Vitrais, som de órgão, pores-de-sol, gravuras de cavaleiros, e até — por que não? — requintadas guloseimas atraíam o espírito de uma criança extremamente contemplativa e sedenta de maravilhoso. No fundo desses movimentos inocentes, ela estava à procura do absoluto. Neste sentido, o Natal constituía uma ocasião especial para o pequeno Plinio.
O que havia de mais maravilhoso na minha infância ficou representado pelas festas de Natal, de maneira que elas constituem um exemplo que volta facilmente ao espírito.
Tomem uma criança na primeira infância, entrando numa sala onde está preparada uma árvore de Natal, com velas acesas, diversos enfeites natalinos, além dos objetos próprios a uma sala de casa: mesa, livros, quadros, cadeiras, etc. Apesar da variedade de aspectos a serem observados, a atenção da criança é atraída imediatamente pelos objetos maravilhosos que estão ali dentro, deixando de lado os da vida cotidiana. Dir-se-ia ser esta uma atitude natural, porque as coisas maravilhosas não são cotidianas, e o que é novo sempre chama a atenção.
Não é, porém, a simples novidade que atrai. Imagine-se outra criança que visite pela primeira vez a mesma casa, para ir ver a árvore de Natal. Esta será, para ela, tão nova quanto os demais objetos que se encontram na sala.
Ora, é a árvore natalina que lhe cativará a atenção. Mais do que tudo, ela se sente atraída pelas luzes da árvore, pelas bolinhas prateadas, douradas, vermelhas, verdes, azuis, que pendem dos galhos, e depois pelas guloseimas também penduradas ali, que logo despertam seu apetite…
Por que razão a atenção da criança fica mais atraída pelas bolas, pelos enfeites, pelas luzes do que pela própria árvore de onde tudo isso pende? E mais atraída pela árvore no conjunto do que pelos outros objetos na sala?
No fundo, porque a criança inocente tem, junto com o senso do maravilhoso, o senso do absoluto, quer dizer, uma idéia de que se algo fosse absolutamente como deve ser, seria muito mais maravilhoso do que é na realidade.
Dentro de cada criança dorme um desejo do Paraíso
Noutras palavras, esse senso do absoluto seria um desejo do Paraíso. Sem que a criança jamais tenha ouvido falar de Paraíso, nem ter ainda a inteligência para se representar o que ele seja, dorme dentro dela um anseio de Paraíso. E este anseio desperta quando ela vê aqueles objetos maravilhosos.
Os esmagadores, os incendiários de paraísos, os que passam um trem de poeira e de sujeira sobre os paraísos, dizem que esse movimento de alma de uma criança é tolo, é o da primeira infância, e quando ela for mais velha se incomodará muito mais com a agência bancária do que com a árvore de Natal.
Eles não se dão conta de que esse paraíso que dorme na criança é o melhor do talento dela, é o melhor de sua inteligência, por onde ela revela uma compreensão possante, se bem que confusa, das coisas como estas deveriam ser, perfeitas, maravilhosas. Por isso ela se alegra diante de algo que satisfaz essa sua tendência para o esplendoroso, e até certo ponto contempla com indiferença os objetos comuns.
Procura do maravilhoso, procura de Deus
E toda criança, enquanto conserva a inocência que lhe vem das graças do Batismo, é insaciável de maravilhas. Ela vê uma, quer outra, e depois outra e mais outra. Não pára. No fim dessa tendência, ela quer uma espécie de maravilha total, de maravilha absoluta.
Em última análise, se lhe fosse dado conhecer a mais perfeita das criaturas, Nosso Senhor Jesus Cristo na sua humanidade santíssima, ou abaixo d’Ele, Nossa Senhora, a criança ficaria encantada. Ao cabo de algum tempo de convívio, ela diria o seguinte: “É bem verdade, