Aos vinte e quatro anos de idade, candidato a deputado federal, Dr. Plinio enfrentou com verdadeira ousadia as mil dificuldades e contratempos deste lance, os quais viriam acrisolar sua virtude e confirmá-lo interiormente na missão que a Providência lhe tinha confiado.
Para que toda a São Paulo estivesse representada na Constituinte, entenderam que não deveria haver só políticos.
A Chapa Única por São Paulo Unido
Com a criação da Liga Eleitoral Católica (LEC), a ideia era fazer uma coligação junto aos dois grandes partidos políticos importantes de São Paulo: o Partido Republicano Paulista, representado pela população rural, sobretudo os coronéis e chefes de zona do interior; o Partido Democrático, que representava a classe intelectual, uns e outros muito irmãos. Convidaram também algumas forças sociais e civis, como a Federação dos Voluntários, organização de ex-combatentes civis que tinham lutado a favor da Revolução de 1932; e a Associação Comercial de São Paulo, dos capitalistas e comerciantes.
D. Duarte Leopoldo e Silva, o arcebispo, embora fosse de família modesta, era um homem de espírito e feitio muito aristocrático e tra dicional. As forças conservadoras fizeram-lhe o convite para se aliar a elas, por meio da Liga Eleitoral Católica de São Paulo, organização de caráter religioso. Formou-se então a Chapa Única por São Paulo Unido.
Cada um dos partidos deveria indicar quatro deputados a fim de serem eleitos pelo povo paulista. Parece-me que estava bastante bem equilibrada a distribuição.
Reunião para a eleição dos candidatos indicados pela LEC
Certo dia, veio o recado de D. Duarte para que a Liga se pronunciasse sobre quem proporia como candidatos.
O presidente da LEC, Dr. Estêvão de Sousa Resende, me telefonou muito amável – ele era verdadeiramente paternal comigo; era um homem muito mais velho do que eu, mas entusiasta meu e dos congregados marianos, em cujo ambiente eu vivia. Eu tinha mais ou menos a idade de uma das filhas dele, que certa vez contou a alguém de minha família que quando ele falava de mim, em casa, punha-me nos cornos da lua.
Nessa ocasião ele me disse:
— Plinio, D. Duarte manda reunir a direção da Liga Eleitoral Católica, mas convém que você não esteja presente. Veja se quer comparecer ou não, mas meu conselho é que não compareça. A reunião vai realizar-se na sede da Liga. Tenha, portanto, o salão e o cafezinho prontos para a ocasião.
Eu tinha lido antes o livro de D. Chautard “A alma de todo o apostolado”, que me fez um bem enorme! O livro dele punha bem claro que um homem, para ter frutos de apostolado, deve ser completamente desapegado.
— Pois não, Dr. Estêvão, está muito bem!
Percebi que D. Duarte queria que eu estivesse ausente; depois soube que era porque proporiam minha candidatura.
Na hora certa, estava tudo perfeitamente pronto, era só mandar vir o cafezinho, bebidas geladas. Então, dirigindo-me a Dr. Estêvão, disse:
— Eu estarei no andar de baixo. O senhor, precisando de qualquer coisa, mande me chamar.
Retirei-me. Eles ficaram deliberando lá, durante algum tempo, e eu fiquei pondo em dia as minhas orações, enquanto caminhava pelos corredores inteiramente vazios àquela hora; o expediente tinha terminado.
Reflexões profundas, cheias de despretensão
Lembro-me de que estava muito inclinado a pedir para ser designado como candidato a deputado, mas fazia esforço no sentido contrário, increpando-me a mim mesmo: “Se você não for designado, você deve continuar com a mesma fidelidade para com D. Duarte, a mesma submissão e o mesmo amor. Não peça a Nossa Senhora que seja escolhido, porque Ela de repente atende e, atendendo, estará rompida aquela resolução de ‘nada pedir e nada recusar’1 que você tomou como rumo. Não peça! Ela não precisa de sua opinião sobre o que lhe convém ou não.”
Lembro-me de que fiz inúmeras voltas por aquele quadrilátero interno rezando o rosário, pedindo a Nossa Senhora que Ela dispusesse como quisesse a meu respeito. De modo que, para minha candidatura, não movi uma palha! E fiz o firme propósito de não fazer carreira, porque percebia que era uma oportunidade para mim.
Eles levaram muito mais tempo do que eu supunha. Afinal vieram me avisar:
— O Dr. Estêvão de Sousa Resende manda subir para tomar conhecimento das deliberações.
Dirigi-me à sala, encontrei os membros da Junta sentados; tinham-me reservado uma cadeira e o Dr. Estêvão, muito amável, me convidou para sentar.
Entrei e sentei-me. Dr. Estêvão tomou a palavra:
— D. Duarte fez a lista de candidatos a deputado que a Liga Eleitoral Católica deverá apresentar, como as outras correntes, e você foi designado. E ele quis que todos tivéssemos a liberdade de debater sobre sua pessoa em sua ausência. Ora, por unanimidade, todos estamos de acordo e aprovamos a indicação: você é candidato! Se quiser, você deve concorrer para deputado. Agradeça a D. Duarte.
Felicitaram-me. Eu disse:
— Se D. Duarte deliberou, está resolvido. Eu entro na luta!
Tomei tudo do modo mais despretensioso, para evitar apegos. Era para mim algo altissimamente promocional; um advogadinho jovem, formado há pouco, proposto de uma vez candidato a deputado federal!
No entanto, como eu ainda concorreria às eleições, pensei: “Vou manter-me quieto. Não contarei na Congregação Mariana nem direi nada a ninguém, até que nos jornais estoure a notícia. Quando me perguntarem, direi que é verdade.
Cheguei em casa, avisei só mamãe. Em tudo quanto pudesse lhe ser lisonjeiro ela era de uma reserva extrema e tinha muito medo de que eu pendesse para o orgulho. Então ela recebeu a notícia com distância…: “Ah, sei. Está bom.”
Repercussões da candidatura no ambiente familiar
Dois ou talvez três dias depois, os jornais da tarde, que eram naquele tempo muito mais lidos do que hoje, publicaram a notícia: “Eleita a Chapa Única por São Paulo Unido. Os candidatos são…” No fim da lista, o mais moço de todos: Plinio Corrêa de Oliveira.
Esses jornais divulgavam-se um pouco tarde, chegavam quando estávamos todos jantando. O copeiro os trouxe numa salva e ficaram de lado. Conversando as banalidades de todos os dias, terminado o jantar, alguns abriram os jornais que davam as listas com meu nome ali anunciado. Quando me viram ser designado como candidato, ficaram com medo de eu ter uma derrota retumbante.
— O que é isso, Plinio? Você foi indicado para candidato à Chapa Única?
— Fui!
— Oh…! Mas, você não disse nada para ninguém?
— Não…
Notei que, depois de um primeiro movimento de surpresa pelo assunto, houve uma espécie de retraimento e perplexidade na mesa inteira, porque eu era muito novo e me metia naquela aventura política. Eu soube que correu entre eles depois o zum-zum de que era uma temeridade, uma afoiteza de minha parte candidatar-me, porque era novo, não tinha quase relações, metia-me naquela aventura política e seria, provavelmente, derrotado. Não teria sido um erro meu aceitar essa candidatura?
Era um cálculo político feito sobretudo por senhoras, que não entendem de política. Porque, para mim, ainda que não fosse eleito, só o meu nome ser publicado já era uma vantagem colossal. Mas, isso que um homem compreende, uma senhora… ainda mais naquele tempo em que as senhoras viviam muito mais afastadas da vida pública, elas não estavam bem a par dessas coisas, não mediam bem.
No fim, resolveram não fazer comentários, para eu não perder o élan; deliberaram ficar quietos.
Providências de Dona Lucilia para recolher votos
Dona Lucilia ficou muito concernida pelo caso. Eu havia notado certa insegurança nela, como quem diz: “A jogada terá sido bem dada ou não? Como foi que ele pulou dentro disso e aceitou essa candidatura?” Porque, de fato, me ofereceram e eu assumi na hora. E ficou com muito medo de que eu não fosse elei to. Lembro-me de que, terminado o jantar, eu a vi combinando com uma tia, irmã dela, algumas providências para arranjar votos para mim.
