baratas, úteis ou inúteis; quantas vezes ouvimos dizer que uma coisa é nobre? Esta palavra está quase eliminada do vocabulário.
Os trajes espelham a vulgaridade dos homens. É impossível portar uma espada com um paletó. Por quê? Não é porque a espada fique ridícula, mas é porque fica-se apalhaçado com ela. Essa indumentária e incompatível com a espada. Pode haver algo que mostre mais a degringolada de uma civilização do que ela se arranjar de tal maneira que o símbolo da honra não caiba mais em seus varões? Há algo mais chocante do que isso? Isso é obra da Revolução Francesa, completada pelo comunismo.
A noção de honra, de grandeza e de dignidade vão desaparecendo cada vez mais.
Lê-se, por exemplo, no noticiário internacional, sobre o centenário da guerra de 1871, entre a França e a Alemanha, na qual a Alsácia-Lorena, duas províncias francesas, foram anexadas à Alemanha. O principal comentário dos franceses a respeito daquela ocupação foi o de que era contra a honra deles.
Hoje não se diria mais isso. Dir-se-ia: “Essas são províncias fecundas e rendem para o erário nacional. Têm vacas de leite que dão dinheiro. Infelizmente desfalcaram nosso orçamento…”
Ou seja, um país se transforma numa cooperativa, num negócio. A ideia de uma alma comum, de uma honra comum a defender, vai desaparecendo da própria ideia de pátria. As questões diplomáticas não envolvem mais pontos de honra, apenas questões de interesse.
Então, devemos voltar nossos olhos com reverência para a espada. E como seria bonito se tivéssemos uma bela espada para venerá-la como símbolo de uma tradição à qual nós somos fiéis!
(Extraído de conferência de 9/5/1969)
1) RETANA, Luís de. San Fernando III y su época. Madri: Editorial El Perpetuo Socorro, 1941.
2) Marca de eletrodomésticos.