A vida de Santa Margarida da Escócia contrasta com o minimalismo do apostolado de hoje e demonstra o quanto o extraordinário e o estupendo são realizáveis nesta Terra.
A intenção de comentar Santa Margarida é muito boa, porém deram-me poucos dados biográficos, de maneira que, à falta de melhor, lerei as informações contidas no Missal Quotidiano e Vesperal1.
Padroeira da nação escocesa
Santa Margarida, Rainha da Escócia, descendia, por seu pai, dos reis da Inglaterra e, por sua mãe, dos Césares.
Como a mulher forte de que falava a Epístola, a prática das virtudes cristãs tornou-a mais ilustre ainda. Penetrada do temor de Deus, impôs-se terríveis mortificações e soube, com seu exemplo, levar o rei, seu esposo, a uma conduta melhor e seus súditos, a costumes mais cristãos.
Educou oito filhos com tanta piedade, que vários deles viveram em alta perfeição. Nada nela, porém, foi tão admirável quanto sua ardente caridade para com o próximo. Chamavam-na Mãe dos Órfãos e a Tesoureira dos Pobres de Jesus Cristo. Margarida se privava não só do supérfluo, mas até do necessário, comprando assim a pérola mais preciosa do Reino dos Céus. Purificada por seis meses de sofrimentos corporais, entregou sua alma a Deus em 1093, em Edimburgo.
A santidade da sua vida e numerosos milagres operados depois de sua morte tornaram seu culto célebre no mundo inteiro.
Foi designada por Clemente X como padroeira da nação escocesa, sobre a qual reinou cerca de trinta anos.
Admiremos a obra do Espírito Santo na alma da santa rainha por Ele escolhida para o desenvolvimento do Reino de Cristo na Escócia, e roguemos à santa pela volta desse país à unidade romana.
O maravilhoso é inteiramente realizável
Parece-me que a propósito dessa biografia se pode fazer um comentário a respeito da existência do maravilhoso na Idade Média. Não do maravilhoso como uma fábula ou uma lenda, mas como algo realizável. A brumosa Escócia era considerada uma espécie de Congo daquele tempo, uma terra de missão, pois o povo era meio selvagem. Entretanto, naquele meio floresce essa flor.
É uma princesa que vem trazendo sangue do mais ilustre para a Escócia e consigo toda a flor da civilização ocidental. Ao mesmo tempo, é uma rainha maravilhosa, que deixa vários filhos em estado de perfeição, ilustres por suas virtudes; que intercedeu a favor do povo, deu esmolas, realizou milagres e tudo isto sempre ungido pela coroa real. Dá uma ideia tão completa de realeza, mas também de um mundo concreto no qual maravilhas são possíveis e onde o extraordinário e o estupendo são realizáveis, que acaba sendo uma espécie de plenitude de princípio axiológico: aquela afirmação de que as coisas podem encontrar ordem, estão naturalmente numa disposição ordenada e de que a ordem, mesmo a mais maravilhosa e audaciosa, é realizada na Terra.
É interessante ver como isso contrasta com o minimalismo do apostolado de hoje. Quando se consegue que uma pessoa seja mais ou menos boazinha, logo se faz uma festa. Naquele tempo, pelo contrário, o apostolado da Igreja era maximalista: as rainhas deviam ser santas e algumas delas, de fato, o eram. E essas santas de tal maneira difundiam o bom odor de Jesus Cristo por toda a parte, que isso acabava sacralizando a própria dignidade régia e criando uma espécie de ambiente de feeria, de maravilha da civilização medieval, da qual os vitrais são um reflexo.
Os vitrais apresentam os santos no meio de fogos incandescentes, no meio de pedacinhos de vidros dourados, cor de rubi ou de esmeralda, com uma luz na cabeça, a coroa real sobre uma mesa, a santa que derrama flores em torno de si, etc. Tudo isso é a imagem do modo como o medieval concebia a vida, por exemplo, de uma Santa Margarida, Rainha da Escócia.
Ou o povo se maravilha com Jesus Cristo ou opta por Barrabás
O povo, queira ou não queira, procura o maravilhoso e uma rai nha assim evita que o povo se entretenha com a vida abominável de atores, atrizes, jogadores de futebol e de tantas outras coisas assim. Tomem, como prova disso, a facilidade com que foi possível realizar o culto de personalidade na Rússia com aquela horrenda “maravilha” que foi Stalin. Não se apresentando um certo tipo de maravilha, tem-se de apresentar um outro tipo. E quando o povo não se maravilha com Jesus Cristo, acaba se maravilhando com Barrabás.
Para ver o efeito do que seria a vida de Santa Margarida sobre a alma das pessoas, imaginem, por exemplo, que a Princesa Margaret Rose2 se convertesse e começasse a realizar milagres; fosse vista dando esmolas para os pobres – mas não de um modo socialista –, seus filhos fossem tidos como verdadeiros santos e tudo isso se desse num ambiente de legenda.
Sem dúvida, ela seria odiada e contra ela se desencadearia uma perseguição horrorosa; mas, ao mesmo tempo, milhares de almas vibrariam de entusiasmo por ela e sua fotografia estaria nas paredes das casas de operários, de camponeses, de todos os lugares do mundo. Como esse simples fato impressionaria de modo prodigioso!
O prestígio de uma rainha na Escócia naquela época era imensamente maior do que o de uma rainha de hoje, a fortiori, de uma princesa.
Pode-se imaginar, então, o que seria a fama de Santa Margarida, Rainha da Escócia, em toda a Cristandade.
Acentuo mais: imaginem que isso não fosse feito pela Princesa Margaret Rose, mas pela Rainha da Inglaterra. Haveria alguém capaz de derrubar a monarquia inglesa? Talvez, porque a monarquia inglesa colocada nessa linha, seria ou a mais frágil ou a mais forte das instituições. Mas, se não conseguissem derrubá-la, durante séculos ninguém mais a derrubaria, simplesmente porque só uma santa, uma verdadeira e grande santa, passou pelo trono.
Um castigo para toda a Cristandade?
Agora faço uma aplicação e levanto uma pergunta: por que razão nas famílias reais não apareceram mais santos como Santa Margarida?
Pode-se até pretender que santos assim tenham aparecido nas famílias reais depois da Idade Média. De fato os houve, porém não foram tão grandes nem tão ilustres, pois veio a Revolução, destronou muitas dessas famílias, liquidou-as, deixando-as reduzidas a nada. E quando se pensa que a santidade vai florescer em suas fileiras, vê-se que ela se torna mais rara do que nunca.
Há nisso um castigo para toda a Cristandade, porque o rei santo é suscitado, muitas vezes, como prêmio para o povo. Entretanto, o povo está merecendo cada vez menos o rei santo ou o príncipe santo ou o líder santo nascido de uma estirpe real. Essas coisas, portanto, vão desaparecendo.
(Extraído de conferência de 9/6/1964)
1) Missal Cotidiano e Vesperal, por Dom Gaspar Lefebvre, p. 1227. Bélgica: Desclée de Brouwer, 1940.
2) Condessa de Snowdon, irmã da Rainha Isabel II (*1930 – †2002).