A lamparina, tal como a idealizou a Igreja Católica, emite uma luz cheia de sacralidade, digna somente de cintilar diante do Santíssimo Sacramento ou de uma imagem. Ela é o símbolo de uma alma orante, cheia de contrários harmônicos, que se queima em holocausto de amor a Deus.
No século XV, quando a Idade Média ainda marcava de algum modo os objetos, e, às vezes, com marcas muito profundas, surgiu um estilo representado na lamparina que vamos analisar.
Aspectos de uma lamparina
Notem o caráter medievalizante da base e como a lamparina se parece com uma taça, com um cálice de celebrar Missas.
A parte gradeada em cima é um pouco mais dos tempos modernos, tendendo para o Ancien Régime, mas harmoniosamente, sem uma cacofonia, sem uma contradição entre um e outro estilo. O todo da lamparina dá ideia de solidez.
Vou considerá-la primeiro como uma taça, para depois fazer a transposição para a lamparina.
A ser considerada como taça, ela sugere a ideia de ser usada para uma bebida em quantidade generosa e opulenta, para gente que bebe aos grandes goles coisas fortes. Não tanto porque esse receptáculo seja muito grande, mas pelo estilo dele. Donde também uma base forte, para conter uma massa de líquido volumosa, sem perder facilmente o equilíbrio; é preciso ter uma base bem espraiada, de maneira que o diâmetro em cima seja, se não igual, ao menos proporcionado com o da base, à semelhança de um cilindro.
Haveria o risco de ela ficar repolhuda, maçuda. Então, a fabricação obedeceu à ideia de estabelecer leveza e surpresa na transição entre os dois pratos, quebrando violentamente a uniformidade da haste, com uma espécie de esfera – ou de qualquer coisa à maneira de esfera – de marfim. Ou seja, é um material diferente, de cor diversa. A haste se abre para formar a parte superior como se fosse a corola de uma flor.
Contrários harmônicos
O caráter ligeiro é assegurado pelo gradeado ou rendilhado que sobe e cerca a taça em cima, de maneira a termos uma proporção agradável entre força e delicadeza, peso e leveza, entre lógica e coerência de um lado e fantasia de outro. Enquanto na haste e no gradeado está presente uma espécie de fantasia, nos dois pratos entra a lógica.
Os elementos leveza e fantasia se exprimem também no modo pelo qual o pé se abre embaixo – dá quase uma ogiva gótica – para chegar até a roda, e depois, no modo como se abre em cima para segurar, de maneira a formar um todo muito harmônico, muito delicado. O pé e a concha são mais maçudos, indicando bem a passagem da Idade Média para os tempos modernos. Uma apetência de leve, de delicado que já não aceita muito o pesado, e uma apetência de fantasia um pouco desejosa de se emancipar da lógica.
A coexistência desse tipo de contrários harmônicos – lógica e fantasia ou, se quiserem, força e delicadeza – dos quais se desprende uma qualidade excelente, agrada enormemente a alma, porque é um equilíbrio que a Revolução, como a todos os equilíbrios, contesta e detesta. Mas esse especialmente ela detesta. A Revolução produziu grosas de delicadeza sem força e de força sem delicadeza, de lógica sem fantasia e de fantasia sem lógica.
Expressão da alma orante…
Analisemos agora a lamparina enquanto tal.
Imaginem, a certa hora da noite, uma capela qualquer do Santíssimo Sacramento. A igreja toda no escuro e só aquela luzinha acesa: o que ela quer dizer?
A mim, dá a ideia de perenidade. No escuro, nas horas em que uma imagem está inteiramente só e ninguém vela por ela, a homenagem continua. A lamparina faz-lhe companhia, sendo uma espécie de símbolo da atitude que, muitas vezes, a alma tem na oração, nas relações com Deus, com Nossa Senhora: “Eu continuo fiel, eu continuo vosso, ainda que em comparação com todos os outros eu seja uma pulga ou nada; sou uma luz porque sou uma alma; e essa luz é vossa, existe só para Vós, segue-Vos nas piores penumbras, nos piores isolamentos, nas piores escuridões, confiante em que para Vós ela é algo.”
É o seguinte jogo de analogia: frequentemente a alma se coloca diante de Deus nessa postura. É só Deus e ela; ainda que o universo não existisse, eles se bastariam. E ela, sentindo Deus ultrajado, perseguido sabe que para Ele ela tem valor e sua oração tem muita significação.
Poder-se-ia dizer haver duas formas de ser excelentes da chama da lamparina. Às vezes, tudo muda de formato, de jeito; as sombras variam porque a chama se movimenta; e, outras vezes, quando ela está parada numa posição estática, parece dizer: “Encontrei o ponto do meu repouso, de minha paz: sois Vós, ó meu Deus!” A perenidade e a serenidade se exprimem muito melhor na chama parada do que no movimento.
