Com a institucionalização do Êremo de São Bento, começou um élan que representou um sopro de renovação, atingindo todo o Grupo. Tudo foi se modelando em inteira conformidade com os desejos de Dr. Plinio que, entretanto, nunca havia projetado o que nascia. Ao aludir a esse extraordinário caminho de graças, exclamou a respeito de seu dileto filho, João Clá: “Ó intérprete bom dos meus desígnios e do meu espírito!”
Se é verdade que se podem usar metáforas tiradas das Sagradas Escrituras, eu, da vida do profeta Elias, tiro uma. Nossa história é semelhante à dele: estamos numa seca medonha, numa desolação tremenda, a Terra inteira está gemendo por falta de graças, ou, se não é isso, por falta de correspondência às graças que sobre ela baixam.
Nessa situação terrível, enquanto Elias rezava, uma nuvenzinha se apresentou no horizonte, e ele mandou avisar ao rei: “Tome providências, porque vem uma chuva torrencial” (cf. 1Rs 18, 44). A nuvem era predição de chuva; esta, prenúncio da vitória do profeta; e a realização da profecia, o presságio da vitória de Deus.

Pois bem, em certo sentido da palavra os êremos formados por meu João são essa nuvenzinha. Eu vivi quantos e quantos anos esperando e procurando quem me acompanhasse para a fundação de nossa Ordem de Cavalaria.1 Discreta, mas constante e obstinadamente, não deixei um instante de procurar por isso. Todas as minhas buscas deram em fracasso completo. De onde me pareceria, se não fosse uma graça especial, que eu deveria compreender que essa Ordem de Cavalaria era a ordem da quimera, da impossibilidade.
Eu não imaginava ter diante de mim, um dia, o que então parecia impossível: a constituição dos êremos. É verdade, era impossível! Mas na ponta da impossibilidade havia a convicção de que Nossa Senhora queria isso e que, portanto, Ela faria.

Para isso e para conceder as graças magníficas que concedeu, a Providência Se serviu – em união comigo e em minhas mãos –, do meu querido João Clá como instrumento, assim como para uma série de outros impulsos que o Grupo teve, cada um melhor que o outro.
Na aurora da década de 1970, um presente da Providência
O Êremo de São Bento, por misteriosos desígnios da Providência, estava quase desabitado… Dir-se-ia que os ventos da graça tinham voado em direção a Jasna Gora, com uma surpresa para mim: lá se unificaram os êremos, deixando o São Bento vazio como certos moluscos enormes que, por vezes, encontramos na praia, dos quais o caramujo que vivia dentro saiu, a concha ficou isolada, as ondas a levaram. Mas, enquanto isso se dava, Nossa Senhora preparava outros filhos para penetrarem nessa “concha” e fazerem aquilo que eu sonhara quando o São Bento foi fundado.2 Que outros? E quando? Não haveria temeridade minha em manter esse êremo? O que faziam essas solidões, obstinadamente postas à espera?
E eu pensava de mim para comigo: “Há qualquer coisa de sobrenatural, de extraordinário, que quer ficar aqui, quer morar aqui”. Eu tinha esperança de que o São Bento viveria novas glórias, novos esplendores ali brilhariam e novas marchas dali se iniciariam para a composição do Reino de Maria.
Com seus vastos muros, tão acolhedores, esse lugar dava a impressão de uma velha torre abandonada, carrancuda, dentro da qual fantasmas arrastavam móveis velhos e quebrados. Mas, quando lá entramos, que impressão diversa, que coisa maravilhosa, que jardim e que céu! Muito melhor do que um jardim ou um céu… Que claustro! Que casa de Deus! Que casa de Nossa Senhora!
Uma graça me acolheu desde o momento em que eu transpus os umbrais desse êremo, uma graça na qual eu repousei o espírito exausto dos humores fétidos da Revolução. Um recolhimento pensativo, mas de um pensar fecundo. Um repouso reparador, de uma reparação que nos colhe no fundo da alma e que de fato nos restaura! Tudo isso aqui se reúne.
Esse prédio, tão cheio de harmonias e de mistérios, é uma caixa de surpresa. Se eu soubesse dos insondáveis desígnios da Providência com relação a ele, na aurora da década de 1970, que alegria teria sido para mim! Eu não imaginava que viria um tal remédio, não ousava esperar nem sequer pensar!
