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Esplendor de renúncia para dar força à palavra de Deus

No púlpito, o capuchinho era o pregador indômito, representando a renúncia a tudo aquilo a que as pessoas podiam ter apego. No confessionário, era a própria expressão do confessor perfeito: leão contra o pecado e cordeiro em relação ao pecador.

Infelizmente, sobre São José de Leonissa não tenho os dados biográficos.

Recebemos de presente, de Roma, uma teca com as relíquias de todos os Santos capuchinhos para deixar em nossa capela. Comentando esse Santo, fazemos uma menção de todos os Santos cujas relíquias estão ali e, de maneira especial, uma referência a São José de Leonissa.

Poder-se-ia perguntar por que a referência, se temos com esse Santo uma ligação que parece puramente circunstancial, como é o fato de alguém nos ter presenteado a relíquia dele.

Entretanto, o “puramente circunstancial” não existe nestas matérias. E se a Providência dispôs ter em nossa capela a relíquia desse Santo, Ela tem com isso desígnios de que ele nos proteja.

Um Santo desconhecido

Quem foi este Santo? O que ele fez durante a vida? Como deu glória a Deus?

A resposta é um ato de fé. Sabe-se que foi um Santo. O que ele fez? Coisas excelentes. Como? Eu não sei, mas a Santa Igreja o definiu com a sua infalibilidade: José de Leonissa é um Santo.

Dele sei apenas uma coisa, mas isto basta para saber todo o necessário. Primeiro: ele foi um Santo. Segundo: foi capuchinho. O que é ser um Santo capuchinho? Quais os traços dos capuchinhos na história da Igreja? E o que diz à alma de um católico o fato de um Santo ter sido capuchinho?

A Ordem Franciscana e suas ramificações

A Ordem Franciscana, que é uma das maiores famílias espirituais surgidas na Igreja, nasceu do zelo e da missão de um homem incomparável como foi São Francisco de Assis. Ele amou tanto a Nosso Senhor, que chegou a ter com Ele até uma certa semelhança física. Quem olhava para São Francisco julgava ver Nosso Senhor Jesus Cristo.

A Ordem Franciscana produziu um caudal de Santos e Santas e de obras beneméritas em toda a esfera de atividades da Igreja, até esta tremenda crise na qual nos encontramos…

Flávio Lourenço
São José de Leonissa

A Providência permitiu, entretanto, esta Ordem ser muito provada pelo pecado e pelo demônio. E mesmo em vida de São Francisco de Assis houve divisões. Havia setores que pendiam para uma interpretação errada da espiritualidade de São Francisco, enquanto outros para uma interpretação certa.

Dessas pluralidades de interpretações nasceram várias Ordens Franciscanas. Todas elas boas porque aprovadas pela Igreja Católica. Uma dessas ramificações teve um nascimento singular: a dos capuchinhos.

Os capuchinhos foram fundados por um franciscano muito observante e exemplar que, percebendo estar sendo relativizada a regra de seu fundador, resolveu radicalizá-la, revivendo o espírito de pobreza. Resultado: a Providência abençoou este lance, suscitando Santos. E foram os Santos capuchinhos.

Radicalidade da pobreza

Quando o espírito de São Francisco se atenuava nas outras ramificações franciscanas, os capuchinhos representaram a radicalidade da pobreza. E, com isso, a radicalidade de todas as independências que só a pobreza dá.

Hoje se julga que um homem só é inteligente quando é rico. No tempo da formação dos capuchinhos, considerava-se a riqueza como fonte de uma porção de preocupações, de apegos, de necessidades e de deveres de bens a tutelar, a proteger e, portanto, julgavam que a riqueza aproxima o homem da Terra; e o que verdadeiramente o isola da Terra é a pobreza.

Na pobreza o homem tem poucas obrigações, poucos bens para defender, ele vive da confiança na Providência. Por assim dizer, quem nada tem, nada tem a temer. Quem vive da esmola que qualquer um lhe dá é dono do que todos têm. Quem precisa de muito pouco é o homem mais independente de todos.

O capuchinho representava propriamente o frade independente. Não em relação aos seus superiores e à Igreja Católica – à qual ele estava ligado, como àqueles, por um voto de obediência –, mas sim em relação aos poderes do mundo. Ele era, por definição, o pregador audacioso que dizia as verdades inteiras. E as dizia como confessor e pregador para todos os grandes da Terra, fossem eles grandes da Igreja ou do Estado.

O perfil de um capuchinho

A figura do capuchinho é a de um homem atarracado, popular, com a palavra fácil, com a cultura religiosa suficiente, porém não aprofundada, com o contato contínuo com as almas, tendo uma espécie de sobranceria por meio da qual trata de igual a igual não só os homens do povo, mas também os grandes segundo o mundo, inclusive os reis.

Apoiado na posição de padre e de religioso e, por tal, o capuchinho era, mais do que todo mundo, possuidor do direito de dizer a verdade a todos. A compenetração disso fez do capuchinho aquele tipo do pregador célebre, que era convidado para pregar nas cortes. Subia ao púlpito causando uma espécie de estremecimento pela pobreza de sua batina, pelo cordão que usava – seu único ornato – representando a obediência, pois aquele religioso podia ser levado por toda parte; com a sua barba… num tempo em que os homens elegantes usavam barbas finas, perfumadas, com pomadas e bigodes delicados, a grande e volumosa barba capuchinha nascia espontânea e, às vezes, enchia o peito inteiro; com a sua tonsura enorme, desfigurando-lhe a beleza que os cabelos bem tratados davam aos fidalgos daquele tempo, o capuchinho subia ao púlpito representando uma renúncia a tudo aquilo a que as pessoas podiam ter apego.

