Embora os Anjos sejam puros espíritos, sem corpo, sem voz e o homem não tenha recursos naturais para vê-los ou percebê-los, o Anjo da Guarda não deixa de se manifestar através de muitos meios, um deles é a consolação.
Entreguei-me mais de uma vez ao esforço de conjeturar como seria o meu Anjo da Guarda, mas esbarrei na seguinte dificuldade.
Ao que comparar o Anjo da Guarda?
O Anjo da Guarda não tem corpo, ele é puro espírito. Por isso, se nós o quisermos imaginar como algo possível de ser conhecido por nossos olhos, caímos na pura fantasia.
Imagine, por exemplo, o Anjo da Guarda que eu, sabendo não ter corpo, quisesse comparar com uma montanha.
Certa vez, voando sobre os Alpes, houve um momento em que o avião tomou uma distância tão pequena em relação ao maciço pedregoso todo coberto do cristal das neves num dia ensolarado, uma verdadeira maravilha, que pensei: seria assim o Anjo da Guarda?
Uma ideia paupérrima, porque um cristal – eu gosto muito de cristais – é um mineral, não tem alma, não tem movimento, não tem sensibilidade.
Pode-se ter uma ideia mais próxima do que é o homem olhando para um papagaio que fala, do que para as mais bonitas montanhas de cristal. O papagaio é vivo, foge, avan ça, tem um bico arrogante, quebra as coisas, tem um misto de pé-mão que lhe serve para mil coisas.
Enfim, algo há de vivo no Anjo da Guarda. Com qual animal comparar um Anjo da Guarda? Um leão? Uma águia? Uma garça? Um beija-flor? Com tudo e com nada.
Uma névoa e um foco de luz…
O Anjo da Guarda escapa completamente à nossa percepção. E, para não ficar no zero total, imagino ainda que ele pudesse ser comparado a uma nuvem muito solta, não dessas nuvens densas que parecem até algodão e pressagiam a tempestade, mas uma névoa muito fofa condensada num espaço, a qual visualmente se pareceria à área luminosa de uma espécie de foco de luz na parede, irradiando uma luz intensa, que pareceria estar ao mesmo tempo dentro do foco e infinitamente longe dele.
Dentro do “foco” – o “foco” é Deus – a luz tomaria toda a névoa e a encheria; longe do “foco”, a luz vinda de tão alto e de um modo tão magnífico, daria a impressão de que quase se confundiria com a névoa, estando ao mesmo tempo a anos-luz dela e superior a ela.
E teria mudanças de cor, mudanças de disposição das várias cores, feitas de modo a apresentar um objetivo, um ponto para a vista sempre novo, se renovando e, entretanto, dando em algo que tivesse continuidade com os anteriores, de maneira a dar uma impressão conjunta e deleitável da estabilidade e da mutabilidade. E o foco de luz, pelos simbolismos que tomaria com as diferentes cores e formas, faria compreender ao homem as coisas que ele queria dizer.
O diálogo entre Anjos e homens
O grande e estupendo Cornélio, ao comentar sobre a linguagem entre os Anjos e os homens, trata a este respeito.
O Anjo da Guarda não tem voz, não tem palavra e o homem não tem os meios naturais para ver, perceber ou se comunicar com um Anjo. O Anjo consegue tomar conhecimento do que o homem diz, mas este não percebe o Anjo… Então, como poderia haver diálogo entre homens e Anjos?
Ora, o natural é que todas as criaturas bem-aventuradas se comuniquem e cantem uma para a outra, a seu modo, a glória de Deus. Então, o Cornélio a Lápide afirma que, para se comunicar, o Anjo da Guarda recorre vários objetos da natureza, produzindo com eles sons como expressão do que ele quer dizer. Pode-se até dar uma comparação muito bonita entre a manifestação do Anjo da Guarda e os ventos. Os ventos produzem sons, e se tem a impressão, às vezes, de que eles dizem algo. É certo que não dizem, mas essa impressão existe.
Se os ventos nesta Terra tão inferior “dizem” algo, muito mais fácil é que os ventos “digam” algo no Céu. Assim é um Anjo conversando com um de nós. Por exemplo, junto a uma fonte ele pode compor uma frase, explanar um pensamento fazendo cantar a água da fonte e fazendo movimentar-se em torno da água esses e aqueles ventos, e por esta forma comunicar-se com os homens.
As consolações, outro modo de comunicação
O Anjo da Guarda também pode se comunicar conosco de um outro modo muito mais bonito, incomparavelmente mais deleitável, que diz tudo não dizendo nada, mas no não dizer nada põe um tudo que é incomparável: são as consolações.
Uma consolação não se troca por nada deste mundo! As maiores alegrias, as maiores satisfações, as surpresas mais admiravelmente desnorteantes e maravilhosas não se comparam a uma consolação. E os Anjos da Guarda podem transmitir, com a permissão de Deus, algo da consolação eterna na qual vivem embebidos. De que maneira? Falando a linguagem das consolações.
Uma consolação! Quem é capaz de descrevê-la? É algo superior a qualquer louvor, a qualquer alegria, a qualquer gáudio… é um antegozo do Céu!
Ensinai-me a lutar como vós
A Escritura nos conta que quando satanás se revoltou, São Miguel exclamou: “Quis ut Deus!” E iniciou uma ofensiva para expulsar o demônio. E então prœlium magnum factum est in cœlo. Houve uma grande batalha no Céu.