Eu considero o São Bento como um presente de Nossa Senhora para mim. E, dentro dele, como uma pedra preciosa no anel, o meu “arquieremita” João. Bem sabemos até que ponto ele tem sido meu instrumento abençoado para a realização de tudo.
Uma ressurreição atinge todo o Grupo…
Faço uma confidência: eu nunca me sentei junto a uma mesa para comentar ou planejar com o meu João sobre como seriam os Êremos de São Bento e Præsto Sum.3 Se fosse feito um projeto a ser executado, nem de longe teria dado o que deu. Se eu, antes da hora, houvesse querido estudar uma solução, não obteria resultado.
O João – que naquele tempo tinha uma irradiação no Grupo muito menor do que adquiriu depois –, aproveitando o São Bento vazio, quis fundar uma instituição eremítica ali, se eu desse licença. Eu disse: “Está muito bom, funde!”

Eu conhecia o bom espírito do meu então jovem João Clá e toda a união de alma dele comigo. Imaginava a respeito dele feitos inesperados. Por exemplo, se me dissessem que ele subiu à torre da Catedral de São Paulo, lançou para baixo uma bandeira comunista e hasteou o estandarte da TFP, eu ouviria com naturalidade, porque dele eu esperava cem mil coisas mais inesperadas.
Ora, no tempo em que no São Bento I4 era vibrante eremita o meu João Clá, eu não dispunha de nenhum dado concreto para imaginar que ele tivesse tão precisa na cabeça toda a série de coisas que posteriormente realizou. Surpreendeu-me! Ele veio a ser, de repente, um organizador, construindo e ordenando tudo de tal maneira que o último pormenor saiu inteiramente de acordo com o que eu queria, sem muitas vezes ele precisar me consultar. E assim deve ser.
É evidente que eu deitei um olhar atentíssimo a tudo. Analisando as coisas saírem da mente, do coração e das mãos do meu João, eu bem percebia a inteira conformidade de vistas dele comigo. Éramos cor unum et anima una, um só coração e uma só alma. Eu prestava contínua atenção e constatava que as coisas corriam por onde eu desejava e desejava por onde elas corriam. E dava graças a Nossa Senhora!
Quando a inteligência e os instintos estão bem ordenados, e as tendências pulsam de acordo com a virtude, as obras maravilhosas vão saindo naturalmente.
Assim, tudo foi se modelando. No São Bento começou um élan que representou um sopro de renovação, um começo de ressurreição que atingiu todo o Grupo e pôs de pé aquilo que estava caído. Desse modo, cortando mil soneiras, rachando inúmeros torpores, escangalhando cem rotinas, fendendo várias camadas geológicas de fatores negativos, o João teve possibilidade de reerguer a experiência eremítica que estava reduzida a zero. Foi, até então, a maior e a melhor proeza dele.
E um dia, um dia… das cinzas do São Bento I foi nascendo e crescendo o São Bento II,5 e com ele tantas outras coisas magníficas!
…ultrapassando os umbrais do êremo
Fui assistindo ao nascimento e à formação desse êremo, mas com que plenitude, que garbo, que esplendor, que integridade de agrado de minha parte, e com quanta esperança! Quanto tem o São Bento para guardar nessas quatro paredes! Guardar em quatro paredes? Eis mais uma surpresa: quando haveríamos de pensar que o nosso hábito começaria a aparecer em público?
O hábito dá glória a Nossa Senhora e impõe às nuvens que se fendam e venha o dia d’Ela. O hábito é o Reino de Maria em seu esplendor, é não só o desejo de que ele nasça, mas é um como que prenúncio de como ele será. Sabendo bem como interpretar o hábito, pode-se medir as pulsações do Reino de Maria. Há no hábito qualquer coisa de completo, de definitivo, que se esboçou por inteiro, que se mostra como é, se afirma e é, ao mesmo tempo, imponderável. Qualquer alteração no hábito seria irremediável.
O único dentre nós a propor uma modificação foi o João, que é “doutor” dos hábitos. Quando ele me sugeriu, eu pensei: “Ó intérprete bom dos meus desígnios e do meu espírito. Está ótimo!” Eu aprovei sem dificuldade, e tudo entrou em funcionamento desde logo.
