domingo, noviembre 24, 2024

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A felicidade celeste – I

As megalópoles modernas, com sua agitação e desordem, provocam aflições e intranquilidades nas pessoas. São elas bafejadas pela Revolução, que procura eliminar tudo aquilo que cause alegria da alma. Mas se encontramos um belo edifício bem decorado, onde haja uma capela com o Santíssimo Sacramento, tem-se a sensação de serenidade, paz e do verdadeiro gáudio de alma. Esse é um dos exemplos citados por Dr. Plinio, ao falar sobre a felicidade do Paraíso.

Todas as nossas ações, consideradas do ponto de vista moral, dizem respeito a Deus, ou O louvam ou O ofendem. E isso é infinitamente sério, porque Ele é infinito. Então, como tudo é sério, é grave, é grande, é magnífico! Portanto, que magnificência tem nossa vida, não considerada em tal ou qual minúsculo ato concreto, mas nas repercussões extraordinárias que ela possui.

Do ponto de vista moral, tudo é infinitamente sério

Para isso, após estudarmos o Inferno, estamos analisando a eterna bem-aventurança, a fim de mostrar como todas as nossas ações repercutem numa ou noutra direção, e por esse motivo são infinitamente sérias. Mostrando qual era a bem-aventurança no Céu, eu tinha começado por destacar o fato de que ela inunda o homem de alegria. Porém não é principalmente por causa da perspectiva dessa alegria, mas devido à infinitude de Deus e da perfeição d’Ele em Si, ainda que não tivéssemos essa alegria, nós O procuraríamos por toda a eternidade. Porque o Criador merece e a Ele somos destinados.

Há uma alegria que nos vem pelos sentidos, a qual é magnífica. A essa alegria são destinados os corpos dos ressurretos; e também suas almas, porque uma alma tem o reflexo da alegria do corpo, e conhece muitas coisas através do corpo. Mas há uma alegria incomparavelmente mais alta: a que tem a alma quando vê Deus face a face.

Alegria de ver Deus face a face

Que ideia podemos ter, nesta Terra, do que seja ver Deus face a face? Não conseguimos conceber senão ideias analógicas, e muito vagamente analógicas. Porque a Deus ninguém se compara! E se nós tivéssemos a honra imerecida de com os nossos olhos vermos — ou ao menos com nosso espírito contemplarmos — Nossa Senhora, ainda aí não seria idêntico; haveria uma infinitude de diferença entre ver Deus face a face e contemplar a Ela. Porque com Deus ninguém se compara. Há analogias, mas entrar numa relação de proporção com o Altíssimo, de maneira a dizer: “Vendo Maria Santíssima tem-se a metade da alegria que se possui em ver Deus”, não é verdade. O Criador paira acima de qualquer criatura excelsamente, infinitamente, sem que se possa ter uma ideia.

Mas, tal é a ordem posta por Deus no universo, que Ele quer, para nos estimular a irmos para Céu, que nós, na Terra, conheçamos algumas coisas que deem uma certa ideia do que é a felicidade de alma que se tem vendo Deus face a face. Então imaginemos, num quarto escuro, um homem deitado, que seja cego de nascença. Ele fez uma operação para se curar da cegueira, e lhe disseram que ele tem que passar, digamos, cinco anos no escuro. Depois desse tempo, seus olhos estarão bons e ele verá. De vez em quando entra no quarto dele uma pessoa amiga, para conversar e distraí-lo nesta longa noite. E obtém uma licença do médico, não propriamente para acender uma luz, nem sequer uma chama, mas um palito comburente — todos sabem que quando se acende um palito de fósforo e se apaga a chama, fica ou pode ficar uma parte do palito em estado comburente.

Então, o amigo passa com aquilo diante dos olhos dele e lhe diz: “Está vendo? Isso é luz! Tenha a coragem de varar esses cinco anos no escuro, porque o seu prêmio será ver o Sol!”

