Em meio a uma forte crise de diabetes, muitos sofrimentos espirituais assaltaram Dr. Plinio, entre eles estava o sentir-se abandonado. O crescimento de sua obra é o sinal patente da realização da esperança que não deixou esmorecer naquele período.
Estavam as coisas nesse pé quando comecei a sentir a saúde abalada.
Primeiros sinais do abalo na saúde

Como eu era muito forte e tinha uma aparência boa e saudável – não de um Hércules, mas de um homem muito gordo, aliás –, ninguém julgava que eu estivesse mal de saúde. Eu então pensava ser impressão e passava por cima. Ora, sentia-me de fato cada vez pior.
Durante esse período emagreci, e julguei que se devia aos aborrecimentos e padecimentos. Enquanto essa situação se desenrolava, mamãe adoeceu, com algo ligeiro, e chamei o Dr. Brickman1 para examiná-la. Enquanto ela falava com ele, quis acompanhar a consulta para ver como estava correndo; Dona Lucilia estava já muito idosa, poucos meses a separavam do fim . O médico cumprimentou-me, sempre muito afável, olhou e disse-me: “Plinio, como você emagreceu de repente! O que você tem? Estou achando-o diferente”.
Pensei: “Eu tenho minhas razões para estar mais magro e não vou dizer para ele!” E respondi: “É, não sei o que eu tenho”. Ele acrescentou: “Você deveria fazer um exame para ver como está o açúcar no sangue. Deve ser diabetes.” Eu disse: “É, vamos ver”. Não fiz nada, nem me passou a ideia de que eu pudesse realmente estar com diabetes.
E assim caminhei por vales e montes, coles e colinas até o momento em que se formou, de repente, uma espécie de tumor, uma espinha de tamanho monumental no pé – é prosaico dizer –, impedindo-me o movimento. Se eu pisasse, machucava ainda mais, então permanecia em casa. A infecção se transformou rapidamente em começo de gangrena.
Discrição filial nas vicissitudes da doença
Eu não queria dar a mamãe nenhuma preocupação, pelo empenho em prolongar-lhe a vida o quanto possível. Era o meu papel de filho, sobretudo filho de uma tal mãe.
Lembro-me de que não querendo que ela percebesse minha dificuldade em caminhar, não querendo comprar muletas, mandei comprar duas vassouras e me locomovia em casa de um lado para o outro apoiado na parte de palha, como se fossem muletas. Quando mamãe me via, para ela não notar, eu empurrava as vassouras de lado e andava com o pé machucado, o que apenas piorava a minha situação.
Nas refeições, eu entrava na sala de jantar pela copa, sentava-me na cabeceira que dava as costas para o quadro de minha bisavó, e mamãe sentava-se de frente à Praça Buenos Aires. Como ela estava com a vista comprometida, com catarata muito adiantada, não me percebia entrar. Eu conversava com ela, saía, e passava o dia em casa, meio deitado. E ela pensava que eu estivesse estudando, porque me via ler o tempo inteiro.
Diagnóstico comprovado
Eu notava que ia piorando, mas o Grupo estava numa tal situação que, se eu brecasse o apostolado para me tratar, cairiam alguns pedaços da parede. E, então, eu ia protelando. Tudo isso criava um clima de crepúsculo sobre mim, uma coisa medonha. Não se pode imaginar que melancólico foi para mim esse período.
Afinal de contas, chegou um momento em que não pude mais me levantar. Houve certos sintomas que me levaram a chamar os médicos de minha confiança, os quais me examinaram e diagnosticaram um acesso violentíssimo de diabetes, que determinara a infecção no pé.
Lembro-me de mim mesmo deitado na cama e minha irmã, que tomaria uma parte muito ativa na minha cura, entrar no quarto e dizer: “Os médicos mandaram fazer um exame de sangue, mas não se assuste com o resultado, você está com 525 miligramas de glicose”.
A taxa normal de uma pessoa costuma ser aproximadamente 110 ou 120, segundo a tabela. E eu estava cinco vezes acima do normal, uma coisa tremenda. O médico alertou: “O senhor está com diabetes adiantadíssima, caminhando para o coma diabético”.