O valor da vida eremítica
Tenho visto com encanto o Auditório São Miguel cheio de eremitas; e tenho tanta alegria em vê-los reluzir em toda parte, que me lembro de uma reflexão minha na ocasião em que este auditório se fez: “Quando tivermos gente para encher todas as cadeiras vazias, o auditório ficará apresentável. Quando virá? Meu Deus!”
Agora eu encontro o auditório repleto, com uma arquibancada engendrada pelos mil e um jeitos do nosso João, sem falar dos magotes de gente perto da porta, prontos a ocuparem o corredor logo que puderem. Dou-me bem conta de que, dado o modo de ser da geração atual, nada disso seria possível sem a vida eremítica. Se não fosse o hábito, os movimentos, a seriedade, a dignidade e tudo quanto daí se irradia para todos, daria em caos, desordem, atropelo. A vida eremítica, como ela é tocada e se desenvolve, é a espinha dorsal do prolongamento da TFP na geração dos “enjolras”. O João cria um ambiente meio mítico no êremo e sabe apresentar para eles valores que não são os de agora, mas falam num plano meio legendário, meio histórico – é onde se move o João –, e assim consegue entusiasmar as pessoas e mantê-las em estado de luta no terreno da “transesfera” e dos mitos.
O tipo humano que vai nascendo é de primeira ordem. O bom eremita do São Bento tem uma graça pela qual entra nele um equilíbrio. Por exemplo, nunca vi que algum deles propusesse deixar de usar as botas e o hábito em dias quentes. Vejo-os muitas vezes com calor, é natural, mas não noto nenhuma indisposição por estarem revestidos da túnica, o que é uma atitude clamorosamente contrária à dos jovens de hoje! Procurar isso na rua é quimera em ponto de loucura.
Acho também muito bonito o modo pelo qual eles prestam reverência aos que os visitam e como ficam alegres, de uma alegria evidente, quando estamos lá. As bênçãos de Nossa Senhora residem ali, não há como escapar; é extraordinário!
Entre eles não existe nenhuma espécie de “xodó” de um com outro e nenhuma antipatia. Eles não brigam entre si. É um convívio aberto, como deve ser, muito fraterno, em que o bulício da juventude encontra a expansão própria aos “enjolras”, mas sem nada de imaturidade. É sério, ameno, alegre, e não se nota um pingo de amor-próprio, de vontade de se mostrar; tem toda a consistência, uma coisa absolutamente única!
Trata-se de um conjunto heterogêneo, composto de pessoas das mais diferentes classes, mas que na vida eremítica se encaixam perfeitamente. E é preciso vê-los nas movimentações do dia a dia, porque apenas nas cerimônias não se tem uma ideia completa.
Numa ocasião na qual precisei corrigi-los, não houve o menor ressentimento, nada dessas reações imundas: “Nós nos esforçamos, e Dr. Plinio, em vez de nos elogiar, nos puxa a orelha…” Não, é benfazejo. E assim mil outras coisas.
“Entrain” para trabalho e para leitura
A obtenção desse estado de espírito nos mais novos nasce, de fato, de uma técnica.
O modo pelo qual o João ensina os “enjolras” a trabalhar é uma coisa fantástica, é um prodígio! Eles escrevem livros, folheiam, estudam, fazem conferências. Estão se formando ali homens válidos e capazes. O João procura de todos os modos fazer com que eles exteriorizem, o máximo possível, as qualidades que tenham e se envergonhem em não as exteriorizar. Às vezes, tomo contato com um ou outro que conheço pouco; vou prestando atenção – é meu múnus – e acabo por encontrar neles qualidades extraordinárias que não imaginava; ostentando-as com sinceridade – eles não mentem, mas ostentam – podem às vezes até levar a manifestação a um certo exagero, mas no fundo corresponde ao que está na alma deles.
O que o João tem conseguido desses jovens, para que estudem e adquiram conhecimento é de nos deixar surpresos. Como nasce essa incontestável obra intelectual do São Bento e do Præsto Sum? O que o João faz? Lê e comenta os textos com muita vivacidade e inteligência, mas ele mesmo não é um grande leitor; ele é, sobretudo, um grande observador da realidade e um aderente fervoroso das nossas doutrinas. Ele transmite isso aos rapazes, que levam a vida eremítica de bom grado, querem estar ali enclausurados e com isso têm tempo disponível para consagrar à leitura, sem a qual o êremo ficaria insuportável. O João os ajuda a terem gosto pela leitura.
