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Conclusão

Lendo e meditando em vários episódios da História, considerando este ou aquele aspecto da Igreja Católica ou da Civilização Cristã no passado, especialmente na Idade Média, eu tinha sempre a sensação viva de que eles reapareceriam, e sentia uma vibração de alma especial, como se dissesse de mim para comigo: “Este traço, aquele, aquele outro convirão à organização que um dia nascerá de meu apostolado ou, por outra, essa organização os enfeixará e nela se consubstanciará a Contra-Revolução”.

Uma nova constelação

Era o modo de um cavaleiro brandir a espada numa iluminura, o reflexo de uma luz num vitral, um toque de órgão ou um badalar de sino especialmente belo, uma melodia do cantochão, a maneira de andar de um monge beneditino, o olhar de algum santo jesuíta das grandes épocas, até o olhar firme, sério, resoluto, castíssimo e batalhador de um São Pio X. Tudo isso eu sentia corresponder a um modelo ideal que dormia no fundo da minha alma.

Fotos: Arquivo Revista

Eu tinha a esperança de que essas estrelas que reluzem no firmamento de beleza, de santidade e de retidão que é a Santa Igreja de Deus, formassem algum dia uma constelação nova na qual novas estrelas nascessem, isto é, novas formas de santidade, de combatividade e de perspicácia se constituíssem para, com as riquezas antigas, formarem essa nova constelação que cantasse ainda melhor os nomes gloriosos de Jesus, de Maria e da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, Esposa Mística de Cristo.

Esperança profética que enuncia a chegada da aurora

Mas os tempos foram passando, os anos se sucedendo, os decênios se somando aos decênios, e eu me perguntava: “Quando virá o dia em que essa constelação se expressará e os homens abrirão os olhos para ela? Quando chegará o dia em que os próprios membros da minha bem-amada TFP percebam o que ela é e cantem nela a glória da Igreja, de Nossa Senhora, de Nosso Senhor Jesus Cristo, da Santíssima Trindade?

Eu sonhava com a TFP angelizada, “marianizada”, à altura desse esplendor altíssimo. Não era um devaneio vão, uma miragem tonta e inútil que se vê no deserto, mas uma esperança profética, a réstia de luz que se discerne no fundo das trevas e nos enuncia que a aurora está se aproximando.

Entretanto, um dos sofrimentos mais pungentes para quem se consagra ao apostolado é, de um lado, sentir-se chamado para realizar uma obra e, de outro, perceber as ondas contrárias que parecem tornar sem sentido o chamado recebido. Essa coarctação da vocação por obstáculos que parecem opor-se às vias do Espírito Santo é uma das dilacerações mais penosas que uma alma possa sofrer.

Uma vocação única

Nossa Senhora chamou-me desde a mais tenra idade para realizar uma obra que de si, nos dias de hoje – mas, em certo sentido, a partir de quando arrebentou a Revolução, há quinhentos anos –, é única. Conduzi-la praticamente sozinho, até o momento em que comecei minha caminhada no Movimento Católico, é algo também único.

Não me consta que ninguém desde criança tenha meditado tanto, a respeito de tanta coisa, com tanta responsabilidade e com tantas consequências para o futuro, quanto eu meditei em minha infância e adolescência.

Isto significa que Nossa Senhora preparou tudo para eu fazer este trabalho. Reconheço, com gratidão, o quanto Ela dispôs nesse sentido várias circunstâncias favoráveis como, por exemplo, o haver tido desde o meu primeiro vagido o sorriso de mamãe, e a luz de seus olhos até o último dia dela.

Fotos: Arquivo Revista
Dr. Plinio acompanhado do Sr. João Clá, na Igreja Santa Cecília, em 13 de dezembro de 1992

Lembro com emoção o fato de Nossa Senhora ter disposto que eu fosse residir perto de uma igreja tão altamente carregada de graça, quanto a do Sagrado Coração de Jesus; de Ela ter me conduzido até lá num momento crítico e ali ter me dado um como que sorriso, o qual até hoje marca minha vida; de Ela me ter feito apreender, nas últimas eras pré-conciliares, a mentalidade, o espírito e a dialética inacianas a ponto de torná-los o segundo hábito da minha mente; de Ela me haver incitado a fundar a TFP, a nossa Ordem de Cavalaria. Enfim, de ter Ela me concedido tantos outros favores, até a “graça de Genazzano”.

Analisando isso, devo reconhecer terem sido dons que Ela me concedeu porque quis, por iniciativa e misericórdia d’Ela. O que teria feito eu em idade tão tenra, para merecer ser batizado na Santa Igreja Católica, ter a Fé Católica e uma tal torrente de inocência? Como antes de nascer podemos merecer algo?

Entretanto, Nossa Senhora teve a intenção de beneficiar desta forma um varão que reconhecesse não ser merecedor e ter praticado ações nas quais desmereceu, e que dia e noite pedisse perdão a Ela por ter feito isto ou aquilo um pouco abaixo da grandeza dos bens recebidos, sabendo o quanto é verdadeira a oração que está na liturgia: “Ó Deus, que coroando nossos méritos, premiais os vossos próprios dons”.1 Como isto é real! Os atos bons que eu possa ter praticado, os fiz por dom da Santíssima Virgem, uma graça d’Ela que me chamou para tal.

