No ano de 312, a batalha da Ponte Mílvia marcava a ruína de um mundo e o surgimento de outro. Após três séculos de perseguições, a mensagem do Evangelho derrotava o paganismo.
Durante centenas de anos a religião católica tentou espraiar-se por todo o mundo romano. E por isso foi perseguida, arrastada perante os tribunais, condenada injustamente, e sofreu toda ordem de calúnias. Mas, impavidamente, os católicos se negaram a professar outra religião que não a católica e afirmaram ser falsa a religião dos deuses pagãos, e infames os ídolos que o mundo antigo adorava. Proclamaram a existência de um só Deus e de Jesus Cristo Nosso Senhor, filho de Deus, Homem-Deus, Redentor do gênero humano, nascido de Maria.
Perseguição, refúgio nas catacumbas
Em várias ocasiões, parecia que o Cristianismo ia sucumbir e desaparecer no esmagamento geral em que o paganismo o procurava sufocar. Nesta luta grandiosa, a seqüência de acontecimentos se dava de um modo que nós poderíamos esquematizar mais ou menos da seguinte maneira:
Ia um apóstolo a uma cidade qualquer, e ali pregava o Evangelho. Alguns se convertiam, começava a vida da religião católica naquele local. No início, sem muitos entraves. Mas não tardava a arrebentar a perseguição. E os católicos, que até então se reuniam em casas particulares, eram obrigados a passar para esconderijos, a descer para as catacumbas. E a estabelecer o culto católico nas entranhas da terra, no meio dos maus odores e das feiúras daquelas profundidades cavadas para os cadáveres, para aquilo que é feito para ficar escondido e não para aparecer.
Perseguidos, os católicos eram obrigados a deixar as casas em que se reuniam para se refugiarem nas entranhas da terra, no meio dos maus odores e das feiúras daquelas profundidades
Em pouco tempo, os pagãos ficavam com a idéia de que o culto católico havia desaparecido e dormiam sossegados. E também os católicos durante algum tempo dormiam sossegados, porque se julgavam ignorados.
Mas não tardava muito a chegar uma denúncia aos governantes do lugar, informando que os cristãos se reuniam em tal casa e depois desciam a um subterrâneo, ou se escondiam numa gruta, ou se adentravam no matagal, praticando ali o seu culto.
E recomeçava a perseguição.
Depois de cada esmagamento, pujante renascimento
O Catolicismo, então corria novamente para os esconderijos e se habituava a morar ali dentro. Recomeçava a viver nas trevas e nos maus odores, é verdade, mas sentindo o bom odor de Nosso Senhor Jesus Cristo e recebendo graças magníficas nos subterrâneos, ou nas grutas, ou nos outros lugares onde se refugiava. Comçava ali novamente a crescer. Mas apenas ele crescia um pouco mais, vinha outro golpe brutal que, por assim dizer, o esmagava.
Os cristãos não se dispersavam, mas se escondiam em outros lugares. A perseguição se acentuava, chegava às vezes ao inimaginável da crueldade e da brutalidade, com a interferência pessoal do imperador, que determinava os suplícios a que os cristãos deveriam ser submetidos para desanimarem e desistirem de pertencer à Igreja. Tinha-se a impressão de que a última hora havia chegado, que desta vez o pânico iria dominar completamente os que ainda conservavam a Fé e que a religião cristã acabaria.
Neste vaivém, o que aparece à primeira vista é a seqüência de uma fundação, um surto e um esmagamento. Um aparente acabrunhamento, um aparente destroçamento. Mas, daí a pouco, esse destroçamento dá origem a algo de novo; logo, porém, é novamente um esmagamento que vem.
Depois de cada perseguição, o Cristianismo renasce mais numeroso, mais brilhante e mais cheio de fé
E isto vai de ponto em ponto, mas com uma circunstância que eu até agora não mencionei. É que, depois de cada esmagamento, aquilo que renasce é mais numeroso, mais amplo, mais cheio de fé, mais brilhante. De maneira que, se é verdade que um esquema desses acontecimentos poderia ser: nascimento, esmagamento, novo nascimento, novo esmagamento — é preciso dizer que esse esquema está mal formulado. Porque o verdadeiro esquema deve ser assim: nascimento, esmagamento, multiplicação, esmagamento maior, multiplicação maior!