Um dos elementos do sucesso da instituição eremítica é um tonus de força e dedicação, que uma graça de idealismo baseado na Fé põe dentro do São Bento, para o que esse prédio é incomparável e a influência do João Clá é o que é; sem isso, não seria assim. Eles teriam apostilas com doutrina moral que, por si, não dão ao homem o élan próprio a pô-lo em movimento.
Como ele entusiasma, mantém e propulsiona, é uma coisa notável. Notável! Não há como o meu João Clá para entraîneur!6 Percebo que ele dá aos “enjolras” a possibilidade de sentirem alegria, esperança e satisfação numa via boa, que não é a do pecado, do crime e da melancolia. Ele consegue fazê-los amar o bem, o que em matéria de entraînement7 é a grande proeza.
Um modo magnífico de conduzir os jovens
De todas as formas de ação que um homem pode realizar, a mais bela é agir junto às almas, porque são elas o que há de mais precioso no universo. De maneira que tratar com elas, regê-las, dirigi-las, despertar nelas harmonias formosas, levá-las a consonâncias magníficas, é um modo excelente de ser general de Deus, general de Nossa Senhora.
São essas qualidades de general que eu tenho visto no meu João e apreciado sobremaneira. Quando o vejo dirigir a orquestra, fazendo com a batuta aqueles gestos todos – forte e, de repente, piano –, eu me lembro das funções dele para orientar almas e penso: “Aqui estão bem representados os Êremos de São Bento e Præsto Sum: são uma partitura escrita no Céu. São duas sinfonias permanentes de almas que ele vai regulando, ajustando, sabendo a cada passo fazer o gesto necessário para estes não amolecerem, aqueles se entusiasmarem…”
Deus criou todos os eremitas com a intenção de que suas almas fossem regidas assim, deste modo magnífico. Eles têm noção de estarem sendo guiados, e querem sê-lo, para um fim que almejam junto com o maestro, quão harmonioso e melodioso, o meu caro João. E daí vem essa maravilha que eu apreciei de perto e de dentro, pela qual dou graças a Nossa Senhora.
Há outro aspecto: o João é uma pessoa muito limpa, sempre foi, até excepcionalmente limpa de alma e de corpo. Mas eu não imaginava que ele tivesse a compreensão tão perfeita da necessidade da limpeza material quanto a direção dele no São Bento revela.

Ele incentiva o asseio pessoal, tudo no São Bento é limpíssimo. Chego a fazer a análise da limpeza do êremo e não tenho encontrado um lugarzinho de onde se possa dizer: “Aquilo não está direito, não deveria ser como é”. As alabardas e espadas luzem durante os exercícios e cerimônias de um modo perfeito. Se tivéssemos para dormir à noite uma fronha tão limpa quanto aqueles instrumentos, ficaríamos satisfeitos.
É muito interessante o modo de ele ser na arte da correção, como ele se lança por cima de quem ele quer corrigir, de modo inesperado, mas sem nunca brutalizar. É um dom, uma aptidão. Eu às vezes noto que ele deu um apertinho, deixando alguém meio arranhado, aparvalhado e receio que o João leve longe demais as repreensões. Observo e observo, mas não me parece. É feito com uma espécie de doçura de fundo e ninguém se zanga. Nunca ouviram dizer que houve uma revolta de um “enjolras” contra o João Clá. Percebendo que um filho meu sangrou um pouquinho, eu dou graças a Nossa Senhora. Como é bom que haja mãos tão boas e peritas para fazer sangrar!
De outro lado, quem trata com o João não percebe tudo quanto está no espírito dele, porque ele comenta pouco – talvez por um fundo de timidez – e porque, por mais que transmita, ele tem um horizonte muitíssimo maior do que o dos eremitas. Isso não é decorrente de uma falta de receptividade deles, muito menos falta de desejo do João de comunicar, porque tenho a certeza de que não entra uma jogada mesquinha de não querer ensinar “o pulo do gato”. O que existe? Acontece que o líquido precioso contido na cabeça do João não pode derramar-se inteiro na cabeça menor deles. De fato, o porte de alma deles é menor e precisa ser ampliado com o tempo, pois eles não podem ser considerados inteiramente maduros. Por aí se vê como seriam essas duas unidades – São Bento e Præsto Sum – se fossem compostas de “Joãos”.
