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Mansidão e amor cheio de esperança

Havia uma excelência moral em Dona Lucilia pela qual a mansidão se manifestava mesmo quando contundida em sua bondade. E na consideração pelos demais, ela levava ao auge uma espécie de amor de esperança, por onde considerava sempre o lado bom da alma de cada um.

Dona Lucilia tinha muito empenho em auxiliar as pessoas. Alguma coisa que possa haver em mim nesse sentido foi aprendido com ela, porque mamãe era assim de um modo eminente e com muito equilíbrio.

Perdão antecipado, cheio de esperança

Fotos: Arquivo Revista
Plinio no Jardim da Luz, em São Paulo

Apenas duas ou três vezes na vida – sem ela me dizer, eu percebi – a vi considerar certas almas como perdidas, irrecuperáveis para o bom caminho. Com essas pessoas ela cortou o relacionamento, não as relações externas; estas sempre permaneceram amáveis, mas no interior le coeur n’y était pas. O manual da amabilidade estava, mas o coração não.

Havia nela um reflexo da doutrina católica de que todo pecador é recuperável. Enquanto pode ser restaurado e ainda está nos planos da Providência agir sobre ele, Deus o quer bem.

Assim, ela tinha uma espécie de amor de esperança, vendo na pessoa algo que restava do que esta tinha de bom. Percebendo isso, ela a queria bem como se fosse só aquilo. E tratava o indivíduo como que ignorando todos os seus defeitos. Considerava-o como com qualidades em estado puro, abstraindo os defeitos. Isso dava um trato muito dignificante, elevado, e era um apoio dado por mamãe para a pessoa se reerguer.

Às vezes eu chegava perto dela, conversávamos um pouquinho, ela me dizia: “Estou rezando por fulano…” O que equivalia a uma certa in sinuaçãozinha de que eu deveria rezar também, não era um pedido formal. Mamãe não me pedia, senão raramente, para rezar por alguma intenção, pois intuía que eu rezava para outras coisas que eram muito mais altas, mas desejava que eu desejasse. Fazia uma insinuação que vinha com uma conotação por onde dava a entender a razão pela qual estava rezando, o que a pessoa estava fazendo de ruim. Rezava com o afeto que teria por aquela alma se ela estivesse andando bem. Havia uma espécie de perdão antecipado da dívida.

Mesmo quando alguém desiludia por completo as suas esperanças, mamãe nunca, nunca, nunca tinha um acesso de raiva, de queixa, de cólera, de nada! Era de uma mansidão absoluta, como um cordeiro. De tal modo que, se contra toda expectativa a pessoa voltasse ao bem, a encontrava como na véspera.

Mansidão desconcertante

Debaixo do ponto de vista da mansidão, esse foi, dos diversos aspectos da alma dela, o que mais me tocou. Porque eu via às vezes coisas que a contundiam a fundo; sem embargo disso, ela recebia com toda a doçura, sofria com tristeza, mas sem a menor amargura, o menor revide, a menor lamúria! E eu via que mamãe pedia a Deus perdão por aquela alma.

Isso era algo que me entusiasmava muito, mas muito! A mansidão de mamãe também me desarmava muito, porque houve uma época em que, sendo menino ainda, tive uma certa dificuldade quando algumas coisas dela eu não entendia bem, e não entendia por acanhamento de vistas. Eu mostrava desagrado e recebia dela uma mansidão tão tocante, e vendo que não podia me explicar porque eu não entenderia… Seu silêncio era tão discreto, mas ao mesmo tempo tão profundamente sofredor, que eu ficava desarmado.

Fotos: Arquivo Revista
Dr. Plinio em 1980

Algumas vezes eu me sentia em guerra acesa contra certas pessoas e a via cheia de bondade. E com essa inconformidade eu teria a tendência, não de fazer a ela uma censura direta, mas de agastá-la em algum outro ponto. Teria agido muito mal se tivesse feito; porém foi-me muito fácil o não fazer, por causa dessa excelência moral que mamãe tinha, embora naquela época eu não entendesse.

Trato super excelente

Não só quando mamãe estava fora de casa eu a tratava muito melhor do que as outras pessoas, mas eu não tratava ninguém como a ela! Era um trato superexcelente.

Mamãe fingia que não percebia, mas eu sabia bem ser ela sensibilíssima a isso. Jamais a vi dando um olhar para uma outra dizendo: “Veja como meu filho me trata.” Nunca! Eu não a vi comparar-se com ninguém.

A recíproca dela era como uma mãe trata um filho a quem quer bem, mas não era como o trato que eu dispensava a ela. O que eu tinha para com mamãe era um trato espalhafatoso de tão carinhoso. O dela para comigo era muito mais discreto. Eu vejo que ela procurava evitar distonias enquanto eu provocava a distonia.

Certa vez comentaram com mamãe: “Tratar bem um ao outro como a senhora e o Dr. Plinio eu nunca vi ninguém! Nem noivos se tratam assim!” Contou-me depois, comprazida, mas como se fosse um fato qualquer, tudo muito discreto. O quanto eu sou explosivo, ela era discreta, jeitosa.

(Extraído de conferência de 20/9/1980)

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