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Premiados, à medida do próprio Deus!

Quando nesta Terra a vida estiver dura, o peso da fidelidade, da luta contra as tentações, dos problemas, das provações axiológicas parecerem desmentir a promessa, lembremo-nos de que a Santíssima Virgem tudo computa e, na Jerusalém Celeste, Deus premiará todos os atos de seus eleitos.

Esta exposição se prende à ideia central de considerarmos o quanto tudo é grande na presença de Deus. Ele é infinitamente grande e qualquer ato, por menor que seja, praticado em presença ou em função d’Ele tem enorme importância. Também o menor pecado e o menor ato de virtude – para consolação nossa! – têm uma importância enorme.

Os grandes ou os pequenos atos de virtude serão premiados

O que é um ato de virtude pequeno? Não me refiro a um ato de pequena virtude, o que também teria valor, porque Deus conta tudo. Como no Inferno Ele castiga a menor culpa, no Céu premia tudo, cuidadosa e generosamente, até os atos em que o nível de virtude foi menor.

Quando chegar a hora de premiar, Ele premiará de modo superlativo a menor das coisas que tenhamos feito, ainda mais quando sob os auspícios e o bafejo de Nossa Senhora. Inclusive premiará as coisas pequenas das quais nós não tínhamos consciência e, às vezes até, com predileção, as coisas que fizemos sem medir o que estávamos fazendo.

Imaginemos uma pessoa enferma. Se um enfermeiro é muito dedicado e faz cada coisa com cuidado, pensando: “Como me é grato ser dedicado para com este doente!” Porém, se o empenho de um outro enfermeiro em tratar for maior, a ponto de não se dar conta que está sendo tão dedicado, mas apenas se preocupando com o bem do doente… às vezes passa uma noite em claro, faz isso ou aquilo sem se dar conta do que está fazendo…, a qual dos dois o doente vai pagar mais? É claro que ao segundo, porque esse nem tem noção de estar ganhando um mérito, ele quer o bem do doente. Contanto que o doente sare, o resto para ele é secundário.

Celestialmente premiados

Os atos de virtude, de abnegação ou de sacrifício que nós fazemos, a respeito dos quais nós nem cogita mos, nem pensamos, são, a esse título, muitas vezes os mais amados por Nossa Senhora.

Flávio Lourenço
A enferma – Museu Nacional de Arte da Catalunha, Barcelona

Poderá haver alguém que, durante esta conferência, esteja um pouco indisposto, com vontade de ir embora; um outro não consegue ver bem o expositor porque tem pessoas na sua frente; a um outro lhe assalta o sono, muitas vezes involuntário, orgânico. Nenhum deles pensa no prêmio que irá ter no Céu, mas pensa em permanecer até o fim. Ninguém sabe e nem pensa no mérito. Mas isto, que é tão pouco – às vezes pode ser muito – tudo isto está escrito no Livro da Vida. E quando vier o dia do prêmio, tudo será contado, ponto por ponto, meticulosamente.

Nós nos espantaremos diante das coisas que fizemos sem ter uma noção concreta de seu valor, de que era um ato de virtude, mas apenas o realizamos levados pela noção difusa de que aquilo era bom e conforme a Nossa Senhora e, portanto, resultou na glorificação d’Ela e no esmagamento da Revolução. Por essa simples ideia difusa, nós já seremos enormemente premiados.

Às vezes é uma coisinha qualquer que passa. Quando chegar a hora, no Céu, nós vamos receber isso magnificamente multiplicado! Nem calculamos, mas vamos receber cada um desses prêmios – se eu pudesse me exprimir dessa maneira – à la Céu. Será um grau a mais na visão beatífica e na felicidade, vendo a Deus face a face. Mas, ao mesmo tempo, será eterno. Um sacrificiozinho de um momento, um gesto de um instante, os nossos Anjos registram, Nossa Senhora oferece a Nosso Senhor Jesus Cristo e nos valerão um gáudio pela eternidade das eternidades, eterníssimas!