Eles tinham uma ideia tão imperfeita do poder da Liga Eleitoral Católica, que eu me lembro de tios, tias, parentes, minha mãe – meu pai estava no interior –, fazendo ligações telefônicas. Fizeram uma lista para começar uma propaganda, cuja meta era que eu não tivesse uma votação vergonhosa. Valia pelo menos evitar a vergonha, para mim e para a família, de uma derrota sem votos.
Telefonaram para Santos, para um hotel chamado “Parque Balneário Hotel”, onde minha família ia com frequência passar os meses de inverno; hoje não existe mais. Contataram o diretor, o Sr. Facarolli, pedindo também aos copeiros que votassem em mim. Elas calculavam que isso fazia quinze votos. Depois, pediram voto para inquilinos, para a comadre do criado, para as antigas criadas de casa, que estavam empregados noutros lugares, e pediram para que falassem com as suas amigas. Escreveram para antigos conhecidos no interior, e daí para fora, mas no conjunto não daria cem votos.
Eu pensei com meus botões: “Se tudo isto der alguns votos a mais, sempre é uma coisa boa.”
Um donativo do tio Américo salva a situação
Ora, começaram a aparecer as dificuldades. A primeira delas foi um aviso do Alcântara Machado2, numa reunião: “Todos os candidatos devem contribuir com um conto de réis como quota para as despesas da Chapa Única por São Paulo Unido.”
Toda campanha eleitoral tem despesas. Para imprimir as cédulas e espalhá-las por São Paulo, cada candidato tinha que dar aquela quantia, equivalente a dez mil reais de hoje.
Os candidatos eram homens já de idade, com cargos públicos, colocados na vida, ricos, tinham dinheiro de sobra. Para eles não era nada. Mas eu não tinha essa quantia. Meu pai estava mal de negócios, em situação econômica muito ruim nesse tempo, estava até advogando no interior para se manter. Minha mãe e eu morávamos em casa de minha avó, que era dona de casas de aluguel, que se encontravam num período de deflação e com grande parte de suas casas desalugadas. Ela não ia fazer dívidas, era uma senhora de 80 anos, e as casas não rendiam.
Chegando à casa, durante um jantar, eu disse não saber como continuar com a candidatura.
A mesa estava cheia de parentes que tinham dinheiro à vontade. Silêncio… Começaram a conversar sobre outra coisa, o que equivalia a dizer: “Arranje-se!”
Pensei: “Agora naufragou a minha candidatura, minha partida está perdida. Vou dizer lá que eu não tenho dinheiro, nem a família de minha mãe”. A família de meu pai era de Pernambuco, não tinha nada a ver com isso.
Ora, eu tinha um velho tio-avô, ateu como tudo, mas que gostava de mim; estava sentado à ponta da mesa, junto à minha avó, era um irmão mais velho que ela. Houve uma certa perplexidade, e ele imóvel, mal-humorado, com a cara aborrecida. Era um homem aliás imponente, mas nesse tempo, já velho e muito neurastênico, tinha por habilidade saber temperar muito bem salada de alface. Era o único momento da refeição em que ele saía da neurastenia.
No final do jantar, ele me disse, mal-humorado:
— Plinio, não seja por isso – ele era rico – passe amanhã pelo Hotel Terminus3, a hora que você quiser, porque só saio à noitinha. E eu lá lhe dou o valor.
Agradeci muito, mamãe também. Fui lá, no dia seguinte, pegar o dinheiro. Ele era solteiro. Tinha passado o dia inteiro sozinho, não sei com quantos maus humores… Eu entrei, ele ficou um pouco mais amável, contou o dinheiro, me deu com muita amabilidade ali na hora.
Agradeci e fui-me embora. Levei para a Chapa Única, entrei flamante com o meu maço de notas, deram-me o recibo. Essa dificuldade estava contornada.
