Nas diversas categorias de seres criados e visíveis — minerais, vegetais, animais e homens — Deus constituiu coleções. Os homens formam um conjunto, mas não há nenhuma coleção de outros seres contendo um elemento que esteja para essa coleção como Nosso Senhor Jesus Cristo e Maria Santíssima estão para os outros homens.
São Luís, Rei da França, e São Fernando, Rei de Castela, por exemplo, tiveram uma missão insigne, muito individualizada, muito demarcada. Outros homens poderão ser eventualmente mais insignes. Ser Rei da França ou Rei de Castela é muita coisa, mas é muito menos do que ser Papa. São Pio X poderá ter tido — eu creio que teve — missão ainda mais insigne do que o Papado. Não se pode saber qual é a missão de cada pessoa nesta Terra.
Inocências que perfumam um ambiente
Santa Teresinha do Menino Jesus era filha de um casal da pequena burguesia de Alençon, na França. Seus pais, quando acumularam um patrimônio suficiente, mudaram-se para uma cidade não muito distante, Lisieux. Fixaram-se ali e o casal teve cinco filhas. A Providência destinava essas filhas a quê? Visitando os Buissonnets, que é o nome da residência onde Santa Teresinha, quando menina e depois mocinha, morava com seus pais, tem-se uma primeira impressão. A casa é um encanto, muito bonitinha e possui todo o sorriso, todo o charme, toda a atração de uns restos de inocência que o mundo ainda conhecia no século XIX.
Podemos imaginar o casal caminhando para a velhice, e o saltitar dessas meninas dentro de casa; e o dia transcorrendo entre a oração, o bordado, o jardim, as refeições, as carícias. O que eram essas meninas? Normalmente destinadas a serem focos de inocência irradiante na Terra; dessas inocências que perfumam um ambiente e podem perfumar uma cidade.
Quem sabe se uma ou algumas delas normalmente a Providência destinaria ao estado matrimonial? E quem sabe se, dos descendentes dessas que se casassem, a Providência ainda tinha a intenção de tirar para Si muita glória?
Entretanto, esta é a providência geral que Deus tem para os homens: Ele destina quase todos a levar uma vida mais ou menos como todo mundo, deixando a cada um, dentro do unum que deve realizar, uma certa liberdade para a escolha dos seus passos e dos seus caminhos, desde que atinja o ponto que Deus tem em vista e do qual falarei em breve. Obtido isso, o homem faz um pouco como um vagão de estrada de ferro, que ginga, mas não sai do trilho, varia um pouco, porém chega até onde deve chegar.
Pequenos grupos de pessoas que formam minúsculos universos
Quando os animais vêm chegando para se recolherem num aprisco, se não são gregários, cada um vem por seu turno, seguindo o caminho por uma espécie de escolha instintiva, interna, a qual faz com que o caminho nunca se repita, mas seja sempre em torno do mesmo eixo. Desta maneira, os animais vão chegando, entram no estábulo e dormem. Assim também o homem vai caminhando em torno de um eixo, até chegar o momento em que ele entra em seu próprio repouso.
Qual a finalidade visada por esse eixo específico de cada ser humano?
Como cada homem tem um unum e foi chamado a um certo grau e a uma certa forma de virtude — forma essa que, inteiramente como a dele, nunca ninguém teve nem terá —, ele deve, ao longo de sua vida, atingir essa virtude para realizar um plano de Deus a seu respeito. E o plano é que ocupe um lugar no Céu. Isso é mistério de Deus; não se sabe como é.
O fato concreto é que aparece um fim extraterreno e, com ele, um fim terreno também. O homem, ao passar pela Terra, deve se ter feito conhecer tanto quanto possível pelos outros, pela sua virtude. De tal maneira que aquilo que ele possui de único tenha chegado a compor um ambiente, constituído também por outros que têm algo de único e formam esses minúsculos universos que se chamam a intimidade.