Durante esse período mais grave, para não criar um clima de drama, fingia não pensar na situação de minha doença, apesar de perceber que estava com a gangrena na ponta do pé, e não podia deixar de refletir na possibilidade de ela tomar conta de meu corpo de um momento para outro; portanto, era preciso fazer uma operação, já que ela não retrocedia. Eu não dizia nada, era algo que todos comprovavam, e mais valia a pena eu criar nos meus próximos a ilusão de que eu não estava preocupado.
Como a casinha abandonada…
Eu ficava horas deitado na cama, com o pé imóvel, sem ter o que olhar a não ser um quadrinho que tinha em frente à minha cama.
Era uma lembrança de alguém que o desenhara, não sabemos bem quem, talvez um colega. Não era um grande quadro, não tinha valor artístico nenhum, mas era bonitinho e bonzinho e representava a ondulação de um terreno verdejante. Uma paisagem rural, com umas florezinhas, em certa parte do panorama uns eucaliptos e mais ao longe, no fundo de uma dobra em que a terra vai fazer outro movimento, uma casinha inteiramente vazia. Dava a impressão de que ali podia morar um carrasco do Ancien Régime, que ninguém visitava.
Eu olhava e pensava: “Eu sou como essa casa, sozinho, no meio de um campo vasto, o qual não tem nada a ver comigo. Se eu morrer agora, o que eu deixo de minha vida é isso. Passei pela vida e deixei uma casinhola: a minúscula TFP de hoje em dia”. O Grupo naquele tempo era pequeno.
Mas, nas horas de ajuda de Nossa Senhora, me vinha ao espírito a seguinte reflexão: “Há de vir um dia em que, pelo contrário, as pessoas a encherem esta casa serão tão numerosas que ela vai ficar escangalhada, com portas quebradas, janelas arrebentando, paredes cambaleando, pela pressão de dentro para fora!”
Depois me vinha outra ideia: “Não se entregue a essas considerações de caráter otimista! Vá para frente!”

Atualmente, entro na Sede do Reino de Maria2 e a encontro estalando de cheia, e me lembro dessa esperança, a qual era uma espécie de prelúdio da graça de Genazzano. Então, ser sugado e ter isto arrebentado é a realização de uma esperança. É para vermos como devemos confiar!
No Hospital Sírio-Libanês
Gangrena na ponta do pé, taxa altíssima de glicose, regime alimentar, preocupação constante. Uma noite o médico, minha irmã e outros a passaram em claro aplicando injeções sucessivas de insulina em mim.
Contou-me o médico que houve um determinado momento no qual dei sintomas fugidios de estar em perigo de morte. Como passou logo, ele não falou em Unção dos Enfermos, mas estava a dois passos disso. Mais um pouco e eu ficaria entre a vida e a morte, e seria preciso chamar um sacerdote, de tal maneira o estado era grave.
Por fim, piorei tanto, que se tornou necessário levarem-me logo ao hospital, para me fazerem uma cirurgia. Corria o risco de afetar a região que vai do joelho ao tornozelo, portanto, havia a perspectiva da amputação de parte de uma perna.
Levaram-me de ambulância ao Hospital Sírio-Libanês, tarde da noite; operaram-me a altas horas, e aconteceu-me uma coisa das piores que pode suceder: acordei durante a operação. Lembro-me ainda de que olhei a sala e percebi que estavam remexendo em meu pé; não perguntei o que era, o que não era. Imediatamente me deram um remédio para dormir de novo e não sentir as dores naturais de uma cirurgia.

Fui depois conduzido a um quarto do hospital, no qual acordei já muitas horas depois. Percebi que a operação terminara e graças a Nossa Senhora correra muito bem. No entanto, não sabia o que havia sido feito, não tinha ânimo nem cabeça para perguntar, pois a cirurgia deixa um certo desvario.
Eu não conhecia as circunstâncias de saúde exatas em que eu estava. Tinha sido transferido ao hospital para fazerem o que se chama curetagem, uma espécie de intervenção cirúrgica para verificar as condições locais. Os médicos não me contaram, minha irmã, minha sobrinha, os membros do Grupo não contaram também que havia sofrido uma amputação. Pelo que me tinham dito, iam fazer apenas uma drenagem no pé para ver o que tinha gangrenado ou não. Como eu não sentia a menor dor, nem desconfiei. Só soube que houve uma amputação ampla muito depois, no dia em que me deram por curado, embora a cicatriz ainda estivesse aberta.
Sob a proteção de Nossa Senhora Auxiliadora
Um dos médicos que tinha vindo a São Paulo para tratar de mim ia partir daí a pouco, porque a missão dele estava encerrada. Ele foi me fazer uma visita à noite, a qual achei normal, era um amigo que ia embarcar e fora me visitar; já não era uma visita de médico. Naquele vai-e-vem não prestei atenção que minha irmã havia ficado até o jantar em casa, coisa que ela nunca fazia. Nessa circunstância, ambos foram contando sobre a operação. Felizmente apenas uma parte do pé fora amputada.
Foi afeto deles, não precisavam ter levado os cuidados até esse ponto, podiam ter me ter dito no duro porque eu não me abalaria, como de fato não me abalei.
O que é curioso e contraditório, dessas contradições próprias ao espírito humano, é que apesar de tudo quanto eu tinha lido no livro de Genazzano meses antes, não me passou pela cabeça fazer uma invocação a Nossa Senhora de Genazzano. A minha atenção saiu um pouco do assunto e minhas invocações todas foram a Nossa Senhora Auxiliadora, à qual eu mais recorria naquele tempo; a Ela rezei muito. Mas a Nossa Senhora do Bom Conselho, nada.
1) Abrahão Brickman, médico particular de Dona Lucilia.
2) Localizada na Rua Maranhão, no Bairro Higienópolis.