Populares da semana

Relacionados

II – Primórdios de uma devoção

Inundado de consolação espiritual, Dr. Plinio tomou contato com a história do milagroso afresco da Mãe do Bom Conselho de Genazzano, o que constituiu um marco importante de sua devoção a Ela, pouco antes de adoecer gravemente.

A devoção a Nossa Senhora de Genazzano eu a conheci desde muito pequeno; ela foi deitando raízes lentamente em minha alma, de um modo muito desigual, como são os processos naturais, sem nada de artificial. Esse quadro teve uma relação com minha situação, menino ainda, da maneira que passo a narrar.

No Colégio São Luís, proximidade com a Mãe do Bom Conselho

Eu era aluno dos padres jesuítas no Colégio São Luís, onde estava o quadro de Nossa Senhora de Genazzano tido por milagroso. Em maio, os alunos eram convidados a comparecer à capela todos os dias para celebrar o mês de Maria, junto à imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho. Eu ia de muito bom grado. Entrávamos todos em fila, enchíamos a capela. Os padres levavam muito tempo para pôr tudo em ordem – os alunos brasileiros não são fáceis; mexem-se e agitam-se a todo momento… Afinal, quando conseguiam ordená-los, iniciava-se a cerimônia, mas eu já estava há tempo olhando para Nossa Senhora do Bom Conselho. Dava-se a bênção do Santíssimo Sacramento e havia mais alguns cânticos em louvor da Santa Mãe de Deus, um dos quais começava assim: “Neste mês de maio, lindo mês de flores, de Maria celebremos os louvores”. Do resto eu não me recordo mais.

Chamava-me a atenção o fato de Nossa Senhora carregar o Menino ao colo com muito afeto, intimidade e ternura, parecendo dirigir-Se a Ele que, por sua vez, estava como uma criança que Se deixa embeber pelo carinho materno, todo deliciado com a presença de Nossa Senhora e com o afago que Ela Lhe dava. Eu achava aquilo muito bonito! Era Nossa Senhora e o Menino Jesus…

Não me lembro de haver recebido uma graça especial, mas durante o meu curso secundário, numerosas vezes rezei com aflição diante dessa imagem, pedindo a minha perseverança.

Ora, depois de concluir o colégio, comecei a frequentar outras igrejas, outros oratórios com diferentes imagens, e a invocação da Mãe do Bom Conselho me saiu um pouco, ou até bastante, da memória.

Um livro de piedade, uma leitura fortuita

No ano de 1967, quando eu me sentia com a saúde meio abalada – sem haver, contudo, nada de definido que justificasse uma desconfiança positiva de que eu estava ficando doente – nesse período caiu-me nas mãos, não sei por que razão, um velho livro a respeito da Virgem do Bom Conselho. Creio que havia sido comprado em um sebo, não me recordo qual a gênese dele, mas o tenho atualmente em minha biblioteca. Fora escrito por um monsenhor do século passado.1 Talvez ele tivesse sido um homem de destaque em seu tempo, mas no nosso, era desconhecido.

Tomas T.
Afresco de Mater Boni Consilii, fotografado em maio de 2019

Eu estava sem outro livro de piedade naquela ocasião, então comecei a lê-lo à noite antes de dormir, como tantas pessoas fazem.

Era um livro volumoso, de umas trezentas ou quatrocentas páginas, muito bem-feito, ilustrado, redigido em um bom francês, mas num estilo um tanto sentimental, cheio de exclamações, com gosto de xarope de certa literatura “heresia branca”2 do século XIX.

A obra era um pouco prolixa, contendo uma larga descrição dos lugares, das coisas, narrando com bastante vida tudo quanto há de dizível sobre Genazzano, inclusive todos os pormenores possíveis e imagináveis pelos quais nenhum de nós tem interesse, como por exemplo, quais as origens romanas daquele lugarzinho, sua história antes de haver lá o afresco, que era um feudo dos príncipes Colonna, que os árabes haviam estado lá etc. Sobretudo o que ele contava sobre os milagres e as graças concedidas era muito bonito. E o assunto me interessou, sentia gosto por aquilo.

Eloquentes mudanças de fisionomia

Eu continuei a leitura do livro e verifiquei que o autor narrava um fato notório em Genazzano: o quadro de Nossa Senhora tem o dom de falar às almas, parecendo alterar o semblante sem que o rosto se movimente em nada; é a expressão que estimula os fiéis de um modo imponderável. Ela se manifesta com frequência aos seus devotos, exprimindo ora uma alegria intensa, ora tristeza, o que torna a imagem verdadeiramente maravilhosa e a faz realizar por essa forma sua missão do Bom Conselho. Assim Ela comunica, orienta, aconselha.

Li numerosos relatórios que faziam parte do livro, de uma quantidade incrível de pessoas que testemunhavam esse fenômeno. E não só o quadro de Genazzano, mas as reproduções dele em outros lugares também têm essa propriedade.