Ele era o pregador indômito, que dizia as verdades cruas e tonitruava contra a impureza, as acomodações, a falta de fervor, a tibieza na qual o mundo decadente estava se engolfando.

No confessionário, o capuchinho era o confessor reto, preciso, cristalino, que não tinha medo de ficar sem penitente nem receio de que depois fizessem contra ele uma calúnia. Podia perder horas no confessionário atendendo apenas poucas pessoas para lhes resolver os problemas. O capuchinho era a própria expressão do confessor perfeito: leão contra o pecado e cordeiro em relação ao pecador. E com energia arrancava as almas das garras do demônio e as levava para o Céu.

Esse perfil do capuchinho ficou na História através da figura de vários Santos como uma das riquezas da Igreja, como um dos esplendores dessas variedades magníficas com que o Espírito Santo faz as suas obras.

Jogo de contraste harmônico produzido pelo Espírito Santo

No esplendor da Igreja vemos o Papa colocado como um Monarca de todos os monarcas, à testa da Igreja Católica. Cercado de um fausto fabuloso e de obras de arte, habitando num Palácio como nenhum rei da Europa ou do Oriente possui, tendo um arquivo com o qual nenhum outro do mundo pode emular! E é cercado da veneração de centenas de milhões de fiéis que veem nele o Vigário de Jesus Cristo sobre a Terra. Ao lado dele, um Senado de Cardeais com manto de púrpura, homens ilustres por vários títulos, todos revestidos de grande representação social. Tudo isso é o Espírito Santo utilizando as coisas da Terra para dar força à própria vontade de Deus.

Biografia de São José de Leonissa

Eufrânio Desideri nasceu em Leonissa, Itália, em 1556 e ingressou aos 16 anos na Ordem dos Capuchinhos de Rieti, recebendo o nome de José. No convento de Carcerelle, próximo a Assis, passou seu noviciado entregando-se à mais dura penitência.

Após sua ordenação sacerdotal, foi enviado como missionário para Constantinopla. Ao tomar conhecimento do estado lastimável no qual se encontravam vários cristãos, tornados escravos pelos turcos, condoeu-se de seus irmãos na Fé, passando a encorajá-los, distribuindo-lhes os sacramentos e fazendo voltar à Igreja aqueles que a haviam deixado.

A pobreza na qual vivia despertou interesse nos povos daquela região, que acorriam em grande quantidade para ouvi-lo. Pregava com ardor e intrepidez, e após uma tentativa de entrar no palácio para pregar ao próprio Sultão Murad III, seu intento foi julgado como atrevido e como um crime de lesa-majestade. Preso e açoitado, suspenso por um pé e uma mão sobre uma fogueira, permaneceu nesse suplício por três dias sem, contudo, falecer. O sultão, maravilhado com o fato, trocou sua pena de morte por uma de exílio perpétuo.

Voltado à Itália, José continuou sua vida de pregador na Úmbria, promovendo diversas conversões. Suas pregações eram regadas por uma vida de penitência e os carismas sobrenaturais davam maior vigor às pregações.

Após uma vida marcada pela austeridade e pelo zelo apostólico, aos 57 anos de idade adoeceu gravemente com um tumor. Os médicos o operaram, mas como anestésico o Santo usou somente o seu crucifixo, que apertava sobre o peito. No dia 4 de fevereiro de 1612, entregou sua alma a Deus.

Vemos depois o contrário. Através do capuchinho, que não tem nada disso porque renunciou a tudo, o Espírito Santo utilizando a renúncia a todas as coisas da Terra para dar força à palavra de Deus.

Parma benia artistici(CC3.0)
São José de Leonissa – Galeria Nacional de Parma

É uma espécie de duplo jogo de contraste harmônico, onde se percebe a onipotência de Deus e a variedade existente dentro da Santa Igreja Católica; o poder que Deus tem de falar aos homens através de todas as suas criaturas, até das que representam a pobreza; através de uma e de outra, dizendo palavras ora de amor, ora de arrojo, ora de denodo, ora de valentia, palavras estas que se tornaram especialmente importantes em nossa época.

Ao lado da Igreja em suas amarguras

No tempo de São Pio X, quando a crise da Igreja estava menos profunda que em nossos dias, ele se apropriava do gemido de um dos profetas e dizia: “‘De gentibus non est vir mecum’ (cf. Is 41, 28) na luta contra o modernismo – isto está no processo de canonização – ‘Entre todos os homens não há um varão que esteja comigo’”, ou seja, que leve a luta até onde deveria.

Hoje, quão poucas pessoas estão ao lado de Nosso Senhor Jesus Cristo, quão poucas estão ao lado da Santa Igreja. Fica aqui a evocação esplêndida do varão eclesiástico que estava ao lado da Santa Igreja em todas as suas amarguras, aquela figura do capuchinho com o seu burel, com a sua barba, com a sua tonsura, com a sua palavra franca e com o seu olhar fogoso.

Apesar de não saber muito, sabemos que São José de Leonissa foi um capuchinho que concorreu para formar no firmamento da Igreja esse perfil dos capuchinhos. Não é preciso dizer mais nada. Basta pedirmos que São José de Leonissa rogue por nós. De um Santo desconhecido tanta coisa se sabe: ele foi Santo, ele foi capuchinho!

(Extraído de conferência de 4/2/1971)

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