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III – Confiança inabalável em meio ao aparente desmentido da promessa

Dentre o conjunto de infortúnios que se abateu sobre Dr. Plinio, nada o preocupou mais que a insensibilidade em relação às promessas de Nossa Senhora. Ora, a mesma mão virginal de Maria que parecia distanciar-se, na realidade, sustentava-o na prova e na aridez.

A provação era colossal.

Quando voltei à consciência de maneira mais estável, veio à mente toda a problemática a respeito do que ocorrera. Fiz-me duas perguntas, as quais não quis expor a terceiros por desconfiar de que não me responderiam a verdade. Primeira: “O que restava fisicamente de mim?” Segunda: “Qual teria sido a causa daquele acidente?”

Análise da própria situação após o trauma físico

Percebi que as minhas duas mãos se tinham machucado seriamente, estavam enfaixadas e meus braços presos com gesso. Portanto, haviam se quebrado. Os enfermeiros precisavam dar-me a comida na boca, como para uma criança.

Numa de minhas pernas sentia algo de esquisito. Não me contaram na ocasião, mas tinham realizado uma operação na bacia, colocando um pino de ferro que atravessava a perna esquerda de lado a lado, impedindo-me o movimento. Fui condenado a ficar dois meses deitado numa cama, sem poder me mover, com a bacia fraturada e o aviso dos médicos de que a imobilidade poderia causar-me uma pneumonia.

Lembro-me também de um dia em que repórteres quiseram me fotografar. Eu me sentia como um verme, deitado numa cama, todo quebrado e ainda tendo de esconder o infortúnio, para não ser fotografado.

Por outro lado, o regime alimentar era muito severo. Não me faltava nada que não me aborrecesse. O trauma do drama físico de um acidente é tremendo.

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Quadro de Mater Boni Consilii colocado no móvel em frente à cama de Dr. Plinio no Primeiro Andar

Compreendi que havia sido algo muito grave. Comecei a prestar atenção no coração e nos órgãos da caixa torácica, e percebi estarem em perfeita ordem. Então pensei: “Gravíssimo não foi, porque se essa caixa vital funciona bem, por causa das pernas e braços ninguém perde a vida. Tenho condições de continuar a viver. Isso é o essencial”.

O alento se afastava…

Qual teria sido a causa daquela situação? Não me recordava do que tinha acontecido, como havia se dado o desastre e nem pude perguntar. A preocupação que me assaltou logo ao me recompor, no hospital e depois em casa, foi a questão do apagamento das imagens de Nossa Senhora de Genazzano e da Sagrada Imagem.

Genazzano era para mim a promessa! A graça obtida por Nossa Senhora sob esta invocação tinha imponderáveis pelos quais entendi que se me sobreviesse uma provação muito grande, eu receberia algum sinal de que esse sofrimento era enviado por Ela. Ora, onde estava o tal sinal da Providência? Nenhum! Zero!

Com isso, se punha a provação: “Como fica a proteção de Nossa Senhora de Genazzano? Ela que é a protetora, Ela que arranja tudo… agora estou eu nesta tragédia!” E aquela graça que tinha sido o meu alento contra as angústias durante vários anos, como que se afastava de mim… O que aparecia não eram os sinais da esperança, mas os da cólera.

Puseram em meu quarto no hospital a Sagrada Imagem, que nesse tempo estava em São Paulo. Para mim era como uma boneca de barro, sem expressão nenhuma. Os outros olhavam para ela e se comoviam; a mim ela não dizia nada. Tudo era negativo.

Eu rezava e comungava como de costume, mas as imagens de Nossa Senhora não me comunicavam nada. Eu fiz o seguinte raciocínio: “Afinal de contas, a respeito de Genazzano eu recebi uma graça, mas não tenho o direito de considerá-la como tão indiscutível. Ou eu me iludi, mas não posso me convencer de me ter iludido, ou então prevariquei em algo e a promessa de Genazzano não se realizará. E o sinal é esse: o espatifamento completo do Grupo de um lado e, de outro, eu aqui neste estado”.

