Nos alicerces da História do Brasil refulge a Mãe do Bom Conselho. E sob essa invocação Nossa Senhora parece dizer a seus fiéis: “Confiem, rezem, esperem… e serão atendidos!
A imagem ou a invocação de Nossa Senhora do Bom Conselho tem uma especial relação com o Brasil. Vários fatos o atestam e farei ler dois deles.
Uma graça que marcou a História do Brasil
O primeiro diz respeito a toda a história deste país, porque se relaciona com a vocação daquele que é por excelência o apóstolo do Brasil, o Bem-aventurado1 Pe. José de Anchieta.
O segundo faz referência ao Estado de São Paulo e, mais especialmente, ao Colégio São Luís, localizado na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, onde se encontra uma pintura de Nossa Senhora do Bom Conselho imediatamente relacionada com o fato que vai ser narrado.
Eu desejava que fosse lida, antes de tudo, uma narração da graça recebida pelo Pe. Anchieta.2

A fim de não se enganar em determinação tão relevante [sobre a escolha de sua carreira], e para alcançar do Altíssimo as luzes que havia mister, redobrou as orações e penitências.
E, pois, sabia que, em tais conjunturas, muito lhe importava um guia prudente e sábio, que tivesse profundo conhecimento do coração humano e grande experiência, sem mais detença foi ter com o seu diretor espiritual, pedindo o seu conselho.
Mas o que sobretudo ele implorou, foi o auxílio d’Aquela ínclita Senhora que a Santa Igreja invoca sob o título de Mãe do Bom Conselho.
Passava ao pé de seus altares longas horas de oração. E não contente só de suplicá-la, quis, por assim dizer, extorquir-lhe o favor que desejava…
É típico da devoção a Nossa Senhora do Bom Conselho Ela fazer esperar tanto, sendo preciso rezar muito para extorquir, por assim dizer, o favor que se pede. Mas aí vem a confiança: “Eu estou querendo extorquir e Ela se compraz em ser extorquida. Por causa disso, um dia virá o que eu estou pedindo”.
…e como que lhe excitar a generosidade, dedicando-lhe o que ele tinha de mais precioso. Foi, pois, prostrar-se a seus pés, e depois de haver-lhe exposto, entre suspiros e lágrimas as dúvidas e perplexidades que o angustiavam, consagrou-lhe, com voto perpétuo, sua virgindade como vítima e holocausto em sua honra.
Tão magnânima resolução da parte de um mancebo de apenas dezessete anos…
Vejam que grandes coisas se podem fazer aos dezessete anos e ainda muito antes disso.
…com o Coração de Maria lhe ganhou também o de seu Divino Filho. Em um instante desvaneceram-se suas dúvidas, sentiu em sua alma uma paz e tranquilidade inefável, e experimentou desde esse ponto tão extraordinário atrativo ao estado religioso, que tudo parecia conspirar para fortalecer e arraigar nele uma tal vocação.
O resultado foi que o grande Pe. Anchieta tornou-se sacerdote da Companhia de Jesus, e, junto com o Pe. Nóbrega, foi um dos fundadores da cidade de São Paulo e o grande apóstolo dos índios no Brasil.
Um jesuíta brasileiro
A Mãe do Bom Conselho na Terra de Santa Cruz3
Brasil! Quem pensava nele quando Petruccia rezava junto aos muros inacabados de sua igreja à espera da Santa Imagem? Quem poderia suspeitar que ele existisse quando Scanderbeg, sob a proteção de Nossa Senhora de Scutari, derrotava o traidor Hamsa, ou o renegado Balabão? No entanto, a Fé católica foi-nos trazida pelas naus portuguesas. E com a fé, a devoção a Maria Santíssima, Mãe extremosíssima e bondosa, venerada, entre outras invocações, como Mãe do Bom Conselho.
Hoje, em muitos lugares deste País, imenso como um continente, são veneradas imagens ou quadros de Nossa Senhora do Bom Conselho. E “Bom Conselho” é o glorioso nome ostentado por uma cidade do interior do Estado de Pernambuco. No convento fundado nessa cidade existe um quadro de Nossa Senhora, cultuado sob a invocação de Mater Boni Consilii a Genazzano.
Entre as múltiplas reproduções do santo afresco, uma há que mostra ter sido o Brasil objeto de especial proteção, pois foi a própria Mãe do Bom Conselho quem quis enviá-la.
Um brasileiro na Itália
Em 1760, o Rei de Portugal expulsou de seus domínios de aquém e além-mar a Companhia de Jesus. Integravam a falange dos filhos de Santo Inácio no ultramar, mais precisamente no Brasil, dois irmãos, os noviços Miguel e José. Eram da família Campos Lara, uma das mais distintas da cidade de Itu, no Estado de São Paulo.
Queriam os dois noviços acompanhar no desterro a seus irmãos de vocação. A família, os amigos e os conhecidos consideravam um exagero que os dois irmãos, ainda tão jovens, partissem para o exílio. Bem que podiam fazer-se sacerdotes noutra ordem religiosa… Árdua e penosa discussão, na qual prevaleceu a fidelidade ao chamado de Deus. Os irmãos Campos Lara partiram enfim para Roma, junto com os jesuítas.
Aqui aparece uma primeira dificuldade: a Companhia de Jesus é dissolvida. Como, então, tornar-se jesuíta?
Havia ainda algumas casas da Companhia de Jesus nos Estados Pontifícios, um reino direto dos Papas naqueles tempos.
Então a solução para os jesuítas do Reino de Portugal, expulsos pelo infame Marquês de Pombal4 de todos os territórios da coroa portuguesa, era esperar que pelo menos nas terras pontifícias a Companhia continuasse a existir, de maneira que aqueles que tivessem desejo de ser jesuítas ali, poderiam sê-lo.
Considerando isso, os dois irmãos Campos Lara resolveram ir para o exílio.
Fechamento da Companhia de Jesus
Na Itália, ao terminarem seus estudos receberam a ordenação sacerdotal. Pouco tempo depois faleceu Miguel. Quanto a José, foi enviado por seus superiores a vários lugares.
Porém, os governos da época vinham exercendo fortes pressões para que o Papa declarasse extinta a Companhia de Jesus. As coisas chegaram a tal ponto que, em 1773, Clemente XIV fechou-a. Após treze anos de desterro, apresentava-se agora uma situação inesperada para o Pe. José de Campos Lara.