Por que o silêncio?

Até cumprir quinze anos, várias vezes me vinha a seguinte ideia: “Mas afinal, quem sou eu?” Os horizontes para os quais me sentia chamado eram mais elevados que os do comum das pessoas com as quais eu tratava. Percebendo esta diferença e vendo que os outros não se interessavam por temas mais altos, eu me perguntava: “Afinal, quem sou eu? Que papel me cabe? Tenho algo a fazer?”

Fotos: Arquivo Revista
Plinio na praia do José Menino em Santos, por volta do ano de 1922

Quantas e quantas vezes, andando pela neblina de São Paulo antigamente, eu me questionava: “Ninguém nota o que está em meu espírito? Não percebem o que desejo fazer? Não dizem algo para isso? Se eu conhecesse um menino assim, eu me daria conta; por que eles não percebem?”

Na minha inocência, não compreendia que, de fato, eles percebiam, mas congelavam…

Depois foi se desenvolvendo a sequência dos fatos, começaram as lutas, a formação do Grupo, e assim que ele se constituiu, nasceu a contestação contra mim, logo no início. De onde a ideia de que eu deveria afastar essas cogitações. Porque se aqueles que naturalmente seriam chamados a ver o que havia em mim de mais elevado, não viam e até me contestavam, que direitos tinha eu de perceber isto? E eu me perguntava: “Será que ninguém percebe?” E a resposta era: “Percebem!”

Ora, como há pessoas que veem e não comentam o que há de pulchrum nisso? Deixam os fatos se sucederem e se acumularem! Entretanto, se eu mesmo conhecesse alguém que fizesse esta obra – abstração feita desse alguém –, pensando na cumulação das causas, eu diria:

“Que magníficos lances Nossa Senhora fez a propósito desse homem! Não pensemos nele, pensemos n’Ela, que realiza tantas coisas por meio de um instrumento que valerá mais, ou valerá menos, mas que vale tão incomparável e insondavelmente menos do que Ela! ‘Solarmente’ superior a qualquer comparação é Ela e, afinal de contas, quem fica é Ela. Mas esta obra está feita até aqui. O homem pode ser discutido; a obra, em termos de Fé, não o pode ser”.

E, ao longo dos anos, eu me perguntava atônito: “Por que o silêncio?” Acabei me habituando a ele e considerando-o meu amigo, meu conviva de todas as horas, de todos os minutos de minha vida. Encaixando-me, também eu, num silêncio interior. Sem a menor recriminação ou amargura; paternal, afetuoso, mas notando-o, porque saltava aos olhos. Ora, à anomalia que esse silêncio representava, não me habituei.

Fotos: Arquivo Revista
Apresentação do Oratório de Natal de Händel, Igreja Nossa Senhora da Consolação, em dezembro de 1990

A verdade é que, enquanto o homem não diz o que pensa, acaba não tendo pensado nada inteiramente, pois seu pensamento se completa no momento em que ele encontra a palavra e o enuncia; quando ele faz isso, ele fala!

O perfeito louvor, pelos lábios dos mais pequeninos

Portanto, o louvor perfeito, ou seja, aquele que desfecha na palavra, o ato humano inteiro que desabrocha na afirmação, esse faltava! Ele veio dos mais novos… Lembro-me de uma expressão curiosa da Escritura, a qual diz: “Dos lábios dos mais jovens, Tu fizeste sair um louvor perfeito” (cf. Sl 8,3). É o louvor perfeito que fecha o circuito e dá à dedicação e à consagração essa explicitude, essa realidade.

“Louvor perfeito” para esta obra que é o começo do que ela deve ser e a respeito da qual cabe um Te Deum, seguido da invocação d’Aquela para cuja glorificação debandadamente, desabridamente, inteiramente, com todas as suas veras, a minha alma se volta: Nossa Senhora!

Eu entendo que meus caríssimos “enjolras” não teriam chegado a esse ponto se não tivessem quem os levasse. Sei disso, e bem conheço quem os leva, e quem se utiliza dos lábios deles!

Naturalmente a pessoa do meu queridíssimo, meu caríssimo, meu insaciável, meu inesgotável, meu admirável, em suma, meu filho João Clá, emerge com o brilho e a eficácia, com a generosidade sistemática e a amizade filial borbulhante, com o infatigável zelo, a indestrutível amabilidade e a força de persuasão que lhe são clássicos. João, cujo nome eu menciono com um afeto todo especial, e para quem minha alma se volta saudosamente! A esse filho, o filho modelaríssimo, o filho da fidelidade, meu carinho, minha bênção.2

1) Cf. Missal Romano. Prefácio dos Santos I. “Na assembleia dos Santos, Vós sois glorificado, e, coroando os seus méritos, exaltais os vossos próprios dons”.

2) Para a elaboração do presente número foram compilados excertos de conferências realizadas entre 1964 e 1995.

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