Um ordo para institucionalizar os costumes
Formado o Êremo de São Bento, ele deveria fazer uma Contra-Revolução tendencial, apresentando um ambiente, um tipo humano e um estilo de ser próprios a uma ruptura completa com o mundo da Revolução. Deveria irradiar isso para o Grupo e, através deste, para o mundo.
Nesse sentido, seria normal Nossa Senhora querer para eles um ordo, a fim de que a proteção eremítica os acompanhasse aonde fossem. E quanto eu almejava essa regra! Ora, as coisas devem nascer a seu tempo, o qual nem sempre é aquele que desejamos, mas é o tempo em que as condições estão prontas para o nascimento. Assim, não mencionei nada nem com o João, e pensei: “Isso nascerá no dia que Nossa Senhora quiser”.

Podem imaginar minha alegria quando o João veio convidar-me para uma reunião, na qual me ofereceriam o ordo redigido. O que há muito eu esperava, afinal recebia, o objeto de um velho desejo, de um desejo-oração. Eu rezei para isso! Quando as coisas nascem assim, são claramente fruto da graça, são dons de Nossa Senhora.
Foi se estabelecendo no Êremo de São Bento um maintien8 que eu tinha curiosidade de ver se iria se dilatar ao Præsto Sum, não favorecido como o São Bento pelas magnificências incontáveis do prédio. E percebi que, graças a Deus, de um comunicava-se muito bem ao outro, e fiquei contente.
O São Bento e o Præsto Sum são êremos geminados, que formam um todo só. Falando de um, falo do outro; falando do mais velho, falo do mais moço; falando da árvore, falo do fruto. O querido Præsto Sum é um local pleno de graças, um desmembramento harmônico do atual São Bento, que desdobra essa chama cheia de luz, de piedade, de vontade de combater, que é o espírito característico dado a eles.
Cerimonial: elevação do espírito ao que há de mais alcandorado
Eu tinha no espírito a noção do quanto a Igreja Católica é a rainha das cerimônias e dos cerimoniais. Nada há de mais belo que o estilo das grandes cerimônias litúrgicas. Mas, pensava eu, se elas são tão bonitas, por que não fazer cerimônias extralitúrgicas? Por que a rotina diária de uma instituição não tem seu cerimonial parecido com a liturgia, seus desfiles, seus cânticos, suas orações, suas proclamações e sua vida? Se a Igreja – a fonte da mais alta qualidade de vida que há, a sobrenatural –, usa a liturgia para comunicar a vida aos seus fiéis, para animá-los, por que a vida civil não há de ter um cerimonial também? Sempre sonhei com “a nossa Ordem de Cavalaria”, com belos cerimoniais.
E muito me alegrei em ver que, através do meu querido João, foram se realizando tão bem esses anseios meus…

O São Bento é o coração do Grupo e, entre aquelas paredes sagradas, começaram a se realizar cerimônias e uma série de outras coisas que o João soube promover excelentemente, com o talento e com as graças especiais que ele tem para isso. É um esforço heroico. Se não fosse ele estar pedalando, não saía! E o que me faz sentir muito confortado é a sensação de que a graça está sendo tratada como deve. Toma-se conhecimento dela pelo lumen do prédio e vive-se em função dela.
O nosso João, com aquele entusiasmo dele, realiza as cerimônias como se fosse a primeira vez, sem se cansar, e como se os eremitas fossem sempre “neófitos”. E faz bem! É uma das marcas da inocência, certas coisas serem sempre como foram em sua origem.
Nas cerimônias, cuja beleza aprecio enormemente, está expresso o espírito do Grupo, pela seriedade e compenetração, pela ligação contínua da alma com os panoramas mais grandiosos oferecidos pela Fé, para a consideração da realidade que nos circunda neste mundo repleto de coisas visíveis e, sobretudo, invisíveis: visibilium omnium et invisibilium – todas as coisas visíveis e invisíveis.

Noto que o estado de espírito dos eremitas é justamente de fé no significado das cerimônias. O espírito, sempre preso ao mais alto e mais alcandorado, haveria de produzir exatamente um rito como os que começaram a ser desenvolvidos. Os gestos, as atitudes, os movimentos e o traje exprimem bem exatamente o que o Grupo deve ser.
