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IV – Ainda que caminhe no vale da morte, confiarei em Vós!

Às vezes Nossa Senhora parece eclipsar-se, mas tal como na vida de Dr. Plinio, é nos momentos de maior aridez que Ela se faz mais presente, dando forças e serenidade para enfrentar todas as dificuldades.

Fui melhorando gradualmente. Afinal, foi-me possível levantar da cama, indo para a cadeira de rodas.

Primeira saída: ao oftalmologista

Certo dia me levaram para o meu escritório e me sentaram no sofá. A impressão que eu tinha, quando estava de cama, é que, quando chegasse a hora de me levantar, poderia me mover à vontade como qualquer um. Mas não sei que efeito produziu a imobilidade nos meus músculos, pois me senti como uma múmia egípcia inteiramente amarrada de alto a baixo, de modo que eu não podia sequer mudar de posição.

Aos poucos eu me preparava para começar minha vida normal. Para mim, seria uma verdadeira alegria poder sair de automóvel, coisa aspirada intensamente por quem esteve doente, sobretudo com a perna e o braço esticados em posição troglodítica, durante dois meses.

Na primeira vez que consegui sair de casa, quis ir a um oftalmologista e, com base nos exames, poder mandar fazer óculos adequados para retomar as leituras.

Se há algo pacífico no mundo é a visita a um oftalmologista, mas eu fui com medo pela seguinte razão: toda vida tive pânico, horror de injeção nos olhos. Fui formado pela falsa ideia de que os olhos são mais ou menos como um ovo: se alguém meter um alfinete, escorre tudo o que há no globo ocular, o olho murcha e a pessoa fica cega.

Arquivo Revista
Dr. Plinio tomando refeição em 9 de abril de 1975

Cheguei ao oftalmologista carregado, ainda todo enfaixado. Expliquei-lhe o que eu tinha e ele logo pediu para a secretária pegar algumas seringas para injeção.

Ela voltou com uma bandejinha, com uma toalhinha a mais ornada possível – tudo tão bem arranjado como se ela fosse servir bombons numa bonbonnière para eu comer – e em cima havia cinco seringas. O médico me avisou que precisava aplicar uma injeção nas minhas vistas.

Eu tive que me conter, e pensei: “Meu Deus, mais essa!?” Nem perguntei por quê, e mandei que fizesse logo.

Tive a impressão de que desfaleceria. Mas, de repente, graças a Nossa Senhora, naquele momento me invadiu uma força muito grande, tive uma tranquilidade extraordinária para enfrentar aquilo. Com uma calma que eu nunca tinha imaginado, deixei o médico meter a agulha no meu olho. As injeções eram muito mais inócuas do que eu pensava.

Arquivo Revista
Notícias relativas ao estrondo publicitário movido contra a TFP, em 1975

Ele injetou um líquido não no globo ocular, mas no canal lacrimal de cada olho, mexeu ali como quis para ver se estava obstruída a saída das lágrimas; e eu percebi que a água que saía da agulha passava pelo canal e escorria sobre o rosto. Ao tirar a agulha, disse-me que havia aplicado a injeção para ver como estava o conduto. Caso este tivesse um pouquinho de poeira da estrada ou qualquer outra coisa, seria preciso fazer uma operação no canal lacrimal – não era bem no olho – para tirar de dentro esse cisco; porém encontrava-se completamente desobstruído.

Um grande padecimento

Todas as manhãs eu mandava que me lessem o jornal. Naquele dia, antes de sair para o oftalmologista, tomei conhecimento de uma notazinha publicada a respeito de um começo de estrondo contra a TFP, no Rio Grande do Sul. Pelo modo de ser dada a notícia, senti que uma campanha debandada, colossal, estava vindo por cima de nós.

Fui ao médico muito mais preocupado com o estrondo do que com o estrabismo que, enfim, de um modo ou de outro, se corrigiria. E quando meu carro chegou ao consultório, lembro-me de que estava raciocinando isto: “A notícia de hoje de manhã é tal, que se diria estar vindo um estrondo de grandes proporções”. Voltei para casa e passei o dia inteiro na expectativa da publicação do dia seguinte.

De fato, a partir daí começou a pancadaria. Desatou-se um estrondo horroroso, de arrasar, o mais impressionante que houve contra o Grupo até hoje. E o maior sofrimento não foi o desastre, mas o estrondo, talvez o maior padecimento de minha vida, de eu me contorcer de dor, espiritualmente, como um verme, uma coisa horrível! Eu, com os restos do desastre pesando e de outras coisas que iam caindo em cima. Além disso, vendo aquela modorra e aquela indiferença no Grupo.

A partir daí começou uma série de medidas persecutórias. A hora mais trágica foi quando se iniciou um movimento pedindo o fechamento do Grupo. Eu então comecei a tomar providências, telefonando para conhecidos para pedir que nos ajudassem. Eu nem podia segurar o telefone, alguém o colocava no meu ouvido, e eu falava. Mas não tive meio de evitar o fechamento… O que o evitou foi um milagre.

Arquivo Revista
Dr. Plinio em 3 de fevereiro de 1984

Tormentas dessa natureza, às pilhas, houve nesse período.

O papel da confiança

Por incrível que seja, graças a Nossa Senhora eu atravessei o estrondo sempre com a retração daquelas graças, mas com paz, com uma serenidade sem a qual teria morrido naquela ocasião, fundada apenas no desejo enorme de que a vocação continuasse e, portanto, uma serenidade mantida na recordação das graças que tinham passado a ser duvidosas.

Ajudou-me incomparavelmente a suavidade, a resignação e o perfume moral da presença de mamãe. Estou certo de que a grande tranquilidade e segurança que eu tive no desastre não me abandonaram um instante graças à intercessão dela. Eu devia esperar que a perna, a bacia e os braços quebrados, os olhos, enfim, tudo voltasse ao normal.

