jueves, noviembre 21, 2024

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A hora da misericórdia voltará

A festa de Santa Margarida Maria Alacoque, celebrada pela Igreja neste mês, trouxe-me à memória um fato antigo, que não é sem interesse para os dias que correm.

Quando viveu na França a humilde visitandina à qual o Sagrado Coração de Jesus fez suas tão suaves confidências, reinava Luís XIV, que a admiração universal consagrou com o título de Rei-Sol.

Este epíteto correspondia à realidade. Tanto do ponto de vista físico como moral, representava Luís XIV o tipo clássico daqueles reis de fantasia, com que certos contos costumam deslumbrar as imaginações infantis.

De uma formosura viril e majestosa, acentuada por uma perfeita nobreza de porte e de gestos, e por uma indumentária admiravelmente escolhida, foi ele o modelo supremo dos gentis-homens de seu tempo. As qualidades de inteligência e caráter estavam à altura desse físico magnífico. Sua inteligência era clara, vasta, metódica e idealmente equilibrada. Sua vontade dotada de tal força imperativa, que dobrava quaisquer obstáculos. De um soberano domínio sobre si, não se permitia manifestações extremadas de cólera, de prazer ou de dor. Pelo contrário, todos os acontecimentos o encontravam sempre igualmente sereno, grande, sobranceiro. De tal maneira sua índole se havia conformado com as obrigações do métier de Rei, que o protocolo era, nele, como que conatural, e até mesmo suas ações as mais triviais denotavam a alta noção que ele tinha de sua dignidade e de seus deveres.

Quando Deus dá a alguém qualidades naturais singularíssimas, impõe-lhe implicitamente responsabilidades onerosas. Luís XIV era uma dessas almas privilegiadas que Deus chama a grandes realizações e que, por isso mesmo, estão na iminência de descambar pelos mais profundos abismos, caso não correspondam à própria vocação.

Se ele tivesse querido ser um novo São Luís, é provável que a Revolução Francesa não tivesse explodido, que a pseudo-reforma protestante tivesse sofrido desastres irreparáveis e que o curso da História, em lugar de correr pelos precipícios por onde vai, tivesse assumido orientação inteiramente diversa. O certo é que Luís XIV não desempenhava a missão providencial à qual fora chamado por Deus.

Interveio a humilde visitandina. Em revelação, o Divino Redentor mandou-lhe dizer ao rei que se consagrasse, bem como o reino, ao Sagrado Coração. A comunicação foi feita em tom imperativo e deixava ver claramente que a recusa do monarca acarretaria para ele e para a França os mais severos sofrimentos.

Por meio de uma pessoa da nobreza com quem tinha relações, Santa Margarida Maria fez chegar a comunicação a Luís XIV que, entretanto, não lhe deu importância, e a consagração não foi efetuada.

Recusada assim essa providencial fonte de graças, o reino foi descambando cada vez mais pelos abismos da impiedade e da libertinagem, até que o extravasamento desses males, isto é, a Revolução Francesa, veio lançar por terra o trono dos Bourbons e atear pelo mundo inteiro o facho diabólico e incendiário do espírito de rebeldia.

Entretanto, não se sabe se a recordação do recado de Santa Margarida Maria Alacoque perdurou na família Bourbon, mas é certo que, entre os papéis de Luís XVI, encontrados em sua miserável prisão do Templo, achou-se uma nota na qual o desditoso soberano prometia a Deus consagrar-se, e toda a França, solenemente, ao Coração de Jesus, o que, desde logo, em forma privada, ele fazia no cárcere. Assim, dizia ele, seria de esperar que o Coração de Jesus arrancasse a França aos horrores da Revolução.

O piedoso e infeliz monarca fez, no cárcere, o ato de piedade que seu poderoso antecessor se recusara a fazer nos esplendores de Versailles. Mas, ao que parece, a hora da misericórdia tinha passado, e já era tarde para deter o curso da justiça divina.

É possível que a hora da misericórdia tivesse passado. Não, porém, de modo definitivo. Enquanto os legisladores reformam as instituições, os militares as fronteiras, os banqueiros a economia, ao sabor das heresias de hoje, na penumbra, os santos reformam as almas e, pela reforma autêntica das almas, destruirão a falsa reforma das instituições e da economia.*

* Cf. Legionário n. 423, 20/10/1940.

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