Vejam a situação desse padre. Ele esperava entrar na Companhia de Jesus e ela é fechada mais ou menos por toda a parte, exceto nos Estados Pontifícios. Ele vai com seu irmão para lá, começa a fazer estudos, chega a se ordenar sacerdote. Mas durante esse tempo surge um obstáculo: o irmão que era seu apoio e sua ajuda na santa intenção de se tornarem ambos sacerdotes da Companhia de Jesus, morre, e ele fica sozinho.
E as dificuldades continuam.
Era o próprio Vigário de Cristo, a cujo serviço se consagrara nas fileiras de Santo Inácio, que parecia afastá-lo para longe.
A vida não foi fácil desde então. Era preciso ter uma fé alcandorada e um alto heroísmo para perseverar em condições tão adversas.
Transcorreram assim os anos. Completou-se um lustro, e depois mais outro: dez longos anos sem família, sem amigos, longe da pátria e órfão de sua própria ordem religiosa. Dez anos em meio a um mundo emoliente e bajulador, que sussurrava a cada instante:
“Esqueça os idealismos vãos! Deixe os preconceitos do passado! Este é o século das luzes e da liberdade! Procure uma esposa – ou uma companheira –, trabalhe com aparência de honestidade e aproveite esta breve vida! Você ainda é jovem e inteligente!…”
A Europa, na procura contínua do gozo da vida, deslizava displicente rumo aos horrores da Revolução Francesa e às encarniçadas guerras napoleônicas.
O Papa Clemente XIV fechou a Companhia de Jesus, de maneira que mesmo esse toquinho de vela que ainda estava aceso, foi apagado, foi assoprado pelos lábios augustos do Vigário de Cristo.
O que restava? Restava, ao que parece, voltar para o Brasil. Mas, se bem que a família quisesse muito isto, ele não queria, movido com certeza pela graça de Deus. Por causa disso, sempre relutando contra o curso dos acontecimentos heroicamente, singelamente, mas invencivelmente.
Eu creio que seria o caso, algum dia, de pensar num processo de beatificação e depois de canonização desse irmão Campos Lara.
Guiado por um Anjo, retorna ao Brasil…
O inesperado encontro nas areias da praia
Em 1785, fazia doze anos que José de Campos Lara vestira pela última vez a batina – para não dizer o uniforme – da milícia de Santo Inácio.
Ou seja, depois de ter sido ordenado padre, teve de tirar a batina porque a Companhia de Jesus estava extinta.
E fazia vinte e cinco anos que deixara o Brasil! Certo dia passeava pensativo por uma praia deserta. O agradável rumorejar das ondas era um suave lenimento para suas dores e preocupações.
De repente, depara-se com um jovem que o aborda. Trocam cumprimentos, e o rapaz lhe oferece um quadro a óleo representando a Mãe do Bom Conselho, dizendo-lhe que o levasse para o Brasil.