Era necessário ter, em meio a tudo isso, uma grande confiança que, eu creio bem, mamãe me conseguiu pedindo a Nossa Senhora de Genazzano.

Se mesmo durante esse período de eclipse – para me exprimir assim –, da “graça de Genazzano”, eu não tivesse conservado algo de confiança, não teria aguentado. Os infortúnios todos se acumulavam em cima de mim numa debandada incrível. Mas me foi possível, exatamente por causa dessa graça, do que ficava dela, encontrar forças para enfrentar a situação.

A nada disso eu teria resistido se não fosse Nossa Senhora me dar sempre esse fundo de confiança… Confiança em quê? Em que a mensagem contida naquela graça se realizaria, ou seja, eu não morreria antes de realizar a minha vocação.

Nove anos de espera, sem nada compreender…

Só ao cabo de nove ou dez anos soube, por uma circunstância inteiramente fortuita, que o dia do desastre coincidia com a festa do Bem-aventurado Stefano Bellesini, um religioso do século XIX que habitou em Genazzano, onde foi também vigário, o mais célebre dos devotos de Nossa Senhora do Bom Conselho e que se tornou bem-aventurado à luz d’Ela, fato que restaurava o quadro que as dúvidas não consentidas, mas veementes, perturbavam.

Quando, naquela manhã de fevereiro, aniversário do desastre, passei por uma das nossas capelas, sentei-me lá e um rapaz veio me trazendo a relíquia do Santo do dia acompanhada de uma nota sobre ele: era o Bem-aventurado Stefano Bellesini.

Mandei telefonar aos agostinianos e perguntar qual era o dia de sua festa. Era, com efeito, no dia 3 de fevereiro. Estava inteiramente confirmado. Aquele tinha sido o dia do meu desastre, e pensei: “Mas como? Nunca me passou pela cabeça a coincidência das datas!” O que indicava a ponta do dedo de Nossa Senhora no acidente que sofri, como quem diz: “Meu filho, aquilo não foi uma coisa contra as regras de Genazzano, mas um requinte dessas regras”. Foram nove anos de espera, sem eu compreender o que havia sucedido.

Fiquei muito contente em constatar essa coincidência de datas, a tal ponto que mandei tirar a relíquia dele de uma das minhas caixas de relíquias e não a larguei mais por um minuto, agradecendo a Nossa Senhora de Genazzano por ter sabido disso nove anos depois. Eu agradeço a Ela porque não soube e agradeço porque soube. Não sabendo, sofri mais; sabendo, tive uma alegria.

Arquivo Revista

De lá para cá, naturalmente, adquiri maior decisão, mais energia no enfrentar os obstáculos e, ao mesmo tempo, as provações foram aumentando; mas já com a confiança bem esteada e, portanto, com a possibilidade de enfrentar qualquer coisa.

Apesar do apagamento, a “graça de Genazzano” permanecia incólume

A segunda luta – a primeira foi o desastre; a segunda, o estrondo – deixou suas cicatrizes durarem até o momento em que eu pude recompor bem o movimento da graça. Fazendo recentemente um balanço de tudo quanto se passou por ocasião do estrondo, começou a abrir-se um pouco de clareira nos meus olhos e verifiquei que Nossa Senhora continuou a agir conosco e comigo durante esse período, exatamente do modo miraculoso com que Ela agia antes daquele apagamento.

E várias, várias e várias coisas daquela época começaram a me vir ao espírito, e verifiquei que, apesar do desbotamento, a “graça de Genazzano” continuava. O perigo chegava até mim, expirava sem devorar-me, deixando a vocação prosseguir o caminho.

Ou seja, a graça não me abandonou, mas deixou-me na situação de julgar que ela não era autêntica. E como isso se cravava no âmago da minha alma! Porque, ou vivo para a vocação, ou sou um palhaço…

Aos sábados, quando me dirigia de cadeira de rodas para a Reunião de Recortes, tratava a respeito do estrondo, e em certa ocasião cheguei a afirmar o seguinte: “Eu sou todo dor, em mim não há outra coisa a não ser dor”.

Uma caminhada pela dor

Não há dúvida: quem quer fazer avançar uma obra como a nossa não pode apenas ser um profeta, mas tem que dar seu próprio sangue. É uma longa caminhada pela dor que depois se transforma numa caminhada pelo exílio e, depois deste, a aparência de frustração: “As graças não eram nada!” Caminhando, caminhando, caminhando: “Et si ambulavero in medio umbræ mortis, non timebo mala – ainda que eu caminhe nas sombras da morte, não temerei os males”(Sl 22, 4), e “in lumine tuo, videbimus lumen – na vossa luz veremos a luz” (Sl 35, 10).

Se Nossa Senhora quis isso, eu canto o Magnificat e dou por muito bem empregada qualquer coisa que Ela tenha feito. Ainda que tivesse me levado, eu A glorificaria pela sublime intransigência d’Ela para comigo.

Quem sabe se Ela, misericordiosamente, quis servir-se dessa dor, não da morte, mas das sombras da morte, e das sombras, portanto, da vocação não realizada, para ajudar a reerguer o Grupo? É possível. Depois disso, é fato que ele teve um florescimento extraordinário e chegou até onde está hoje.

Está aí a explicação, quase a história de uma vida, a história de um homem em função de uma graça. É até onde eu posso narrar na ordem do recente. Se eu fosse contar todas as coisas que houve, grandes e pequenas, ao longo desse período…! Eu fui até os limites do que eu poderia ir; sem embargo, continuei a enfrentar minha vida e cheguei até aqui pela graça de Nossa Senhora.

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