Se pudéssemos ouvir o eco no qual se simbolizaria este pequeno grau a mais de felicidade, ficaríamos inundados de gáudio. De tal forma no Céu, meticulosamente, tudo é pesado no conspecto da infinita seriedade de Deus.

De outro lado, a misericórdia d’Ele se derrama insondavelmente sobre os homens, de maneira a cobri-los e lhes dar muito mais do que tinham merecido. Esse “muito mais”, Nosso Senhor o disse naquela frase que eu gosto de repetir porque acho incomparável: “Serei Eu mesmo a vossa recompensa demasiadamente grande” (cf. Gn 15, 1).

Essa recompensa não é só para as coisas enormes, é também para as pequenas. As pequenas coisas ficarão cheias, túmidas de recompensa, quando chegar a hora de recebermos a coroa preparada para cada um de nós desde toda a eternidade.

Os últimos momentos do mundo

No Céu há brisas, há misericórdias, há deleites. A alegria da alma que entra no Céu é algo inenarrável!

Como, a meu ver, certos fatos culminantes só se podem conhecer, por assim dizer, filmando em câmara lenta, eu tratarei dos últimos acontecimentos da humanidade numa ordem histórica, baseando-me em comentários de autores como São Tomás de Aquino e Cornélio a Lápide.

Por ocasião do fim do mundo restarão os últimos homens fiéis que não morrerão e irão se incorporar diretamente à corte celeste. Quando começarem os castigos e o extermínio do mundo, esses homens estarão no auge da aflição. Um auge tal que, ao que parece – tirando as dores de Nossa Senhora, não comparáveis com nada e, bem entendido, as de Nosso Senhor Jesus Cristo –, excetuando essas dores, ninguém sofreu tanto, nem sofrerá até o fim do mundo, quanto esses justos que até lá viverão.

Depois da ressureição dos mortos, a Jerusalém Celeste se apresentará ao conhecimento dos homens que estiverem na Terra, já então dos fiéis sobreviventes e dos ressuscitados.

A Jerusalém Celeste

O que é a Jerusalém Celeste? Nós podemos dar um exemplo: a cidade de São Paulo mede tantos quilômetros quadrados. O que quer dizer isto? Entende-se aqui como o conjunto de casas e de logradouros públicos, de praças, de ruas, que integram a cidade. Mas eu posso também dizer: “São Paulo inteira exultou!” Ou: “São Paulo inteira se entristeceu com tal ou tal outro fato.” As casas não exultam nem podem entristecer-se. A cidade de São Paulo, nesse caso, representa a população. E isto vale para qualquer cidade do mundo.

Flávio Lourenço
Juízo Final – Antiga Pinacoteca, Munich

Jerusalém era a capital do povo eleito, a cidade do amor de Deus, da escolha predileta feita por Deus. Ali havia sido construído o Templo. Era a cidade onde Davi reinou, onde irradiou sua virtude; onde, hélas, pecou! Ali recitou os salmos penitenciais, chorou e sofreu, pediu e obteve o perdão.

Em Jerusalém, Salomão, a esplêndida prefigura de Nosso Senhor Jesus Cristo, reinou e espalhou sua glória sobre toda aquela parte da bacia do Mediterrâneo e da Ásia. Depois, Salomão pecou e o povo começou a decair, mas Verbum caro factum est, et habitavit in nobis!

Em Jerusalém, Nosso Senhor, menino, foi encontrado no Templo.

Em Jerusalém, em Jerusalém, em Jerusalém… Em Jerusalém Ele foi traído.

Em Jerusalém dormiram os Apóstolos.

Em Jerusalém Ele suou sangue.

Em Jerusalém Ele disse: “Ego sum!”

Em Jerusalém Ele sofreu. Em Jerusalém Ele gemeu.

Em Jerusalém Ele Se encontrou com Nossa Senhora durante a Via Sacra.

Em Jerusalém Ele deu o brado trágico e lancinante: “Meu Deus, meu Deus! Por que me abandonastes?”

Em Jerusalém Ele disse: “Consummatum est”.

Em Jerusalém a Virgem sofreu a punhalada terrível do “Consummatum est”.

Em Jerusalém Ele ressurgiu dos mortos com toda sua glória.