Ao cabo de alguns séculos, um apologista cristão pôde escrever a um imperador uma carta mais ou menos nos seguintes termos: “Vós só estais no vosso trono porque nós queremos, porque vós sois fraco apesar de serdes o imperador. E nós somos fortes apesar de sermos apenas uns pobres perseguidos. Olhai em torno de vós e entre os vossos próprios ministros encontrareis católicos, entre vossos generais encontrareis católicos, entre os que comandam as vossas naus encontrareis católicos, entre os que dirigem as vossas finanças, entre aqueles que brilham na vida cultural, na vida social, na vida política do vosso Império. O que digo? Entre aqueles que fazem parte da vossa guarda pessoal e que são responsáveis pela vossa vida, que velam por vós enquanto vós dormis. Vós dormis e só não sois morto, porque são católicos que vos guardam.”
E ele poderia ter acrescentado:
“Se durante a noite a consciência de vossos crimes vos acordar e vós olhardes para os homens que estão à vossa cabeceira, revestidos de couraça e de elmo para vos defender contra algum ataque, lembrai-vos: eles sabem que vós amanhã os jogareis aos tigres, os jogareis aos leões e aos leopardos; que vós os revestireis de matérias combustíveis, os amarrareis em árvores e os incendiareis como se fossem tochas; eles, que sabem que amanhã serão vossas vítimas, hoje são vossos guardiães. Vós confiais neles, mas vós confiais, na verdade, na vossa derrota. Porque vós, os pagãos, já sois os derrotados, falta apenas o fato histórico de um piparote para vós estardes no chão. E esse Cristo a quem quereis esmagar, que não quereis conhecer, que caluniais, Ele já venceu sobre a face da Terra!”
Uma visita às catacumbas de Roma
Imaginem a situação dos católicos nos lugares onde eles se escondiam. Eu a senti, por assim dizer, palpitar na concha da minha mão estando nas catacumbas de Roma.
A primeira vez que fui às catacumbas, estava acompanhado de várias pessoas. Descemos, mas a certa altura eu tive de voltar, por causa de algo que costuma acontecer comigo: se vejo alguém ter falta de ar, imediatamente começo a sentir, também eu, falta de ar e sou obrigado a me distanciar. Naquela ocasião, os meus companheiros e eu descemos até o fundo da terra. Mas à medida que íamos avançando por aqueles corredores, eu ia imaginando a falta de ar que deveria haver lá nos tempos de perseguição, com aqueles lugares repletos de gente, confinada num espaço limitado, naqueles corredores sem fim.
Pensando nessa falta de ar, não suportei e tive de, discretamente, desligar-me dos meus companheiros e sair. Fora, havia um bonito jardim, sorridente, agradável, com um banco de pedra iluminado pelo sol da primavera. Sentei-me e comecei a respirar livremente, pensando na diferença das situações. Naquele mesmo solo, nas noites do Império Romano, quanto passo fugidio de mártires do dia de amanhã, que esgueiravam-se pelas trevas, passavam depressa e se enfurnavam dentro da terra, quando a noite estava mais escura e os guardas não podiam distinguir senão sombras muito confusas! Eram escravos ou ex-escravos, homens pretos ou brancos, graduados ou não, mas todos marcados pelo signo do Batismo.
Mas a História tinha mudado tanto que naquele mesmo lugar onde se situava a entrada de uma catacumba, havia no momento um jardim e nesse jardim estava sentado num banco aprazível um homem que se beneficiava do fresco ar da primavera de Roma…
Poltrões transformados pela graça em mártires
Esse ambiente no qual eu me encontrava era o sinal de uma vitória enorme. A fé que realizava seus cultos sob a superfície da terra, dominava agora essa superfície. E na tranqüilidade da liberdade conquistada e possuída, um filho dessa fé católica respirava tranquilamente, à espera dos que estavam sob a terra.
Que diferença dos tempos antigos! Que diferença de tanto suor, de tanto sangue, de tantas lágrimas, de tanto martírio!