Mais uma dificuldade: não elegível pela idade
Outra dificuldade foi quando apareceram cabeçalhos no alto dos jornais diários: “Impugnada a candida tura do Sr. Plinio Corrêa de Oliveira”. Subtítulo: “Não tem idade suficiente para ser deputado”4.
Era um zum-zum de que eu não era elegível, porque, pelo Código Eleitoral, para ser eleito deputado precisava ter, no mínimo, vinte e cinco anos. Ora, a eleição se daria quando eu teria ainda vinte e quatro; logo, a minha eleição, se eu fosse deputado, seria nula.
Eu me zanguei com a história, não tinha propósito, porque a Constituinte se reuniria somente dali a seis meses, período durante o qual eu completaria a idade necessária. Então, se o deputado não pode ter vinte e quatro, um homem que terá vinte e cinco anos na Constituinte pode ser deputado ou não? Uma batalha! Como interpretar a lei eleitoral? Era essa a questão.
Estando em minha casa, recebi um telefonema: era um dos candidatos a deputado, Sr. José Carlos Macedo Soares, que me mandava dizer que, se eu quisesse, ele arranjava o parecer de um grande jurisconsulto a favor do meu ponto de vista.
Fui à casa dele e conversamos um tanto. Perguntei quem era o jurisconsulto.
— É o Prof. Antônio de Sampaio Dória, da Faculdade de Direito – tinha sido meu professor de Direito Constitucional e ao menos dava a ideia de que me conhecia – você quer o parecer dele?
Aceitei de bom grado.
Ele foi ao telefone, e o Sampaio Dória combinou que se encontraria comigo no dia seguinte, feriado, num café que havia na Rua XV de Novembro, perto do Pátio do Colégio, chamado, se não me engano, “Café Guarany”. Ele falaria lá comigo e depois iríamos à Secretaria da Educação, onde ele tinha um escritório, a fim de conversar sobre o caso.
Supremo Tribunal Eleitoral aceita a candidatura
Pontualmente fui para o local, porque estava dependendo muito dele. Quando cheguei, ele já se encontrava lá, nos cumprimentamos. Ele se lembrava de mim, mandou vir um cafezinho para tomarmos, expus o caso, ao que ele me disse:
— Eu acho que você tem toda a razão. Eu vou fazer um parecer.
Ele dava opiniões muito anticatólicas, nas aulas, mas afirmou:
— Eu sou contrário à participação da Igreja na política. Mas, no caso concreto, como está o Brasil, eu sou favorável. E é por isso que eu me ofereci para dar um parecer a seu favor.
No dia seguinte mandei pegar na Secretaria o parecer, que estava excelente, completamente a meu favor5. Tratava-se de enviá-lo ao Tribunal Eleitoral do Rio, a capital federal naquele tempo. Eu mandei um amigo, que era um ano e meio mais moço do que eu, levá-lo. Ele era muito hábil, com uma lábia extraordinária, não havia quem resistisse ao que ele queria.
Enfim, a coisa foi ao Supremo Tribunal Eleitoral, com pareceres de juízes, uma verdadeira luta, e veio, por fim, a decisão de que eu podia ser candidato. Com o ganho de causa, minha candidatura ficou absolutamente consagrada.
Usurpando o cargo de outro?
Lembro-me de que, candidato ainda, apareceu uma circunstância pela qual eu percebi que D. Duarte me indicara para deputado contando com a minha popularidade entre os congregados marianos, o que tornava a minha eleição mais provável. Fui visitá-lo para agradecer a indicação. Ele, paternal, mas distante, me disse:
— Vossemecê foi indicado – é um modo antigo de dizer “você” – porque Mons. Gastão Pinto disse que vossemecê arca com qualquer responsabilidade. Vamos ver.
— Mas, Senhor Arcebispo, o que eu puder fazer, não tem dúvida nenhuma, eu farei.
Ele afirmou:
— Vossemecê mobiliza todos os congregados marianos nessa eleição?
— Mobilizo. Não tenha dúvida.
— Porque a propaganda deve ser feita pelos marianos. E é preciso que vossemecê ponha esses milhares de marianos de São Paulo, todos lutando pelo mesmo ponto.
— Sr. Arcebispo, nesse ponto eu garanto.
Terminada a visita, quando eu cheguei à rua, me veio um escrúpulo na consciência e me pus a seguinte pergunta: “Vai ver que D. Duarte está me indicando só para eu pôr os marianos em movimento. Todos os outros candidatos são homens ilustres, de um passado grande em São Paulo. Eu estou novo, com vinte e quatro anos. Eu indiretamente não estarei usurpando esse cargo que deveria ser dado a outro? A perfeita obediência seria eu voltar até ele agora e dizer que eu ponho os marianos em movimento, mesmo que o meu nome não saia como candidato. E que, portanto, ele pode contar com a minha obediência inteiramente. Não é necessário me dar nenhum cargo, eu não preciso disto para me dedicar inteiramente.”
Entretanto, alguma coisa me dizia que era melhor não fazer isso e aceitar a minha candidatura. Passei assim uns dois ou três dias na indecisão. Por fim, eu pensei: “Eu estou tão engajado nisto, que eu não tenho o direito de resolver o problema por mim mesmo. Vou procurar um padre e perguntar-lhe qual é o meu dever. O que ele me indicar, eu farei.”
Nas vias do total despojamento de si
Resolvi consultar o Pe. Danti6, jesuíta do Colégio São Luís, conhecido como um dos melhores solucionadores de casos morais na arquidiocese de São Paulo.
Lembro-me de que ele me recebeu em seu quarto, sentado diante da escrivaninha. Sentei-me numa cadeira ao lado dele, não era confissão, era consulta. Ele estava de lado, olhando para frente. Ele tinha um perfil florentino, com os lábios finos, parecia uma figura de uma medalha cunhada em marfim.
Ele me perguntou:
— Então, Dr. Plinio, o que há?
Expus o caso a ele.
Eu me lembro até hoje da atitude dele, olhando sem a menor reação. Após a minha exposição, ele virou-se um pouquinho para mim, tirou o barrete, colocou-o em cima da mesa, era um dia de calor, e ficou me olhando muito sério.
Eu pensei: “O que ouvirei agora vai decidir a minha vida, Nossa Senhora é quem dará o rumo, eu quero ir para onde Ela indicar.
Ele pôs a mão sobre a mesa e me disse:
— Veja: se o Arcebispo o convidou… O senhor pediu o cargo?
— Não.
— O senhor fez alguma pressão para ser nomeado?
— Nenhuma.
— Ouça, Doutor, pode ser que o Arcebispo tenha feito esse cálculo. Mas não foi o senhor quem o sugeriu a ele. Quem é responsável perante Deus pelos atos dele é ele, não o senhor. Não há por que meter-se na cabeça dele para descobrir o que ele pensou, para daí ver se vem algum dever para o senhor. Pode ser, de fato, que ele lhe tenha dado esse cargo para levar os votos de todos os marianos. É possível. E então, Deus é quem quis que o senhor tivesse essa influência. Inclusive, às vezes, Deus permite que uma pessoa faça um cálculo que não é o certo – pois o senhor faria isto mesmo sem ser candidato – porque Ele quer que o senhor seja candidato a deputado. Se D. Duarte quiser lhe tirar o cargo antes da eleição, aceite com muita alegria. Se ele não quiser tirar, trabalhe valentemente para ser eleito.
Ele era um sacerdote de muito respeito, eu não podia perguntar: “Mas é isso mesmo?” Para ficar com a consciência inteiramente tranquila, eu advogando contra mim, apresentei a coisa de outro jeito.
— O senhor não imagina como me aliviou este conselho, porque realmente eu tinha uma dúvida muito desagradável neste ponto.
Ele virou-se para mim com um sorrisão e disse:
— Pode estar tranquilo!
Agradeci, desci, saí tranquilo, achei que estava muito bem pensado e fui tratar de minha candidatura.