Não quero dizer que haja uma situação clínica assim — ignoro tudo a respeito de clínicas. Mas é um caso que eu figuro para explicar qual é o plano de Deus, dando-nos certos vislumbres dessa alegria, para aguentar a noite desta vida. Porque esta noite é em forma de cone, ela vai apertando na medida em que se vai vivendo, no fim é mais negra, mais apertada, mais estreita, mais aguda e chega à morte, em que se fura o cone pelo cimo.

A Revolução procura eliminar tudo quanto lembra a alegria celeste

Quando a pessoa expira e acontece, portanto, a catástrofe, no momento em que a alma se desliga do corpo ela vê a Deus. De maneira que ela viu nesta vida — para usar uma comparação, de cuja precisão teológica não estou seguro —, palitos de fósforos, de vez em quando, para animá-la e como que dizendo: “Tenha confiança, porque um dia tu dirás o que está dito na Escritura: nox sicut diæs iluminatur1 — a noite será iluminada como se fosse um dia. E a tua longa noite passará a ser para ti um eterno dia. Coragem! Olha aqui o palitinho de fósforo! Veja como a luz é bela!”

Trata-se de uma coisa que o coração paterno e, sobretudo, o coração materno fariam com tanto gosto! Isso nos dá uma ideia do que Deus possa ter feito.

É muito curioso que a Revolução tenha criado um estado de espírito em que tudo quanto possa pressagiar a alegria da felicidade celeste ela eliminou; ou fazendo que não exista mais ou, existindo, não se preste atenção e, portanto, não se tenha uma ideia do que é a verdadeira alegria de alma, desligada do prazer dos vários sentidos do corpo. O que está na linha do materialismo de hoje, que quer apagar no homem a noção da espiritualidade da alma, porque quer eliminar a noção de espiritualidade de Deus e da existência do Criador.

E os revolucionários tratam de abafar todas as ocasiões da vida em que se possa ter uma sensação dessa natureza. Então, à força de muito pensar, cheguei à conclusão de que eu não poderia apresentar exemplos válidos disso, quer dizer, nem sequer o palitinho de fósforo, com tanta eficácia quanto desejara, porque é possível que as situações que eu aponte desapareçam e não se tenha mais noção da coisa. Qualquer exemplo poderia mais baratear o assunto do que elevá-lo; e esse é um tema que por nenhum preço possa ser barateado.

Júlio Boaro

Na página anterior, panorama noturno da cidade de São Paulo (Brasil); acima, “Sala do Reino de Maria”; ao lado, Dr. Plinio durante uma conferência nessa mesma sala da sede social de seu Movimento

Mas, para dar alguma coisa, vou apresentar alguns exemplos presumidos da vida cotidiana dos que se encontram neste auditório e que, creio eu, nesses dias se tornam ainda mais frisantes.

Contraste entre ambientes e impressões espirituais

Considerem uma pessoa que vai, por exemplo, fazer compras no centro da cidade ou em outra região muito movimentada de São Paulo. Anda por aqui, por lá, sobe, desce, e vê horrores morais de toda ordem. De repente passa um táxi, ela entra, respira um pouco e indica ao taxista o destino. Chegando ao local indicado, a pessoa desce do automóvel e entra em nossa sede principal: penumbra, temperatura agradável, há uma viração, na capela, que está serena, se encontra o Santíssimo Sacramento, a sede respira todas as suas pulcritudes.

A pessoa sente uma espécie de alívio que é meio o frescor do corpo, o qual sai da fornalha, e meio o frescor da alma, que se retira da bagunça e entra dentro daquela ordenação. Há ali um alívio, uma alegria de alma. Tem-se a impressão de que a alma se expande inteira e se ajeita mais ou menos à vontade, dentro de si mesma.

O que é isto? É um prazer do espírito. O prazer do corpo, com o frescor, é apenas um vago eco da alegria que teve o espírito ao entrar naquele ambiente. A pessoa sente-se contente.