O grande problema para mim era esse e, consequentemente, o cumprimento de minha vocação. Se me operavam ou não, se ficaria coxo ou manco, se cortariam ou não a perna, se o braço paralítico se endireitaria, isso forçosamente me vinha ao espírito, mas não era o grande problema para mim.

Discreto sorriso da Virgem de Fátima

Certa vez, eu estava deitado na cama fazendo uma oração em meio à grande aridez, diante de um pôster de Nossa Senhora de Fátima. E disse a Nossa Senhora que, apesar da insensibilidade total e inteiro silêncio d’Ela, eu oferecia a Ela o que Ela quisesse, como quisesse; mas pedia, se fosse vontade d’Ela, que remediasse a situação e, sobretudo, impedisse agravamentos.

O pôster continuou exatamente como estava, mas num certo momento da oração, parecia-me que Nossa Senhora me sorria um pouco e me dizia: “Você terá seu período abreviado”. Foi enquanto eu recitava: “Si quæris Cœlum, anima, Mariæ nomen invoca”.1 Nessa poesiazinha tão popular, bonita, a consonância foi: “Se você quer uma paz, um Céu para sua alma, invoca o nome de Maria, apesar de tudo”.

O Sr. João Clá estava com mais alguém do lado de fora do quarto, observando, e me disse que notaram estar se passando algo comigo. Ele permaneceu fora, o outro entrou perguntando se havia acontecido alguma coisa. De fato, aquela estampa me auxiliou enormemente no momento mais crítico de minha provação.

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Dr. Plinio no quarto de Dona Lucilia, durante o período de sua convalescença

Fatos prenunciativos de um suposto castigo

Um belo dia, alguém conversando em casa comigo narrou-me ter havido nesse período de minha convalescença vários fatos impressionantes com imagens de Nossa Senhora pertencentes ao Grupo: um quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho caíra de modo insólito no Auditório São Miguel, estalando o vidro; fato análogo acontecera em outra Sede. Em duas capelas de nossas Sedes houvera incêndio, numa das quais uma imagem de Nossa Senhora ficara danificada.

Essa pessoa não conhecia – porque não contei a ninguém – a aridez e a secura em que eu estava em relação às imagens, e, por conseguinte, não imaginou que com isso agravava muito as minhas preocupações. Eu me perguntava: “O que terá acontecido? Será uma maldição? Quem sabe se tudo isso é um castigo e o culpado sou eu?” Dava uma impressão de cólera, e, portanto, causava pavor e terror.

Certa noite, aconteceu um fato ainda mais trágico.

Noites intérminas de insônia

Por questão de barulho da rua, eu utilizava uma cama no quarto de mamãe e, na parede de minha cabeceira, estava pendurado um quadro de Nossa Senhora de Genazzano. Ora, um dos tormentos de minha situação era que à noite eu não conseguia conciliar o sono e dormia durante o dia.

Às noites, eu permanecia no escuro, sem poder me mover na cama e sequer chamar o enfermeiro, porque estava com os braços imobilizados. Assim, não era possível manobrar uma campainha ou acender a luz. Além disso eu não queria que me vissem acordado para não preocupar ninguém.

Eu não podia e nem conseguia ler alguma coisa, pois o choque me desequilibrara a vista, e de tudo quanto eu tinha sofrido, restava-me um certo estrabismo que me dificultava a leitura; os óculos não me serviam, precisavam de um reajuste das lentes, mas não podia ir ao oculista… De maneira que nada tinha a fazer senão deixar o tempo correr no tédio, na imobilidade, com as duas mãos na tipoia, uma perna estendida. E eram noites em que eu ouvia o cuco tocar, anunciando a lenta ronda das horas intermináveis dançando em torno de mim.

Perspectiva de um aviso trágico e ameaçador

Durante uma dessas noites de insônia, de repente ouço um enorme ruído, e percebo que entre a parede e o encosto de minha cama, o quadro de Nossa Senhora de Genazzano havia caído no chão estrepitosamente; tratava-se do próprio quadro que tinha me sorrido por ocasião da minha doença anterior. Era tarde, e não quis incomodar meu enfermeiro que estava descansando em quarto vizinho ao meu, então deixei passar.