Grupinhos de cinco, oito, dez pessoas, às vezes menos, formam um pequeno universo onde cada um tem seu unum, e cuja variedade ordenada faz com que esse universo pareça interessante, agradável, atraente. É uma miniatura do imenso cosmo que Deus criou.
Deus fez o universo com constelações; cada uma delas é um universinho. Quando se assesta o telescópio, descobrem-se ainda outros grupos menores, ou em torno de um astro a circulação de outra “poeira” de corpos celestes que estão girando.
Uma aldeiazinha medieval
É uma imagem desse tipo de perfeição na qual se compraz a Sabedoria divina em constituir diversas pessoas comuns, que convivem entre si, se conhecem, se completam, e formam um pequeno todo dentro dessa galáxia de seres humanos existentes. O fato de essas pessoas se sentirem tão bem encaixadas, inseridas ali, vivendo tão bem umas com as outras, constitui a intimidade. Então, o homem ignorado, pequeno, tem uma missão: dar um certo colorido a um minúsculo bloco desses.
Este conjunto, por sua vez, tem outra missão: dar igual colorido a outros blocos. E assim, sucessivamente, esses conjuntos fazem com que uma cidade, uma região, uma nação tenha sua fisionomia própria. Os homens simples e comuns têm esta bem-aventurança: vivem na intimidade para fazer pequenas coisas dentro de uma pequena proporção, mas podem ter o mérito de ter realizado sua proporção inteira.
Se imaginássemos uma cidade constituída só de homens de pouca importância, mas onde todos atingiram a respectiva proporção, teríamos a impressão de um “ceuzinho”. É a impressão que se tem, às vezes, analisando iluminuras da Idade Média: um castelo, aos pés do qual “dormita” uma aldeiazinha onde mora o sineiro da igreja, o vaqueiro, o tabelião, o juiz, também um homem que faz um pouco o papel de médico, e outro que toca órgão. Vendo uma aldeia dessas que dorme junto ao castelo, numa tranquilidade, numa inocência… quase se diria que é a criança que repousa no berço ao lado da mãe!
Por que essa cena agrada tanto? É que na aldeia há dois, três, cinco, dez, cinquenta grupos de pessoas assim. Esses grupos, se todos estão ordenados uns em relação aos outros, fazem daquela aldeia uma modesta sinfonia que repete, em ponto pequeno, harmonias magníficas do universo. E a grandeza de Deus só se reflete adequadamente na coexistência do pequeno, do médio e do grande, cada um na sua proporção. Esta proporcionalidade, mais do que qualquer coisa isolada, nos fala de Deus. O Altíssimo não tem proporção com nada, mas Ele só se espelha adequadamente nas proporções. Portanto, só o mundo e o universo proporcionados nos dão adequadamente uma ideia de Deus infinito, absoluto e sem nenhuma proporção.
No Céu, recordando com alegria a vida da aldeia
Ao considerarmos almas chamadas à vida comum — remidas pelo Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo, correspondendo aos desígnios da Providência, que expiram em paz e depois, no Céu, constituirão uma das mil pequenas luzes sobre as quais vão se destacar os grandes luzeiros, formando, por assim dizer, o fundo luminoso de luzes ainda maiores —, vemos que elas entram numa certa proporção nesta Terra, que é o prenúncio da proporção na qual essas almas comuns entrarão no Céu.
Então podemos imaginar um velho, uma velha, que num lugar desses expira serenamente. Passará, talvez, pelo Purgatório, mas quando chegar ao Céu a alma já encontra, adequado a seu tamanho, seu “alvéolo” — a expressão é imprópria, pois o Céu é tão superior a isso! —, onde ela entra e encontra sua felicidade, tem o que procurou e ali fica contemplando a Deus face a face, e pensando: “Como eu, na minha aldeia, tinha razão ao prever isto assim! Como era bonito quando eu tomava conta dos patos ou das cabras, e que pensava, na hora do Sol se pôr ou na época em que as flores se abrem, tal coisa e tal outra a respeito do Céu! Como tudo é muito maior! E quando o Sr. Vigário comentava as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: ‘Serei Eu mesmo vossa recompensa demasiadamente grande’… ali está Deus; como Ele é grande demais!”