Quando o Apocalipse conta a luta que houve no Céu entre anjos malditos e Anjos benditos, diz: “Prœlium magnum factum est in cælo” (Ap 12, 7). Eu digo: “Prœlium magnum factum est in terra”. Uma luta tremenda se faz na Terra!
E por quê? Porque, com o apelo e a direção do meu caro João Clá e a correspondência dos eremitas, os Anjos, através dessa vida de cerimonial, de seriedade e de enlevo, abrem um caminho progressivo pelo qual entram na Terra e executam aquela luta, aquela grande guerra, que não são as escaramuças que os Anjos até agora fizeram contra os demônios, mas é uma batalha para arrasar o mal. Essa batalha nós a queremos mais do que tudo!
Marchas e proclamações, uma invenção “joanífera”
Que alegria ver os cerimoniais magníficos se desenvolverem e, pouco a pouco, penetrarem em nossas reuniões.

Lembro-me da primeira vez que os eremitas entraram no Auditório São Miguel marchando e cantando, de hábito! Nesse dia eu compreendi que Nossa Senhora estendia a mão ao Grupo para retirá-lo de um estado de miséria extrema no qual se encontrava. É colossal!
As marchas começaram a evoluir, sempre executadas de modo muito bonito. A precisão dos movimentos ficou inteiramente adequada, uma coisa notabilíssima. Por exemplo, enquanto eles põem o braço esquerdo em posição, o braço direito se movimenta de um modo elegante, verdadeiramente belo. A cadência não tem nada de lerdo, mas é tão vagarosa quanto o bom senso permite. Tudo bem pensado, com um senso da sã teatralidade estupendo! São as reações da Providência.
E quando começaram a fazer declamações, eu não pensei que entraríamos por essa via. Eu gostei da primeira vez, mas pensei: “Eles declamam duas, três vezes, e isso morre por si; o João e eles inventam outra forma. E como as invenções nas esferas ‘joaníferas’ são incontáveis – ele é o senhor das mil ideias! –, eu não me preocupo nem um pouco como será o lendemain9 disso”.
Assisti a uma proclamação, a duas, a quatro e concluí: “Não é verdade que isso é bonito? Está muito bem feito, bem arranjado, e tem uma complementação original!” Aludo ao modo, ao calor, à técnica, à pluralidade de vozes. Os proclamadores sobre o estrado com vozes excelentes, revestidos de hábito, o todo constituindo uma cena magnífica. Gostei enormemente.
Procuro assim explicar o gáudio que a declamação me dá. Sincera, profundamente sentida, bela, bem organizada, exprimindo no plano temporal o espírito da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. É uma escola. E o João tem o dom de fundar escola para tudo, porque tudo isso tem o dedo dele na raiz.
Com o cerimonial dos êremos, o Reino de Maria luziu para o mundo
Ele transmite, antes de tudo, um espírito que, reluzindo na perfeição dos pormenores, dá o esplendor e deixa a todos estupefatos. Dessa maneira nasce esta obra estupenda em seu conjunto! Ela é tão rica, é um tal tesouro para uma organização como a nossa, chamada a atuar no Reino de Maria, que não se pode falar de Revolução e Contra-Revolução sem conhecer isso.
O bonito é que tudo se faz inteira e meticulosamente conforme o meu espírito. Eu posso afirmar que quando entrei para o Movimento Católico, sem ter imaginado nem esses hábitos, nem essa cerimônia, nem esse claustro, o que eu queria era isso! E agora vejo o Grupo apresentar-se inteiramente da maneira como eu gostaria que ele fosse, a tal ponto que, se uma pessoa tivesse aberto minha cabeça com um serrote para descobrir ali dentro como eu pensava, encontraria tudo quanto está agora realizado, sem tirar nem pôr. Entretanto, eu mesmo planejei e propus pouco; de diretamente dado por mim só tem o hábito. Não fui eu quem tracei os cerimoniais, nem dei instruções. Apenas acompanhei, com uma atenção disfarçada, porque devemos observar como quem não observa e analisar, e até que ponto, o último pormenor, com um ar distendido e afável, de quem não está passando os outros em exame. Faz parte da amenidade da vida.