A cor vermelha, símbolo do holocausto
A cor vermelha simboliza o holocausto e, evidentemente, o amor. É uma coisa que sempre se admitiu, é intuitivo. Mas devemos considerar sobretudo o seguinte: esse ato da alma diante de Deus é de um holocausto em si. Ela sente o tempo escoando nela, que vai caminhando para a morte, para a eternidade.
Ao menos comigo se passa isto: quando estou sozinho dentro de uma igreja, sinto-me um pouquinho como uma ampulheta que percebesse a areia passar por ela. Sinto que aqueles minutos escorrem em mim, mas são dados a Deus e estou queimando meu tempo de vida aos pés d’Ele.
É substancialmente, portanto, um holocausto. A ideia do azeite e do pavio se queimando, e de que aquilo está serenamente caminhando para a sua própria destruição, satisfeito pelo serviço desinteressado diante de Deus, é bem a imagem de holocausto: o lado votivo, ou seja, votado, dedicado, que se imola, que se consagra.
Não há dúvida de que o vermelho concorre para isso. E uma luz que está, por assim dizer, em recinto fechado, como dentro desse copinho, exprime, ela mesma, muito melhor sua solidão e seu próprio confinamento na presença de Deus do que uma luz de vela.
A luz da lamparina tem qualquer coisa que a vela não tem. Na operação do queimar o azeite, sente-se mais o holocausto do que no consumir da vela.
Misto de luz e sombra
Ademais, uma luz que flutua sobre uma superfície líquida e a queima é mais parecida com a ação de Deus. Diz o Gênesis que o Espírito de Deus pairava sobre as águas (Gn 1, 1). Na lamparina são flutuações sucessivas: o óleo flutua sobre a água e a chama sobre o óleo. Logo, a chama arquiflutua. É uma superflutuação, quase como um pássaro que voa.
A refração no azeite, ainda mais dentro do copinho vermelho, dá um valor especial à luminosidade do conjunto. A tal ponto que se nós imaginássemos essa mesma chamazinha, com a mesma intensidade luminosa, brilhando numa vela, seria muito diferente.

Tenho a impressão de haver também algum fator qualquer por onde a lamparina emite uma luz dotada de certa propriedade, que se diria torná-la meio misturada com sombra. E ao ser projetado sobre as coisas esse misto de luz e sombra, elas tomam mais significado do que sob a luz superabundante. Nesse sentido, poder-se-ia dizer que um jato de luz fortíssima tiraria inteiramente a vida aos objetos, enquanto a luz da lamparina lhes confere essa nota.
A luz da lamparina não elimina inteiramente as sombras. E, pelo fato de não eliminar, ela dá muito mais a impressão de algo vivo e real do que a luz olímpica, forte. O spotlight é uma profanação em comparação com isso.
A Teologia afirma que veremos a Deus no Céu, totum, sed non totaliter1. Aqui também podemos de certo modo vê-Lo totum, sed non totaliter, com o respeito que o inatingível e o insaisissable2 devem suscitar em nós. Assim a graça encontra menos obstáculos na alma.
O estado de espírito que a lamparina cria
Além disso, envolvendo as almas boas numa mesma luz, a lamparina cria um estado de espírito em comum e produz tal interpenetração entre elas, que é uma união fantástica, da qual o mundo de hoje não tem ideia. Cinco, dez pessoas rezando numa capela diante do Santíssimo nessa atmosfera sentem-se profundamente irmanadas, ainda que não se conheçam.
Outra consideração: é uma luz de tal sacralidade, que só pode ser acesa diante de uma imagem que se venera ou diante do Santíssimo Sacramento. Por exemplo, é de mau espírito colocar lamparina diante de uma fotografia de alguém a quem se quis muito, ou de um estandarte, ou de qualquer outra coisa, de tal maneira a ideia de sacralidade e de culto está expressa nela. Mamãe tinha uma lamparina diante da imagem do Sagrado Coração de Jesus.
Eu acho que a matéria do Paraíso terreno é toda feita para culto, como o é o material usado nesta lamparina. Percebe-se o bem-estar de alma que esse exercício de transcendência traz. É uma riqueza contínua da qual podemos nos beneficiar se habituarmos o nosso espírito a estar sempre à procura das analogias, das discrepâncias, da transcendência! A transcendência é o movimento para o unum sobrenatural, o metafísico-sobrenatural.
(Extraído de conferência de 24/11/1974)
1) Do latim: todo, mas não totalmente.
2) Do francês: impalpável.