Aí eu tinha uma prova de que eu estava, de fato, na via certa. Mas como passava pelo caminho do despojamento logo no início! Se, em qualquer época de nossa vida, a Providência nos der algo, a primeira coisa a dizer é: “Isto é vosso, tirai quando quiserdes, eu estou disposto a fazer até o percurso de Jó. Se Vós me derdes força suficiente, eu vou para frente!”
Dentre os candidatos, único líder católico
Eu representava então a Liga Eleitoral Católica como candidato de D. Duarte Leopoldo e Silva para deputado. O único conhecido como verdadeiramente católico era eu. De ma neira que todos entendiam que a defesa dos interesses católicos deveria ficar a meu cargo, nessa Chapa.
A Liga Eleitoral Católica começou movimentandose muito; a única jogada política que eu fiz foi uma Circular que dava realce ao nome dos quatro deputados, se não me engano em ordem alfabética, portanto o meu era o penúltimo. Mas, do meio católico militante, desses quatro, era só eu; os outros três eram políticos que seriam ou não católicos em seu foro privado. Eu pensava: “Os votos da Liga eu tenho por esta Circular. Porque cometeram o erro de meter um só candidato católico. Se pusessem dois ou três, dividiriam os votos e não entrava nenhum. Com apenas um, toda a votação se concentrava neste um. Se eu levar toda a votação católica, eu levei o que se poderia esperar de mim. Eu sou católico! Sou representante da Liga Eleitoral Católica! O que se podia esperar de mim na minha idade, eu fiz. Então, é melhor eu ser candidato do que não ser. Eu fico na frente.”
E nessas condições, fiz toda força possível para que o meu nome fosse eleito. E era o que, realmente, D. Duarte esperava de mim. Mas a força do eleitorado católico era muito maior do que nós imaginávamos. Nunca tinha havido no Brasil candidatos católicos.
1) Resolução de vida espiritual tomada por Dr. Plinio de nada pedir à Providência em matéria de interesses pessoais, exceto a santidade.
2) José de Alcântara Machado de Oliveira (*1875 – †1941), literato, jurista eminente, membro da Academia Brasileira de Letras e destacado político. Exerceu o papel de líder da bancada paulista congregada na Chapa Única por São Paulo Unido, durante a Assembleia Constituinte de 1934. Fora também professor de Dr. Plinio na Faculdade de Direito e diretor deste centro entre 1931 e 1935.
3) Hotel destinado à elite paulistana, situado outrora na Rua Brigadeiro Tobias, 576, esquina com a Rua Washington Luís, setor considerado nobre da cidade.
4) Assim foi publicado na “Folha da manhã”: “O Sr. Plinio Corrêa de Oliveira, candidato da Liga Eleitoral Católica inscrito na Chapa Única, de acordo com o que noticiaram os jornais, é inelegível, porque a sua idade não lhe permite pleitear as próximas eleições” (SÃO PAULO NAS VÉSPERAS DO PLEITO DE 3 DE MAIO. É elegível o Sr. Corrêa de Oliveira? In: Folha da manhã. São Paulo. Ano 13, N. 27.645 [18 abr.1933], p. 13).
5) Trecho do parecer do Dr. Sampáio Dória: “São cidadãos brasileiros os nascidos no Brasil. Logo, quem tiver 20, 24 ou 30 anos de nascido no Brasil, tem 20, 24 ou 30 anos de cidadania brasileira. […] No regime atual, a elegibilidade se subordina a duas condições: 1) ser eleitor, isto é, estar no exercício dos direitos políticos, ter-se alistado eleitor; e 2) ter mais de quatro anos de cidadania. Evidentemente, esta última condição não tem cabimento, quando se trate de cidadão brasileiro. Quem satisfizer a primeira, já ultrapassou de muito a exigência da segunda. […] Não há texto de evidência mais palpável. A vacilação decorre de mero equívoco. Nada mais” (SAMPAIO DÓRIA, Antônio de apud SÃO PAULO NAS VÉSPERAS DO PLEITO DE 3 DE MAIO. É elegível o Sr. Corrêa de Oliveira?, op. cit., p. 13).
6) Pe. José Danti, SJ.