Nenhuma das evoluções foi idealizada por mim, o que indica exatamente que quem quis interpretar com fidelidade meus desejos, entendeu com perfeição. De fato, o João não teria a mentalidade e o estado de espírito para compreender tão bem o que eu considero a cerimônia ideal – nas nossas atuais condições –, se não fosse uma união de vontade muito grande comigo. De maneira que eu me considero autor maior, ou seja, autor por excelência dessas cerimônias.
Nelas se pratica um verdadeiro exercício espiritual, uma preparação para a hora da “Bagarre”. Dia virá em que os cerimoniais se desdobrarão e trarão, eventualmente – em seus ritos e nas suas celebrações –, as marcas da “Bagarre” que se aproxima e os esplendores do Reino de Maria que vem. O mundo inteiro se alegrará em saber que esse cerimonial foi realizado antes mesmo de a “Bagarre” se desencadear e que o Reino de Maria luziu para o mundo antes de ele ser instaurado.
A realidade por fim se mostra
Mais ou menos como as antigas múmias do Egito, o Grupo viveu durante anos – vivo e real, como as múmias não vivem, mas íntegro como elas são – trazendo seu corpo e sua face de tal maneira cercados de tiras que não se podia saber verdadeiramente o que havia por detrás; agora, por fim, ele se desvenda de mais uma faixa que o circundava. Em qual sentido da palavra? Com as cerimônias realizadas pelos êremos, o Grupo mostra uma parte de sua realidade que os primeiros já entreviam nos momentos iniciais e que, aos poucos, foi se tornando mais clara, mais evidente, mas que encontrava fora e – por que não dizer? – também dentro de casa, em alguma medida, obstáculos para se desvendar por inteiro.
Meu coração transborda de alegria, porque se pode dizer que o Grupo começa verdadeiramente o ato final de seu nascimento. Esse começo me alegra, porque vejo, nas manifestações externas, o Grupo se mostrar como é e, na manifestação interna, os espíritos começarem a chegar àquele último patamar de seriedade, de sacralidade, de lógica, de força, de determinação, de inflexibilidade, de recolhimento, de piedade e de espiritualidade toda posta no Sapiencial e Imaculado Coração de Maria. Eu vejo que isto começa a brilhar e percebo que ainda não é o grosso das graças que descerão no mundo com o “Grand Retour”, mas é a nuvem que o anuncia.
Eis a nuvenzinha que assim já não merece ser chamada, pois tem o tamanho que caminha para médio, e deste para o grande. Cada vez mais se avolumam os acontecimentos, de maneira a podermos esperar que no futuro – cujo dia certo nós não sabemos, mas o qual o calendário de nossa alma vai marcando sempre, e que está se tornando cada vez mais próximo – afinal venha aquilo por nós desejado acima de qualquer outra coisa: o “Grand Retour”, isto é, o Reino de Maria em nós, antes de ele se realizar no mundo.
Os Êremos de São Bento e Præsto Sum foram uma primeira clarinada que antecipa o “Grand-Retour”, e cuja maravilha excede a nossa esperança. O Grupo, como um conjunto, começou a trilhar a via que teria trilhado se houvesse sido fiel e, se Deus quiser, há de continuar sua caminhada até a hora da glória.
Vamos, pois, meus caros, para frente! Nossa Senhora vos abençoará e eu vos acompanharei, acolitado pelo meu esplêndido João Clá, que de um modo tão excelente dirige todo esse rio da TFP que aqui se manifesta.
1) Dr. Plinio, desde o momento em que concebeu a luta contra a Revolução, em menino, passou a esboçar em seu interior o perfil da fundação que almejava: não uma Ordem de contemplativos, à maneira dos beneditinos ou dos cartuxos, mas algo que tivesse as características de uma Ordem de Cavalaria, pela combatividade e ódio ao mal, além de uma acentuada sacralidade, exteriorizada em costumes e cerimônias.
2) No ano de 1968.
3) Êremo Præsto Sum, situado numa espaçosa chácara no Bairro Santana, em São Paulo.
4) Designa-se como São Bento I a primeira tentativa, não correspondida, da fundação da vida eremítica.
5) São Bento II foi a restauração da vida eremítica no prédio do Êremo de São Bento. Essa nova fundação ocorreu em 7 de março de 1977.
6) Do francês: formador que entusiasma.
7) Do francês: formação com entusiasmo.
8) Do francês: maneira como uma pessoa se porta em sociedade.
9) Do francês: o dia de amanhã.