Perto de Jerusalém Ele subiu aos Céus.

Quantas glórias em Jerusalém!

É claro que a Escritura fala da Jerusalém terrestre. E quando quer falar do Céu, Deus com seus Anjos e seus Santos – embora não esteja mencionado o nome por excelência mencionável de Nossa Senhora, na cabeça dos Anjos e dos Santos, ligada a Nosso Senhor Jesus Cristo, a cabeça do Corpo Místico e Deus Verdadeiro, e a obra-prima da Criação – quando se fala da Jerusalém Celeste, fala-se dos habitantes do Céu, antes de tudo, que é toda a corte celeste.

A Jerusalém Celeste é uma sociedade de pessoas, mas é também um lugar físico onde se encontrarão os corpos ressurrectos daqueles que foram levados ao Céu.

Uma luz que transforma

Então, a Jerusalém Celeste se abre para os olhos daqueles que estão ressurrectos e baixa para os assumir. Mas, esse “baixar” não significa que o Céu Empíreo vai descer, nem que as pessoas que estão no Céu vão sair dele; é uma outra coisa: a luz dessa Jerusalém começará a incidir sobre os homens. Será uma luz comparável à luz do Sol que quando desce à Terra torna-a resplandecente e dá-lhe uma beleza que, de si, sem ele, as suas coisas não têm.

Assim também, quando a luz da Jerusalém Celeste, ou seja, das almas santas, daquelas que estão na visão beatífica, quando a luz física, do lugar físico chamado Céu Empíreo baixar sobre a Terra, esta estará toda iluminada de um modo magnífico, como nós não calculamos!

Tomas T. / J.P.Ramos
La Virgen Blanca (coleção particular)

E eu me lembro aqui de uma frase do Rostand1, no Chantecler, quando o galo saúda o Sol: “Ó Sol, sem o qual as coisas não seriam senão o que elas são!” É verdade. Às vezes o Sol bate sobre uma parede leprosa, toda rachada – isso eu vi –, um muro de taipa velho. Quando não se possui bem o espírito da tradição, tem-se a impressão de que seria melhor derrubá-lo; entretanto, olha-se para ele e vê-se o Sol bater ali; parece que aquilo se enobrece! A coisa velha se povoa da beleza da luz e da beleza das sombras.

É algo que eu tive ocasião de constatar. As deformações de um muro, um pouco abaulado, da taipa que nem sempre é inteiramente regular, as pequenas saliências que se abrem entre milímetro e milímetro, conforme o ponto de incidência da luz, fazem sombrinhas ou fazem pontos, minúsculos montezinhos, onde por coincidência brilha um pouco de mica, de malacacheta, qualquer coisa, e é uma espécie de montanhazinha luminosa, minúscula, que se pode apreciar ali. O Sol bate e aquilo se transforma.

A Terra será purificada pela luz da Jerusalém Celeste

Imaginem o que será a Terra quando o Céu Empíreo com a corte celeste se abrirem e todas essas luzes se derramarem sobre os ressurrectos, e eles começarem assim a receber os primeiros afagos de Deus! É a prelibação da eternidade sem fim! Eles já sabem que estão salvos. Eles viram Deus face a face e não perderam essa visão por nenhum instante. Agora eles veem a Terra purificada, transformada, embelezada por mil formas de formosura com que eles nem sonhavam! E se sentem completamente transformados.

Para dar um exemplo, eu, que sou pouco matutino e pouco florestal, lembro-me de uma madrugada a que assisti, num dos lugares mais bonitos do mundo, o Flamengo, no Rio de Janeiro, do alto do Hotel Regina, onde estava hospedado. Fiquei decepcionado, porque foi um alvorecer plúmbeo, mas observei uma coisa interessante: durante a madrugada, não sei como, e sem os carros da limpeza pública, a cidade e o panorama todo foram se purificando. A cidade dorme suja, e as paredes, as árvores, as aves, as coisas parecem que são limpas durante a noite, por um misterioso orvalho; de manhã, quando a cidade acorda, tem-se a impressão de que ela tem viço.