O Pe. Campos Lara tinha resistido até então de voltar para o Brasil. De repente, esse jovem lhe oferece o quadro. Ele sente que aí há alguma coisa da Providência e aceita.
E ao mesmo tempo lhe anuncia que no lugar onde Ela fosse venerada erguer-se-ia um dia um grande colégio jesuíta. Responde-lhe o surpreso sacerdote não dispor de recursos para a viagem. Mas o jovem desconhecido garante-lhe que o comandante de um navio prestes a levantar ferro o admitiria gratuitamente. Consolado com essa notícia, quer o Pe. Campos Lara despedir-se de seu interlocutor, mas eis que este desaparece ante seus olhos!
Com certeza era um Anjo que por ordem de Deus levava esse quadro para vir para o Brasil. Quadro pintado não se sabe onde. Da própria beleza esplendorosa da abóbada celeste?
Persuadido o sacerdote de que se tratava de algum espírito celeste que o procurava sob aquela aparência, dirigiu-se ao cais e encontrou o navio indicado. Seu capitão concordou com insuspeitada facilidade em aceitá-lo como passageiro gratuito. Tornava-se realidade a primeira promessa que o misterioso jovem da praia lhe fizera.

A travessia era longa nos navios daquela época. Assim, pôde o Pe. Lara rezar demoradamente diante da formosa cópia da Mãe do Bom Conselho, e pedir-lhe que o aconselhasse muito sobre o que fazer dali por diante.
Varão de desejos e de longas esperas
Do porto de Santos dirigiu-se com o quadro para a sua cidade natal, Itu. Seus pais, já falecidos, haviam-lhe deixado de herança uma chácara, onde erigiu uma capela para venerar a imagem.
A primeira parte da profecia do misterioso personagem estava cumprida. Ele chegara são e salvo ao Brasil com o quadro. Agora só faltava a restauração da Companhia de Jesus e a abertura de um colégio em Itu.
Duas coisas dificílimas. Itu era uma cidade pequena.
Era questão de confiar, rezar e esperar.
Quantas e quantas vezes nós ficamos reduzidos a isso? Confiar, rezar, esperar e receber!
Positivamente o Pe. Campos Lara foi chamado por Nossa Senhora para ser um desideriorum vir (cf. Dn 9, 23), varão dos santos desejos e das longas esperas, à maneira do velho Simeão. Não teve, no entanto, a oportunidade de na terra cantar, como este profeta, o “nunc dimittis servum tuum, Domine – agora, Senhor, deixa partir o teu servo em paz” (Lc 2, 29). Vinte e cinco anos durara a espera na Itália, e muito mais duraria no Brasil. “Aqui, nesta chácara e sobrado – dizia a seus conhecidos – ainda virão os jesuítas estabelecer uma grande casa de educação”. Certamente entre os seus ouvintes havia céticos – “pobre coitado, pensariam eles, não lhe fez bem tanto sofrimento” –, mas também [havia] homens de fé que notavam em suas palavras um timbre profético.
Anos depois, a profecia se realiza
Em 1814, quando se cumpriram vinte e nove anos de sua chegada a Itu, vieram notícias de Roma. O Papa Pio VII restaurara a Companhia de Jesus! Comovido, o Pe. Campos Lara agradeceu à Mãe do Bom Conselho o cumprimento de mais uma parte da profecia. A espera, porém, continuava.

Ao completar trinta e cinco anos de seu retorno às terras brasileiras, cerrou para sempre os olhos o Pe. José de Campos Lara.
Ele morreu sem conhecer o cumprimento último da profecia, mas com certeza morreu em paz. O seu olhar transpunha as próprias portas da morte, e por visão profética ele via que tudo ainda se realizaria.
“Beati mortui qui in Domino moriuntur – Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor” (Ap 14, 13). Sim, na paz do Senhor, na paz com que ele sempre esperou contra as esperanças humanas.
Ergue-se o colégio jesuíta, após oitenta e sete anos
A chácara do Pe. Campos Lara, com o sobrado e uma igreja apenas começada, veio a pertencer, anos mais tarde, ao Pe. José Galvão de Barros França, seu sobrinho. Este sacerdote exemplar doou a propriedade à Companhia de Jesus, cujas atividades no Brasil haviam-se reiniciado. Nesse local, em 1868, os filhos de Santo Inácio fizeram erguer um grande colégio, concluído quatro anos mais tarde.
Em 1872, o quadro de Mater Boni Consilii, até então venerado na antiga capela do Pe. Lara, foi entronizado no altar-mor da nova igreja, anexa ao colégio. Oitenta e sete anos haviam transcorrido desde sua entrega miraculosa, sobre as areias da praia italiana, ao jesuíta brasileiro.
E quando este colégio da Companhia foi transferido para a cidade de São Paulo, em 1918, com ele foi também a cópia da imagem de Genazzano.
1) Canonizado em 3 de abril de 2014.
2) SAINTE-FOY, Charles. Vida do Venerável Pe. José Anchieta, da Companhia de Jesus. São Paulo: Typographia de Jorge Seckler, 1878, p. 7-8.
3) CLÁ DIAS, João Scognamiglio. Mãe do Bom Conselho. Lisboa: Centro Cultural Reconquista, 1995, p. 192-196.
4) Sebastião José de Carvalho e Melo (*1699 – †1782).