E a alma, ao mesmo tempo, aclama a proporção de todas as coisas na qual ela, pequenina, se sente inteiramente em casa e glorifica a magnífica desproporção — se assim se pudesse dizer — de Deus, Nosso Senhor.
Graus e formas de nobreza das almas
Há toda uma série de graus e formas de nobreza de almas. O exemplo citado se refere a um estilo que, por assim dizer, constitui o mais elementar grau de nobreza: o dos barões da ordem do universo. Existem almas chamadas a graduações mais altas: viscondes, condes, marqueses, duques, príncipes.
E nesta Terra, há também almas chamadas para uma importância maior na ordem das coisas, e que condicionam a salvação de muitas outras. Por exemplo, um homem que herda de parentes um jornal, possui um meio para influenciar milhares de pessoas. Uma pessoa nasce num meio social que dita a moda à cidade, a qual dita a moda a um país; concorrendo para combater uma moda má e para impor uma boa, ela evita a perdição e contribui para a salvação de milhões de almas.
As pessoas têm não só graus de elevação de alma próprios, mas também estilos e maneiras de influir próprios e desiguais, que Deus ordena segundo Ele deseja. E isto forma como que duas escalas de valores, que não correspondem exatamente uma a outra. Às vezes, uma alma de um hominho qualquer é destinada a um grau de virtude maior do que um homem eminente. O hominho não é destinado a salvar quase ninguém, aparentemente, mas Deus o chama para uma grande santidade, a qual às vezes os outros não conhecem, nem reconhecem, porém o Altíssimo sabe. E essa pessoa, pela oração intensa, terá salvado muito mais almas do que quantos jornalistas católicos queiramos imaginar.
São mistérios de Deus por onde — dentro das diversas gamas de almas com maior ou menor porte; de homens de maior ou menor importância no mundo —, se corresponderem à graça, as pessoas realizam os desígnios d’Ele.
Teresinha do Menino Jesus sabia que era uma santa
Ao lado dessa providência geral — que vai ficando menos geral, à medida que o homem vai tomando importância —, temos a providência especial daqueles de quem Deus quer que não sejam quaisquer uns.
O primeiro imperativo a que um homem assim obedece é de não ser qualquer um, ou seja, de tomar dentro do jogo das proporções uma proporção maior ou muito maior, ou até imensa, e chegar à ponta de sua proporção para que, dessa maneira, a hierarquia ordenada posta por Deus brilhe com toda a sua luz.
Também a esse respeito o Altíssimo tem seus mistérios.
Considerem, por exemplo, Santa Teresinha e suas irmãs. Na medida em que o mistério de uma alma se desvenda, o mistério da alma de Santa Teresinha está desvendado. Ela foi uma santa, e uma grande santa, a qual abriu uma via especial de santificação, que é o holocausto expiatório pelo amor misericordioso de Deus. E obteve, pela oração e pelo pensamento espiritual dela, a salvação de um número incontável de almas.
As outras suas irmãs tiveram um chamado especial ou não? Tiveram, porque três delas tornaram-me carmelitas e uma entrou para a Ordem da Visitação. São, portanto, cinco religiosas. E se uma pessoa se torna religiosa é porque recebeu um chamado especial.
Dentro desse chamado especial, Santa Teresinha teria recebido um chamado especialíssimo. Na aparência, ela não se distinguiu de ninguém durante a vida. Poucas pessoas notaram ser ela uma grande santa. Talvez ninguém tenha notado tão bem quanto ela mesma. Ela sabia que era santa e estava tão certa de que ia ser canonizada que, no último período de sua vida, quando aparava as unhas, ela mandava guardar as partes cortadas e dizia: “Guardem porque há gente que ficará feliz tendo isso!” Tal era a certeza de que de que ela estava na verdadeira via, e chegaria aonde deveria chegar.
