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Peregrinando no olhar de Dona Lucilia

Os olhos são a janela da alma. De fato, nada se compara ao olhar cheio de unção de uma alma virtuosa, cuja expressão transmite infinitas lições, eleva, santifica.

Eu creio que uma das coisas mais pungentes na vida é conhecer um grande olhar – de uma grande alma – e, de repente, ver-se privado dele, porque ele se fechou para sempre e a alma foi-se para Deus. Aquilo que se viu não se verá mais, não se aprofundará mais, não conhecerá mais como deveria ter conhecido, e daí por diante é só a eternidade…

Comunicação de olhares para além da morte

Mil vezes eu peregrinei dentro dos olhos de mamãe, mas quantas e quantas vezes, e a partir de quantas portas desse olhar! O olhar dela quando me olhava, quando eu a via olhando para dentro do meu olhar; o olhar dela quando rezava, o olhar dela visto de lado, o olhar dela visto por detrás, o qual era percebido apenas por imponderáveis, sem se olhar.

Divulgação (CC3.0) / Arquivo Revista
São Charbel Makhlouf
Divulgação (CC3.0) / Arquivo Revista
Dona Lucilia
Divulgação (CC3.0) / Arquivo Revista
São Pio X

Quando ela faleceu eu me pus esta pergunta: “Para esta vida terminou, acabou, nunca mais eu passearei dentro deste olhar e nunca mais desvendarei esta alma… Agora, Plinio, pergunte-se: ‘Você aproveitou o tesouro? Você olhou tudo o que tinha que ver e chegou até o conhecimento último? Você será capaz de fazer a viagem retrospectiva e complementar através dos véus sucessivos?’”

Eu me fiz a pergunta distendido e calmo, em meio ao pranto da morte. E com toda a serenidade respondi a mim mesmo: “Sim e inteiramente.” Acabou, mas eu tenho tudo, levo tudo, oxalá assimilo tudo! Talvez ela tenha morrido a tempo para me comunicar os últimos fogos de um olhar em que a luz da vida, o lumen rationis, bruxuleavam, mas que ainda tinham belezas novas para me comunicar. No entanto, sinto que foi talvez há pouco que eu me comuniquei com ela.

Uma janela da eternidade que se abre

Outro dia um raio de Sol incidiu sobre uma fotografia dela, atingindo inclusive as flores ao redor, que tomaram vida, parecendo flores paradisíacas, iluminadas por dentro. Algo de extraordinário!

Se quiséssemos fazer a iluminação de uma foto, jamais conseguiríamos fazer algo parecido. Lembrou-me um pouco essas imagens modernas que há hoje em dia nas ruas, iluminadas por dentro. Mas era, sem comparação, melhor.

A fisionomia dela reluziu, dando a ideia de uma janela da eternidade que se abria, transmitindo algo que não tem nada a ver com esta Terra. Deu-me a impressão de ela estar tão viva, que se diria que começaria a falar com alguém que estivesse ali para fazer-lhe uma pergunta. Vou dizer mais: com uma animação que anos antes da morte ela já não tinha, já muito abatida pela idade. Ela parecia bem disposta, forte até. Dir-se-ia que havia passado uma temporada fora, que descansou…

Olhar de futuro, de metafísica e de fé

Há outro olhar de uma fisionomia dela aos cinquenta anos. É de uma tal seriedade que poderia ser colocada ao lado de uma foto de São Pio X ou do São Charbel Makhlouf, embora o olhar dele não tenha essa tristeza.

É um olhar ordenativo para nossa alma e, posto em quadro num ambiente, influencia a sala, acompanha as pessoas. Se alguém me perguntar qual foi a influência de Dona Lucilia em minha formação, eu diria: “Veja, está aí!”

Precisamos nos sentir em casa em presença dessa fisionomia, a qual se poderia denominar: “Contra-Revolução tendencial.” Mamãe exercia uma ação pacificante já à distância. Paz é isso.

Ela fez verdadeira psicologia com os brasileiros, permitindo que antes dessa foto nos chegasse às mãos o “Quadrinho”.

Os dois quadros fazem uma combinação perfeita. O “Quadrinho” a reflete muito mais na intimidade. O outro exprime a fisionomia dela quando se encontrava em outros ambientes. Vê-se que ela faz um esforço para não romper o que resta de amizade com os outros, para poder fazer-lhes bem.

Flávio Lourenço
Beau Dieu – Catedral de Notre-Dame, Amiens

Arquivo Revista
Dr. Plinio em 1987

O olhar reflete uma visão do futuro, mas sobretudo em função da ofensa a Deus, daquilo que ela via no Coração de Jesus, entristecido pelos pecados dos homens. É um ato de fé, de metafísica viva. Quem fez esse ato de fé tem uma limpeza de senso metafísico colossal.

Há uma tal integridade, por onde vemos que ela era consciente de que, se aceitasse, por exemplo, uma joia um pouco moderna, ela quebrava a fé.

É a fisionomia mais séria que eu já vi na vida, mas, ao mesmo tempo, com uma calma extraordinária, a qual se reflete muito pelo conjunto da fisionomia e por todo o corpo, no qual não há um músculo contraído.

Ela tinha uma noção de delicadeza vinda do fato de ser muito digna, séria, sendo ela mesma, não querendo ser senão o que era, sem ganância. Ela não tinha jamais um sorriso que significasse qualquer conivência com o que de revolucionário houvesse no ambiente. É uma fisionomia que nos prepara para os acontecimentos de Fátima.

Exercício para visão beatífica

Assim eu olho sucessivamente para os olhares, para as coisas que esta vida se nos apresenta. Isso é viver. E não fazer isso é não viver. Falar, no fundo, é dizer coisas dessas. E quem nunca pensou nem viu, e não teve coisas semelhantes em vista, e nunca fez isso, este eu tenho dificuldade de explicar para mim mesmo como ele estará pronto para a visão beatífica. Porque a visão beatífica é isso: olhar Deus face a face e peregrinar dentro d’Ele e sempre, sempre, e imutável e novo para nós, afável, majestoso, acolhedor!

E nós dentro d’Ele superpondo os aspectos sucessivos, para formar uma cognição que nunca cessará. Porque jamais O conheceremos em sua totalidade. Isso será a nossa alegria no Céu!

(Extraído de conferências de 23/12/1976, 7/3/1982 e 20/8/1987)

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