Outra impressão, também espiritual: uma pessoa vai a um lugar qualquer, neopagão, e ali é tratado com desdém, pouco caso, senão com hostilidade; ela se sente injustamente pisada. Depois a pessoa entra em nossa sede, encontra ali a vida borbulhante e tem a impressão de ter transposto, em poucos passos, uma distância interplanetária, e de haver saído de um mundo e entrado no outro, no qual sente a afirmação vibrante, enfática, de tudo quanto são os nossos ideais, nossa razão de ser, nossa Causa.

E esta coisa tão deleitável é a consideração das pessoas para com ela, que é tratada bem, amenamente, afavelmente. A pessoa se sente confortada, sua alma se rejubila, e ela possui a impressão agradável — que não tem nada de comum com a vaidade — de ser honrada, compreendida, querida, ser objeto de atenção. Que alegria isso dá! É difícil que alguns dos aqui presentes não tenham passado por uma dessas duas impressões!

Prazeres da alma

Imaginemos agora uma pessoa que morre e vê Deus face a face. A vida terrena ficou para trás, com todas as aflições, todos os calores, os frios, todas as provações, as incógnitas, as dificuldades, as incertezas, todos os mal-estares. Tudo ficou para trás, e ela não tem diante de si apenas o frescor de uma sede sacral, mas a própria Sacralidade, Deus Nosso Senhor, que olha para ela.

Observem uma pessoa que entra na capela de nossa sede principal e sente alguma coisa de extraordinário. Mas é muito mais do que isso; ela se coloca na presença do Absoluto, d’Aquele que é o Valor em função do qual tudo vale, e fora do Qual nada vale. Encantada, a pessoa percebe que Ele olha para ela, mas que seu olhar se dirige simultaneamente a outro lugar. Ela diz: Já sei, eu passei por aquele lugar antes de chegar aqui! É a Medianeira de todas as graças. Ó Nossa Senhora!

São prazeres de alma vagamente análogos. E deveríamos em nossa vida ir identificando esses prazeres de alma. Quase arranjando um nome para eles; mas pensando, tendo em vista o Céu.

Cornélio a Lápide2 descreve, pela pena de Doutores e Padres da Igreja, etc., a entrada de uma alma no Céu. Ele cita a metáfora magnífica empregada por São Bernardo. Então, quando lermos esses textos aqui, devemos dizer: “Como isto é bom! E o Céu?” Aí teremos uma ideia, através do palito de fósforo em estado comburente, do que é o Sol incomparável. E assim mesmo Deus está infinitamente mais distante das alegrias desta Terra do que o palito de fósforo em relação ao Sol! Aí se tem uma certa ideia.

Foi uma introdução um pouco extensa demais de um tema que de si é eterno. De maneira que se tolera uma certa extensão.

Quando se está na eternidade, o passado e o futuro desaparecem. É um instante que não muda nunca, num gáudio constantemente novo.

Acacia
Santos contemplando a Cristo no Céu, por Domenico Ghirlandaio (1449–1494) Pinacoteca e museu cívico de Volterra, Itália

Plenitude de felicidade

Então o Cornélio a Lápide comenta estas palavras:

“Uma alegria sempiterna pairará sobre suas cabeças.”3

São palavras tiradas do profeta Isaías, falando dos bem-aventurados. Naturalmente, aplicam-se também aos católicos que conhecem a Nosso Senhor Jesus Cristo nesta vida e que, pela Fé, têm um começo da alegria eterna.

Mas também aos católicos que nesta vida podem ter um início da alegria do Reino de Maria. Tudo isso se põe como escadas de degraus muito desiguais, que conduzem à bem-aventurança eterna. Sendo que um degrau já se chama infinito, portanto, não é escada…

Então, ele cita uma frase que está no Evangelho: “Entra no gozo do teu Senhor”4. E faz este comentário: Isso significa que o gáudio será tal que não tanto entra no bem-aventurado, mas este entra no gáudio! Nesta Terra dizemos: a alegria entrou em nós, mas não podemos afirmar: nós entramos na alegria. Porém, quando formos ao Céu a alegria entra em nós, e nós entramos dentro dela. Isso é o pórtico, mas ao mesmo tempo o altar-mor, magnífico, da Catedral da felicidade eterna onde devemos entrar quando morrermos!