Todos os Anjos que foram fiéis estão continuamente na visão de Deus, estão salvos para todo o sempre. Tudo leva a crer que todos eles tiveram um papel na batalha e deram um contributo a ela e ao êxito da Contra-Revolução no Céu, e deram-no por meio de uma ação própria, nociva ao demônio.
A ação procedente dos Anjos trazia todas as características deles, que, sendo espirituais – como os demônios também –, marcavam, entretanto, a sua atividade, a sua atuação.
Então, perguntaríamos ao Anjo da Guarda de cada um de nós:
“Meu Santo Anjo, dizei-me como lutastes. Ensinai-me a lutar como lutastes vós. Comunicai-me, se possível, a plenitude de vosso amor a Deus, de vossa força, de vosso ódio, e fazei-me compreender de que maneira as ripadas espirituais desfechadas nesses bandidos foram por vós desferidas nas delícias de vossa alma.”
É uma concepção válida e que ajuda um pouco a completar umas pinceladas do quadro.
Os Anjos no Gólgota
Por certo, todos os Anjos do Céu estavam presentes no Gólgota enquanto o Divino Redentor gemia, era torturado, faltava-Lhe o ar…
Houve um médico francês que estudou como Nosso Senhor Jesus Cristo, pregado na Cruz, chegou a morrer. O médico não achava que Ele tinha essa espécie de estradozinho onde firmar os pés divinos que habitualmente os crucifixos representam, mas os pés d’Ele estavam colados, assim como um quadro pode estar pregado num muro, assim os pés d’Ele, torcidos e numa posição artificial foram pregados no próprio Santo Lenho. Ou seja, cada vez que Nosso Senhor deitava o peso d’Ele nos pés, os cravos cortavam para cima e produziam novas dores. E, por causa disso, Ele se contraía, punha a força nas mãos, e os cravos nas mãos produziam igualmente dores.
A cada respiração, a ferida se abria e se fechava com uma dor lancinante que daria talvez para um homem desmaiar só daquilo. Uma vez! Ele quantas vezes teve até morrer?
Isso fazia com que Ele instintivamente não respirasse até o fim, porque a dor embaixo se tornava insuportável, e então Ele sentia falta de ar.
E só a repetição disso, ao cabo de algum tempo, mata. Com muito menos do que isso um homem de hoje morre. É bom nem fazer o cálculo. No primeiro tranco já desmaia…
Os Anjos viram toda essa cena – Deus não sofre, mas a natureza humana de Nosso Senhor sofria – e viram em Deus, o próprio Deus contemplando isso, e viram depois todos os coros angélicos na indignação! Mas também na consternação, na compaixão, cantando com maior ternura músicas para comover e consolar o Sagrado Coração d’Ele. E com certeza atraíam a atenção de Nosso Senhor para Nossa Senhora que estava ao pé da Cruz, comemoravam e procuravam agradá-La, enfim, fazer tudo quanto era possível, e o impossível. Eles procuraram, naturalmente, estimular as Santas Mulheres imersas numa desolação que não é possível descrever; procuraram dar a São João Evangelista aquela coragem que ele não teve na hora “h”, a tal ponto que ele, o fujão, recebeu naquele dia o maior presente que se possa receber: tornar-se filho de Maria!
E, no momento do holocausto, da dor suprema, do arrancar a alma de dentro do corpo, neste momento os Anjos viram Nosso Senhor dizer: “Consummatum est”. E sua Alma humana destacar-Se do Corpo divino, que passa a ser um cadáver.
E viram também a cólera de Deus se manifestando; o céu, às três da tarde, obscuro como noite; o véu do templo que se cindiu; os justos que andavam todos amarrados com tiras de pano, talvez de olhos fechados e candeeiro aceso para dar pânico nas pessoas, encontrando esses ou aqueles e dizendo: “Olha, tu, miserável!”, as pessoas fugindo. E o terremoto!
Os Anjos viram tudo isso. Que músicas tocaram para acompanhar? Que ditos proclamaram? Que cânticos emitiam? Tem-se alguma ideia disso? Nem de longe. Mas nós podemos perguntar:
“Meu Santo Anjo da Guarda, como cantastes para suavizar o Sagrado Coração de Jesus? O que dissestes? Dai-me a graça de ouvir uma nota e eu me comprometo a não vos pedir duas.”
Porque quem ouvir uma nota dessas, a vida inteira pedirá para ouvir outra! Assim, seria preciso assumir um compromisso muito sério, muito dolorido, com tentações de rompê-lo do outro mundo, mas por respeito para com o Anjo da Guarda, por amor a Deus que não tolera a ruptura dos compromissos, não romper! Então, porta fechada, tristeza sem fim, esperança sem nome! “Ao menos sei que uma nota ouvirei.”
Fazei-me ser um homem “para frente” e “para cima”
E se algum dia nós nos encontrarmos em risco de vida, é possível o demônio do pânico nos assaltar. Não tem dúvida nenhuma, não pensem que vão estar nessa calma sempre. Porque o homem tem instinto de conservação e o demônio exacerba nosso instinto em tais ocasiões. Se o sujeito sabe, por exemplo, que no dia seguinte será decapitado e que antes vão lhe arrancar os olhos…
Então o jeito de lutar é dizer:
“Meu Santo Anjo da Guarda, com quanta coisa vos ameaçou satanás; mas vós lutastes para frente! Se vós vos chamásseis, nas nomenclaturas celestes, ‘o Anjo para frente’, eu vos reconheceria. Mas fazei-me ser um homem ‘para frente’ e ‘para cima’, devotíssimo de Maria!”
(Extraído de conferência de 12/8/1994)