Almas que descortinam panoramas assombrosos e imensos
É claro que os panoramas contemplados por quem é chamado para uma obra especial são mais altos, mais belos, mais largos do que os panoramas vistos por quem é chamado para uma obra comum. Porque a providência especial coloca o homem em proporção de ver melhor uma série de coisas, que um homem posto na providência geral não está chamado a contemplar. E, por isso, os santos veem muito mais e melhor do que aqueles que não são santos.
Quem é santo? Não devemos imaginar que santos são apenas os que figuram na lista dos canonizados pela Igreja; é de Fé que todos esses são santos. Mas absolutamente não é se pode afirmar que, além desses, não haja muitos santos. De maneira que não podemos saber qual é o fluxo, o aspecto geral da santidade ao longo de todos os tempos, porque não conhecemos o total dos santos. Mas no Céu se saberá.
Se essas almas praticaram, em grau heroico, as virtudes teologais da Fé, Esperança e Caridade, mais as quatro virtudes cardeais, ficaram santas. Elas tiveram um panorama e uma proporção especiais, e foram até a ponta desse panorama e dessa proporção, os quais correspondem, para cada um, a um calvário individual.
Nosso Senhor Jesus Cristo chegou a toda a sua estatura, no alto da Cruz, no topo do Calvário. Assim também a pessoa precisa percorrer, na Terra, sobretudo quando tem um chamado especial, um longo caminho em que ela vê cada vez mais panoramas assombrosos e imensos. E, de outro lado, ela carrega um fardo cada vez maior, mas a pessoa vai crescendo na medida em que aumenta o seu fardo, porque a graça de Deus cresce na medida em que aumentam as nossas provações.
Panorama, glória, trono
Às vezes anoitece e a pessoa tem que fazer parte do caminho em que não vê panoramas. Anda no escuro. Vêm nuvens, vêm neblinas, onde estão os panoramas? A pessoa só sente a cruz que está pesando nas costas, mas toca para a frente. Custe o que custar, é preciso subir! Quando chega ao píncaro, a pessoa compreende: viveu como devia, realizou aquilo que tinha que realizar, viu todo o seu panorama. No Céu, ela conseguiu seu trono.
Donde aquelas palavras magníficas de São Paulo, ao morrer: “Combati o bom combate, percorri a minha carreira inteira; Senhor, dai-me agora o prêmio da vossa glória”1. Panorama, glória, trono! As palavras do Apóstolo, em última análise, o que queriam dizer? “Senhor, eu cheguei a todas as altitudes a que Vós me chamastes, carreguei todos os fardos que Vós quisestes. Daqui a pouco vem o último e enorme tormento: minha alma se separará do meu corpo, mas é um minuto. Senhor, depois, eu espero a vossa glória!” Está inteiramente acertado, perfeitamente bem.
Quando falei do gênero humano, a certa altura de minha exposição mostrei que todos os homens constituem uma coleção. Mas essa coleção tem uma particularidade única que nenhuma outra coleção possui. Os homens formam um conjunto, mas não há nenhuma coleção de outros seres contendo um elemento que esteja para essa coleção como Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora estão para os outros homens.
É mais fácil e breve falar aqui em Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele compendia, elevadas a um grau inimaginável, todas as perfeições dos homens. E Ele, sozinho, é mais belo, mais nobre, mais santo do que todos os panoramas que se possa constituir de toda a humanidade.
Então deveríamos imaginar os homens constituindo um mosaico, mas Nosso Senhor, muito mais do que a pedra central ou uma pedra preciosa num mosaico comum, é o Ente vivo que o mosaico representa. Mas, de algum modo misterioso, o mosaico participa d’Ele. Assim temos uma ideia de qual é a relação, e podemos aplicar facilmente a proporção a Nossa Senhora.
(Extraído de conferência de 10/1/1981)
1) Cf. 2Tm 4, 7-8.