Cornélio se refere à afirmação interessante de um autor, que é a seguinte: no Céu, a alegria da bem-aventurança eterna é tanta, que ela “racharia” o homem de gáudio se Deus não suspendesse o homem acima de sua própria natureza e, assim, o conservasse em vida. Vemos então que plenitude de alegria há no Paraíso!

Dr. Plinio na década de 1960

Nós estaremos no Céu, sustentados pela graça mantenedora de Deus, do contrário a alegria é tanta que estalaríamos, não nos sustentaríamos. Temos então ideia do que é a felicidade celeste.

Alegria das potências da alma

Todos sabem que as potências da alma são três: inteligência, vontade e sensibilidade.

São Bernardo — sempre segundo Cornélio a Lápide — diz que Deus será para a razão a plenitude da luz. O homem tem uma certa alegria em entender e acha penoso não compreender alguma coisa que ele conhece. Para citar o mais barato dos exemplos, há indivíduos que gostam de ler a seção de charadas, em revistas ou jornais. Eles tomam todo o trabalho de decifrar a charada para ter a alegria de ter entendido. Imaginemos a alegria que teremos quando virmos Deus face a face, e entendermos de uma só vez, n’Ele, a perfeição tanto quanto caiba em nosso intelecto. Entendermos a Deus e, em função d’Ele, compreendermos tudo quanto nesta vida não entendemos. E num jorro só!

O que é isso em comparação com a alegria de um homem que decifra uma charada? Ou de quem resolve um problema de xadrez? Ou de um indivíduo que gosta de ler romance policial e vai torcendo, através daquelas peripécias, para descobrir quem é o culpado e se alegra quando o percebe? Isso não é nada em comparação desta alegria de alma que tem a inteligência! Ela percebeu tudo.

Afirma também São Bernardo que, para a vontade, Deus é a multidão da paz! Todos aqui sabem que a paz é definida por Santo Agostinho como a tranquilidade da ordem. Não é a tranquilidade indiferente à ordem ou à desordem. Quando as coisas estão em ordem, sente-se paz. Vou dar um exemplo para que entendam bem.

Imaginem que no começo desta reunião houvesse aqui, nestes degraus do estrado, uma vassoura velha e quebrada, bem como um chapéu velho, ridículo. Os presentes neste auditório ficariam com mal-estar, enquanto alguém não pegasse esses objetos e os jogasse fora. Isso feito, todos quereriam saber quem os pôs aqui, porque não se compreende que tenham parado neste lugar objetos assim. Depois disso, poderiam ter indulgência e dizer: “Então, Doutor Plínio, inicie a conferência!”

Quer dizer, fica-se tranquilo. A desordem causava uma intranquilidade. A ordem estabeleceu a tranquilidade. Essa tranquilidade se chama paz.

Então, vendo a Deus percebe-se a suma Causa, o sumo Bem, e a vontade repousa em paz n’Ele. Na tranquilidade da ordem!

Está tudo na sua ordem porque está em nexo com Ele!

Depois, para a memória, ligada à sensibilidade, qual é o gáudio que traz a eternidade, que traz Deus? Diz São Bernardo: é a continuação da eternidade. Aqui nesta Terra, precisa-se tomar notas para lembrar. Quando se recorda, aparece um passado remoto! Quando se conjectura, pode vir ao espírito um futuro remoto! Quando se está na eternidade, o passado e o futuro desaparecem. É um instante que não muda nunca, num gáudio constantemente novo. A memória não precisa se lembrar porque tudo é simultâneo. A eternidade é simultânea. A memória descansa. Ela lembra apenas daquilo que o tempo tragou e Deus premiou!

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 18/2/1981)

1) Sl 138, 12 (Vulgata).

2) Jesuíta e exegeta flamengo (* 1567 – † 1637).

3) Cf. Is 35, 10.

4) Mt 25, 21.

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