O Sr. João Clá esteve lá e mandou-me uma linda carta contando as impressões dele ao pé da imagem, como se modifica a fisionomia, a expressão, naturalmente adequada ao estado de alma de quem está rezando lá. Ele passou dez ou onze horas diante dela.  

Parecer de um pintor famoso

O livro inclusive trazia o relatório de um grande pintor italiano, famoso no século XIX, que havia sido pago por uma senhora abastada de uma daquelas cidades ricas do norte da Itália, se não me engano de Gênova, para que fizesse um quadro a óleo com a reprodução exata da imagem de Nossa Senhora de Genazzano. Ela o encomendara porque tinha recebido graças e queria ter a cópia consigo.

Arquivo Revista
Réplica do afresco de Mater Boni Consilii, presente em uma das casas de formação de Dr. Plinio

O artista pediu licença ao padre que tomava conta da igreja, foi até lá, começou a pintura e viu que o afresco variava tanto de expressão que ele não conseguia pintar. A fim de fazer bem seu serviço, os sacerdotes lhe permitiram instalar em cima do próprio altar o cavalete e a cadeira. Era um favor extraordinário poder sentar-se ali com todo o necessário para realizar a pintura, olhando-a de perto.

Ao cabo de algumas horas, ele desistiu do trabalho porque o afresco começou a comunicar-se e a fisionomia se modificava tantas e tantas vezes que ele ficou na impossibilidade de reproduzi-lo. O vigário pediu-lhe então um relatório, e ele o escreveu – está arquivado e figura no museu de Genazzano –, confessando que como a imobilidade é a condição para a pintura, não se pôde fazer a reprodução, tais eram as mutações fisionômicas do quadro.

Consolação interna, tranquilidade e distensão

Como se sabe, eu tenho uma vida espiritual, graças a Deus, muito compassada e serena, pouco dada a arroubos e êxtases. Muitos já me viram rezar, mas nunca me viram ser transportado angelicalmente entre a terra e o céu; eu permaneço com todo o peso do corpo, ajoelhado sobre a terra, sobre o genuflexório. Tudo é calmo, tranquilo.

Ora, algo me chamava a atenção ao ler esse livro: sem saber explicar a razão, eu me sentia sempre atraído, aliviado, inundado de consolação espiritual, uma coisa extraordinária! Sentia uma alegria de alma, uma satisfação excepcional, uma leveza e uma esperança inexplicáveis, muita tranquilidade e distensão; a leitura me repousava, me interessava, me distraía, embora por vezes houvesse narrações de fatos de importância mínima.

Portanto, não havia muita relação entre essa alegria e consolação e o texto que estava lendo. E cem vezes pensava de mim para comigo: “Por que razão isto me alivia, me dá uma consolação interna, serena, mas eficiente e possante, que tenho a impressão de ser como o travesseiro colocado debaixo de minha cabeça em meio a tantas dores? Tranquilidade e distensão sem raciocínio não valem, eu quero um argumento para esta situação”.

Divulgação
Detalhes do livro La Vierge Mère du Bon Conseil, lido e sublinhado por Dr. Plinio

Divulgação

Eu não tinha até então nenhuma relação especial com o afresco que está em Genazzano. Mas, à medida que eu ia progredindo na leitura, entrando no cerne da matéria, fui percebendo a substância do assunto e compreendendo ser um movimento da graça, um favor, e que a devoção a Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano era a devoção da confiança, exatamente a virtude que a vocação profética pede que pratiquemos com mais intensidade.

Esse livro produzira em mim efeito análogo ao Livro da Confiança.3 Uma série de coisas das quais eu conservara uma vaga ideia depois do curso no Colégio São Luís me vieram ao espírito. Então refletia: “A graça sabe a razão, eu não preciso saber. Desta invocação talvez eu ainda receba alguma graça. Está aqui o livro, vou continuar a lê-lo”.

E toda noite, antes de dormir, lia um bom trecho, deliciando-me com ele. Eu me deitava com tempo de sobra para ler e depois adormecer.

Impressionou-me tanto aquilo tudo que, levado por essa leitura, tive desejos de conhecer Genazzano, onde se encontra a imagem. Esse desejo trabalhava minha alma, e mencionei-o entre os dirigentes do grupo de Belo Horizonte, meus amigos. Como alguém andasse pela Europa – estava em Roma –, mandei pedir que, passando por Genazzano, me arranjasse uma estampa de Nossa Senhora do Bom Conselho para ter comigo.

Arquivo Revista
Dr. Plinio com os membros do grupo de Belo Horizonte, no ano de 1967

Por fim, encerrei a leitura, lamentando-me por notar que uma fonte de consolações se tinha acabado. Depois, eu me esqueci do fato… Fechei o livro e pouco tempo depois adoeci. Nessa ocasião houve uma coincidência…

1) La Vierge Mère du Bon Conseil, de Mons. Georges F. Dillon, sacerdote originário da Austrália, o qual passou um longo período em Genazzano, sendo testemunha de alguns dos milagres que lá se deram.

2) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

3) Ver Revista Dr. Plinio n. 129, p. 24-25.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Artigos populares