Pior do que tudo isto: de tantas apostasias de pessoas que chegavam na hora do sacrifício e não tinham coragem de manter a fé, renegavam-na e então eram libertadas. E à noite, corroídas de vergonha e de remorso, sem ter coragem de chegar perto dos homens santos que no dia seguinte morreriam pela fé, essas pessoas os viam passar e diziam baixinho, nas sombras: “Tenha pena de mim! Eu me envergonho, eu peço perdão. Obtenha de mim que eu esteja ao seu lado na hora do holocausto amanhã”. E o passante dizia: “Sim, sim. Deus o ajude!”, e se afastava com rapidez.
No dia seguinte, a graça lhes havia dado uma energia que dominava tanta fraqueza, uma força enormemente maior do que tanta poltronice. E assim, entre a coorte dos pobres miseráveis que iam andando no meio das feras e sendo agarrados por elas de cá e de lá, via-se um homem que com coragem desafiava um leão. Era o poltrão da véspera. O raio da graça tinha pousado sobre ele. Na Igreja de Cristo havia mais um mártir; no Céu, mais um santo.
Não estava longe o dia em que o paganismo cairia
Bem, com tudo isto a Igreja foi se estendendo sobre toda a Terra. Era assim mostrada a vitória da Igreja , na sucessão dos pequenos triunfos e dos grandes esmagamentos, da enorme frutificação conseqüente a esses esmagamentos e a enorme proliferação dos filhos da fé por todo o Império Romano. Os que tinham presenciado tudo isto e os que eram frutos deste processo, viam que não estava longe o dia em que o paganismo haveria de cair.
Chegou um momento em que a própria futura imperatriz, mãe de Constantino, o pretendente ao trono imperial, era católica, a modelar romana Helena. E este fato era do conhecimento de todos, porque a encontravam misturada no meio do povinho humilde, de cabeça inclinada, na hora em que se oferecia o Santo Sacrifício. E pedindo, naturalmente, por si mesma e pelos dela, mas pedindo também — e com quanto empenho! — pelo filho, e pelo Império que esse filho teria nas mãos, tomando em consideração que um simples movimento de alma do filho podia fazer cessar a dominação pagã e fazer luzir aos olhos do mundo o Reino de Cristo.
Rezava, rezava, rezava, sem articular conspirações terrenas, mas conspirando com o Céu, conspirando com Maria Santíssima, conspirando com Deus onipotente, que é não só misericordioso, mas é a Misericórdia, para que esse momento chegasse.
O triunfo final
Chegou a confrontação entre os imperadores Constantino e Maxêncio (este último, feroz inimigo dos cristãos) perto da Ponte Mílvia, em Roma, pelo controle da parte ocidental do Império. Constantino viu que ele estava em inferioridade de condições. Na véspera do confronto, lembrado das orações da mãe, se ajoelhou e rezou ao Deus de Helena. Apareceu no céu uma cruz radiante e as letras gregas similares às letras X e P, que são as duas primeiras letras do nome de Cristo nessa língua, Christós. Em torno dessa cruz, as palavras “In hoc signo vinces” — “Com este sinal, vencerás”.
Na magnífica seqüência de aparentes becos sem saída que fora a vida da Igreja no Império Romano até então, havia por fim uma saída, prenunciava-se o triunfo final, abria-se a avenida da História que se desenvolveria largamente por séculos inteiros. Era o momento em que, anunciando às tropas o seu propósito de converter-se, anunciando a sua fé em Cristo, mandando pôr nos lábaros romanos o sinal da vitória de Cristo, Constantino deu a investida.
In hoc signo vinces! As tropas de Maxêncio foram dispersadas. Constantino era pagão até então, mas atribuiu a vitória ao Deus cristão, a quem rezava sua mãe, Helena.
E pouco depois, em 313, ele concedeu liberdade à Igreja Católica em toda a vastidão do Império. Tomou o palácio da sua esposa, Fausta, que tinha pertencido à nobre família dos Laterani, e o deu de presente ao Papa. Esse edifício se tornou a Basílica de São João de Latrão, Catedral de Roma até hoje e, enquanto sede do Papa, Bispo de Roma, cabeça e mãe de todas as igrejas do mundo: urbis et orbis ecclesiarum mater et caput.
Não muito longe dali — na Basílica de São Pedro, que Constantino mandara construir sobre o túmulo do Príncipe dos Apóstolos — Carlos Magno haveria de ser coroado imperador pelo Papa. À luz suave da noite de Natal do ano 800, nasceria o Sacro Império Romano Alemão, para bênção dos povos durante muitos séculos.