São Tomás, o maior dos Doutores, punha-se diante do Santíssimo Sacramento quando a ciência não bastava para resolver qualquer problema. Eis um traço característico do caráter desse grande gênio: a humildade, virtude tão desconhecida por muitos dos intelectuais.
Aquele que seria o Doutor Angélico, nasceu no castelo de Roccasecca, perto da cidade de Aquino.
Dificuldades para entrar na Ordem Dominicana
Menino de excepcional inteligência e de índole extremamente dócil, o futuro Frei Tomás afagava a vaidade de seus pais e de toda a sua família. Mas, ainda jovem, seu pai o retirou da abadia de Monte Cassino, onde estudava. Enviado a Nápoles para continuar os estudos, lá conheceu os dominicanos. Estes monges julgaram mais prudente mandá-lo para Paris, mas os seus irmãos e sua mãe se opuseram formalmente a essa resolução, interceptando-o no caminho conduziram-no ao castelo de San Giovanni. Lá, todos os meios foram usados para afastá-lo dessa sua determinação, mesmo os mais torpes. Mas nada o demovia de sua resolução, reagindo sempre serenamente. Por fim, sua mãe, penalizada e edificada pela constância e paciência desse simples menino, persuadiu o pai que o deixasse seguir a sua vocação e ordenou aos filhos que o deixassem.
Ingressou então o futuro Santo na Ordem dominicana, partindo imediatamente para Paris, indo depois de lá a Colônia, onde foi discípulo de Santo Alberto Magno.
“O boi mudo”
A sua inteligência admirável logo o distinguiu. Um dia Santo Alberto Magno, o maior doutor de seu tempo, como ouvisse que os companheiros de Frei Tomás só o chamassem de boi, por causa de seus grandes olhos meditativos, disse: “Os seus mugidos reboarão pelo mundo inteiro e por muito tempo.” Era um gênio que descobria e admirava um grande gênio.
A sua fama de cientista já era enorme ao começar a sua carreira de professor. Os Papas o estimavam e manifestavam abertamente essa estima oferecendo-lhe honras e dignidades, mas ele tudo recusava. O Rei da França, São Luís IX, consultava-o invariavelmente sobre todos os problemas graves. Durante todo o tempo em que esteve em Paris, o Rei o tinha como seu comensal e entretinha-se com as suas constantes distrações. Uma vez, no meio de uma prosa animada, Frei Tomás, que se mantinha calado, exclamou de repente: “Graças a Deus, encontrei um argumento decisivo contra os maniqueus.”
Humildade e simplicidade do grande gênio
O traço característico do caráter desse grande gênio era, entre tanto, uma virtude desconhecida hoje de nossos menores intelectuais: a humildade. A alguém que insinuava que ele nem sequer era talentoso, respondeu ingenuamente: “Deve ser isso mesmo, pois sempre me vejo na necessidade de estudar.”
Ensinando constantemente, não deixava de estudar e escrever. Uma das obras mais portentosas do mundo, a “Suma Teológica”, foi por ele escrita entre as preocupações pedagógicas. O seu gênio não era, entretanto, exclusivamente o filosófico. Hinos magníficos e poesias de uma inspiração felicíssima eram as suas obras de lazer. A sua erudição prodigiosa não fanou a frescura de seu espírito.
O grande gênio foi, até à sua morte, como Jesus no Evangelho deseja que nós sejamos: como as criancinhas. A sua piedade era simples e confiante, e quando a sua ciência não bastava para resolver qualquer problema, punha-se simplesmente diante do Santíssimo Sacramento sabendo já que lá receberia inspiração.
Uma vez em que ele recorria ao Santíssimo Sacramento, Deus lhe disse: “Escreveste muito bem de mim. Tomás, que recompensa queres ter?”
— A Vós, somente – respondeu o Santo.
A sua morte, que se deu num mosteiro de cistercienses, enquanto explicava o Cântico dos Cânticos, encheu de dor ao mundo inteiro. As suas obras, entretanto, esclarecem até hoje as inteligências afastadas de todo o pedantismo intelectual.
Proclamado em nossos dias o Doctor Communis Ecclesiæ e guia dos estudantes, Studiorum ducem, São Tomás mereceu ter a sua doutrina recomendada oficialmente pelos últimos Pontífices.
Angélico pela castidade
Da Encíclica Studiorum ducem1, temos a seguinte ficha:
Todas as virtudes morais em geral, Tomás certamente teve em excelentíssimo grau, e de tal modo as teve unidas e conexas, que, como ele próprio ensinou, ajuntaram-se todas na caridade, a qual dá forma a todos os atos de virtude.
A caridade não se entende direta e primordialmente como amor do próximo, mas amor de Deus. Na medida em que deriva do amor de Deus, o amor do próximo é caridade, como o efeito indica a causa.
Então, as suas virtudes derivavam do amor de Deus, que era a fonte de todas elas.
Se procurarmos, entretanto, as características particulares de sua santidade, a primeira é uma santa semelhança com a natureza angélica. Não me refiro apenas à castidade que ele guardou intacta sempre, mas sobretudo à castidade que brilhou em sua al ma depois de ser cingido pelos Anjos por um cíngulo místico, após a dura prova na prisão de sua família.
Ele queria ser dominicano e o seu pai se opunha a isto. Então, mandou trancá-lo numa torre para ver se ali na prisão, no isolamento, ele desistia da vocação. O pai, vendo que ele não desistia, que ficava lá em oração, estudo, mandou uma mulher de vida péssima para tentá-lo. Era inverno e ele tinha um fogareiro aceso. Quando ela se aproximou, com aquelas pinças de mexer em brasa ele pegou uma e saiu correndo atrás da mulher, que saiu espavorida.
Por causa da resistência corajosa e admirável que ele moveu contra a tentação do pecado impuro, um Anjo apareceu e, como prêmio, cingiu-o com uma proteção invisível contra novas tentações de impureza.
Assim, Santo Tomás de Aquino, o grande Anjo, ficou livre da tentação que poderia atrapalhar seu espírito, prejudicar seus estudos e o magnífico trabalho que faria para a Igreja Católica.
Habitualmente submisso e respeitoso
Mas, sobretudo, destaca-se na santidade de Tomás, aquilo que é chamado por Paulo sermo sapientiæ2: aquela união de duas sabedorias, como são chamadas, da adquirida e da infusa, com as quais nada tão conveniente quanto a humildade, quanto diligência da oração, quanto o amor de Deus.
Ele possuía duas formas de sabedoria: a doutrinária, que fez dele o Anjo das escolas; mas também a sabedoria prática, que o levava a evitar a impureza.
A humildade foi como que o fundamento sobre o qual as outras virtudes de Tomás se apoiavam. Isto é evidente para quem observa com que submissão, ao longo da vida comum, ele obedecia a um irmão converso. E isto não é menos tocante para quem lê os seus escritos, onde se sente um tal respeito para com os Padres da Igreja, que parece ter partilhado de alguma inteligência dos antigos Doutores, porque ele os venerou soberanamente.
Por ordem dos superiores, havia um irmão leigo que mandava em Santo Tomás. Era uma pessoa incomparavelmente inferior, mas que exercia a autoridade do voto de obediência e ao qual ele obedecia cegamente. É uma beleza ver uma pessoa da santidade e da cultura de Santo Tomás curvar-se por esta forma ao jugo de alguém tão menos culto e, provavelmente, menos santo do que ele. A Encíclica se refere ao respeito de Frei Tomás pelos outros Doutores da Igreja: cita-os sempre com veneração. Ele, que foi o maior dos Doutores, cita os seus antecessores, menores do que ele, com sumo respeito!
E isto é admiravelmente posto em evidência pelo fato de que dispensou as faculdades de seu gênio divino não para sua própria glória, mas para a difusão da verdade. Assim, enquanto os filósofos se fizeram, por assim dizer, os servidores de sua celebridade, Tomás procura, transmitindo sua doutrina, apagar-se completamente, para que a luz da celeste verdade brilhe com todo o esplendor.
Isso é algo admirável nos trabalhos de Santo Tomás! Dir-se-ia que o homem não está presente. É raciocínio filosófico e teológico em estado puro. Ele não diz nada, não faz nada onde se sinta a vibração do autor, ele está completamente ausente. É o puro amor à verdade, à doutrina católica que se exprime pela pena dele.
Solução oposta à vaidade
A essa humildade e a essa pureza de coração, unia-se uma grande assiduidade à oração. Também o espírito de Tomás era dócil e sensível às aspirações e à luz do Espírito Santo. Ele recebia e seguia essas inspirações que são os princípios da contemplação.
Quando não conseguia resolver um problema, ele rezava junto ao Sacrário; naturalmente pensava também. Certa ocasião, ele teve grande dificuldade para resolver um problema; abriu então a porta do Sacrário e meteu a cabeça dentro, a fim de que a atmosfera divina do Santíssimo Sacramento impregnasse o cérebro sacratíssimo dele e jorrasse a solução que, de fato, veio.
Como isso é o contrário do vaidoso! Porque este se recolhe no quarto: “Lerei mais autores gregos, pensarei e hei de conhecer a verdade!” Arranca asneira. Entretanto, por aquela forma sai a maravilha.
A essa humildade e pureza de coração, reuniu grande assiduidade à oração. Para obtê-las do Céu, ele frequentemente se abstinha de todo alimento, passava noites inteiras rezando para resolver problemas. Num impulso de sua piedade simples, apoiava sua cabeça no tabernáculo.
Senão com Deus, de Deus foi dito que sempre falou. Ele tinha o costume de contemplar todas as coisas em Deus como sendo causa primeira e fim último.
Pode-se elogiar mais um homem? Ele tinha o costume de contemplar todas as coisas em Deus como sendo causa primeira e fim último.
(Extraído de O Legionário n. 338, 5/3/1939 e conferência de 7/3/1969)
1) Encíclica de Pio XI, de 1923, sobre São Tomás e sua doutrina.
2) Do latim: Palavra de sabedoria.