Não tinha explicação para o fato; na calma da noite não houvera o menor terremoto, não passara nenhum caminhão na rua ao lado, não acontecera absolutamente nada. Procurei lembrar-me de como o quadro estava suspenso à parede; se estivesse preso por um cordão, podia ser uma casualidade, uma coincidência, porque a moldura era muito pesada, já que eu tinha mandado revestir o lado de trás de uma chapa dupla de madeira, por razões práticas, para evitar qualquer dilaceração. Quem sabe se o cordão não estava deteriorado e, sendo fino, talvez um pouco frágil, tivesse se rompido?

Lembrei-me, entretanto, de que minha irmã havia recomendando, por ocasião de uma reforma na casa, que pendurassem todos os quadros com arame, por ser mais resistente que os cordéis. Se o quadro estivesse preso por um arame, não havia razão para ele cair, já que não teria peso suficiente para rompê-lo. E, portanto, sua ruptura seria uma espécie de verdadeiro milagre ameaçador, funesto, mais um sinal certo da cólera de Deus, uma clara manifestação de desagrado de Nossa Senhora de Genazzano que se exprimia por essa forma. Tive a seguinte impressão: “Aqui há um aviso. Não será um castigo? Eu desagradei Nossa Senhora em algo, Ela me puniu por essa retração e agora avisa que minhas atuais disposições não hão de melhorar, serei arrasado, e não se cumprirá o que eu espero…”

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Dr. Plinio diante da Sagrada Imagem no Primeiro Andar, em 9 de abril de 1975

E não consegui dormir, fiquei com mais essa aflição, aquela dúvida na cabeça, e pensava: “Preciso aguentar isso com calma, para não fazer mal à minha saúde; devo salvá-la, custe o que custar, para continuar a lutar. Então, quieto!”

Passei essa noite, vamos dizer, aflito sim, mas inteiramente tranquilo, apesar de tudo quanto havia. Não se pode imaginar para uma pessoa nas minhas condições o que era uma noite dessas a ser aguentada com calma! Transcorreram as horas… Quando afinal amanheceu, entrou o café e mandei ver o que tinha acontecido:

— Veja um pouquinho como o arame detrás da imagem se rompeu.

A pessoa foi examinar e, com certo alívio, disse:

— Não é arame, é um cordão.

— Mas como um cordão? Não tem arame?

— Não.

E me mostrou que era, de fato, um cordão de plástico já desgastado, que havia se rompido pela ação do peso do quadro. Verifiquei que era mesmo. Alívio…! Ao menos isso me serviu um pouco de arejamento. Não era um aviso trágico. Mas Nossa Senhora permitiu que até a perspectiva desse aviso desabasse sobre mim naquelas condições terríveis.

Durante essa mesma noite eu tinha raciocinado: “Ela é Mãe de Misericórdia e a oração do Memorare diz que seja quem for a pessoa que reze a Ela pedindo um auxílio, por mais desvalido que seja, será atendido. Misericórdia Ela há de ter e não Se terá esquecido da promessa que Ela me fez; se eu me lembro dessa promessa é por uma graça d’Ela. Se Ela me dá graça para eu me lembrar é porque Ela mesma não quis cancelá-la. Então, o que eu devo fazer para servi-La? Fazer o possível para manter minha vida e, para tal, tenho de colaborar com a esperança. Logo, continuarei a confiar. Não sei no quê, mas me mantendo sereno e confiante como se a graça de Genazzano não estivesse desmentida”.

Embora eu já não tivesse razão tão inconcussa para crer nela, havia um fragmento de razão, mas apenas isso. E de manhã ainda pensei: “É o regime de Genazzano que continua: é o apuro junto ao qual a gente se esfrega e parece arrebentar, mas que depois tem uma explicação”.

1) Do latim: “Se queres o Céu, ó alma, invoca o nome de Maria”. Responsório dos Salmos do Nome de Maria.

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