Isso é uma pequena imagem do que será o acordar do mundo purificado pela chama da cólera de Deus, que exterminou tudo quanto deveria exterminar e apresentará o mundo com o seu aspecto definitivo e eterno.

Não sei se chamo isso de poema. Mas o poema do carinho de Deus começa!

Deus e Nossa Senhora enxugarão as nossas lágrimas

Deus não só vai inundar os homens de felicidade, mas vai consolá-los pelas infelicidades que tiveram durante a vida e que foram segundo Ele. Assim como uma mãe que vê a criança chorar enxuga-lhe as lágrimas e pode osculá-la onde sente dor, ou próximo aos olhos, assim também Deus fará com cada sofrimento que cada homem tenha tido por causa d’Ele.

Arquivo Revista
Dr. Plinio durante conferência em 1981

Quando nesta Terra a vida estiver dura, o peso da fidelidade, da luta contra as tentações, dos problemas, das provações axiológicas – oh, provação axiológica! – quando tudo isso pesar sobre nós, pensemos: “Um dia as mãos alvíssimas de Maria Santíssima pousarão sobre aquilo de meu corpo que sofreu o reflexo desse tormento de alma; mas muito mais do que isso, eu terei de Nossa Senhora um sorriso, terei um afago: ‘Meu filho, eu te consolo por isto’. E isso durará eternamente!”

Um olhar d’Ele é um Céu!

Quanto qualquer um de nós daria para receber um olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo! O olhar que Ele deu a São Pedro era um olhar de tristeza e de reprovação, mas como nós gostaríamos de receber esse olhar! Quanto e quanto!

Eu creio que os dois mais belos olhares d’Ele tenham sido para Nossa Senhora, logo que Ele nasceu e o último olhar antes de morrer. Como terão sido? O que se pode imaginar do olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo? Não há palavras que possam descrever! Um olhar d’Ele é um Céu! Considerem um pouco o Santo Sudário de Turim, onde as pálpebras estão baixas, mas nas quais se vê o olhar. Imaginem aquele olhar pousando sobre nós e nós nos lembrando desta ou daquela ocasião em que sofremos por Ele, e Ele nos diz: “Meu filho, naquela hora sofreste por Mim. Agora olho-te, afago-te, osculo-te. Eu te amo naquele estado de tua alma. Eu te amo assim!”

Aí se compreende a loucura que é deixar de fazer o menor ato de virtude. Ou de deixar de fazer tão perfeitamente quanto se possa fazer. Porque não há, nesta Terra, nada que nos possa dar a ideia do que será esse olhar! O que possa ser a expressão e o valor de um olhar d’Ele? Nós não temos ideia!

Como a esposa ornada para o esposo

Nesse primeiro momento, Deus consolará especialmente os homens que viverão no fim do mundo, pois eles terão de sofrer tanto e tanto, que ninguém alcança imaginar. Esses serão inundados de gáudio e de consolação por causa daqueles sofrimentos especiais de fim de mundo, que serão parecidos, nunca iguais, com os sofrimentos da própria Crucifixão. E serão glorificados com uma glorificação cheia de alegria e de brilho como Nosso Senhor na sua Ressurreição gloriosa, com o Corpo sagrado todo refulgindo e brilhando em todas as suas cicatrizes.

Para dar inteiramente uma ideia desta beleza da Jerusalém Celeste que desce, São João, no Apocalipse, usa uma comparação linda. Estará toda a Jerusalém Celeste pronta para os homens, enfeitada por Deus como se enfeita uma esposa quando vai ao encontro do esposo: “Eu vi descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, a nova Jerusalém, como uma esposa ornada para o esposo” (cf. Ap 21, 2).

Uma noiva vai ao altar com todas as joias da família, com os mais belos trajes, com toda a pompa esponsalícia; assim também virá ao encontro dos homens a Jerusalém Celeste no seu todo e, mais especialmente, o Céu Empíreo!

(Extraído de conferência de 2/1/1981)

1) Edmond Eugène Alexis Rostand (*1868 – †1918). Poeta e dramaturgo francês.

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