Ao lado da bonomia e da doçura de viver que fazem dele um dos encantos desta terra de exílio, envolto por uma natureza risonha, bela e amiga, que parece cantar ao som das célebres melodias dos seus gênios musicais, o povo austríaco se caracteriza de modo muito particular pela grandeza de alma com que conserva os esplendores aristocráticos herdados de seu passado.
Como nostálgica dos gloriosos dias da monarquia dos Habsburgs, a pompa imperial ainda lateja em muitos monumentos, edifícios, costumes e instituições dessa Áustria que não nos cansamos de admirar.
Por exemplo, o Castelo do Belvedere ou o Palácio de Schoenbrunn, construções de linhas clássicas e majestosas, refletindo-se plácida e feericamente nos seus bassins, evocam a Viena das galas e requintes do Ancien Régime.
Mais recuado no tempo, o Paço Municipal da metrópole austríaca ostenta sua magnífica arquitetura gótica, podendo ser contemplado através de folhagens tingidas de um verde delicado e bonito, circundado por canteiros em que flores variegadas abrem suas lindas pétalas para receberem as gotas de água que respigam de elegantes chafarizes. No secular edifício nota-se toda a força e leveza do gótico: nas torres erguidas sem dificuldades para o céu, nas janelas e arcarias ogivais, na beleza do teto, na nobreza das pedras e em muitos outros de seus extraordinários aspectos.
O que há de velho e perene no prédio é harmonicamente completado pelo que há de novo e fresco em toda a vegetação e nos jorros de água ao redor dele. Enfim, poder-se-ia mesmo adorná-lo com este título: “Tradição sempre viva”…
Mencionemos também a Hofburg, contemporânea, no seu estilo, do Belvedere e de Schoenbrunn, marcada de maneira especial pela presença de dois soberanos que, jovens, mais pareciam personagens de um conto de Fadas. Apesar dos seus defeitos e frivolidades para os quais não se deve fechar os olhos, Francisco José e a Imperatriz Elizabeth — a legendária Sissi — eram entretanto símbolos vivos do que a Civilização Cristã havia engendrado de mais excelente. Daí terem escrito uma das páginas imorredouras da história austríaca.
Daí, igualmente, o aroma de suas personalidades arquetípicas ainda se fazer sentir naquele esplêndido edifício imperial, impregnando os salões que se sucedem de modo agradável e acolhedor, iluminados ora pela luz intensa que atravessa suas largas janelas, ora pela incidência tamisada dos raios de sol contidos por delicados voiles. Vastos espaços ornamentados com móveis nas cores austríacas — vermelho, branco e dourado —, harmonizando-se belamente com o ouro das molduras, das boiseries, das pinturas que cobrem seus tetos.
Os assoalhos são verdadeiros mosaicos de madeira, engenhosamente traçados, formando lindo conjunto com a suntuosidade dos salões ou com a simplicidade e o bom gosto de muitas daquelas salas, apenas com suas mesas de tampo envernizado, uns poucos vasos, algumas cadeiras, castiçais dourados e, a um canto, o aquecedor revestido de porcelana branca com apliques folheados a ouro.
Nada é excessivo, nada sobrecarregado nem empetecado. Nos salões mais freqüentados pela Imperatriz domina qualquer coisa de graça feminina, distinta, suave, com ornamentos bem apropriados e lustres que dão quase a idéia de uma flor de cristal suspensa ao teto… Facilmente imaginamos ali a delicada soberana, num daqueles momentos informais em que ela recebia suas amigas para o chá da tarde ou para conversar na intimidade com seu esposo, o Imperador. Este também tinha seus salões reservados, com decorações mais adequadas ao gosto masculino, sóbrias, com molduras menos trabalhadas, lustres menos floridos e o dourado mais discreto.
Graça, aconchego, sobridade e majestade que iam se reunir, todas, na sala dos grandes banquetes que o casal imperial oferecia a monarcas, dignitários e personalidades da Europa e do resto do mundo. Acomodados nas cadeiras de veludo vermelho, sentavam-se à mesa reis e rainhas, ministros e chefes de Estado, cardeais e bispos, diplomatas e altas patentes militares, nos seus trajes suntuosos realçados por alamares, jóias e condecorações. A refeição solene transcorria à luz das velas cintilando em candelabros de ouro e nos imponentes lustres de cristal, sob o olhar dos personagens estáticos nas telas imensas que dominam as paredes. Quadros de tonalidades profundas, contrastando com aquilo que a sala poderia ter de etéreo e ligeiro, e lhe conferindo, por isso mesmo, a gravidade mais condizente à majestade imperial.
Imagine-se uma orquestra tocando numa sala vizinha, de maneira que os seus sons harmônicos tornassem ainda mais agradável o banquete, enquanto os servidores enchiam as taças com um vinho capitoso do Reno e guarneciam os pratos com incomparáveis pâtisseries vienenses — e então nos é dado compreender que esplendor se reunia nesta sala!
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Cumpre considerar como essas belezas nos falam de um poder régio, augusto, tão seguro de si que pode viver na alegria de ser o que é. Ao mesmo tempo, um poder que se encontra nas mãos de gente ultracivilizada, ultraquintessenciada, a quem fica bem a prática de todas a virtudes. Trata-se, pois, de uma forma de majestade que não é apenas o mando, mas o direito de governar por causa da posse de qualidades super-eminentes, entre as quais os predicados morais devem ter a primazia absoluta.
E nisso vemos um reflexo da própria majestade de Deus imersa na segurança eterna de sua felicidade perpétua, inteiramente garantida na despreocupação e na alegria perfeitas do Céu.
Em suma, a contemplação desses esplendores nos deve fazer pensar no tipo humano para o qual eles foram feitos. Esse tipo humano atrai a nossa atenção para a superioridade que foram chamados a representar. E esta superioridade, por sua vez, deve elevar nosso pensamento até Deus, criador e fonte de todas as majestades e belezas.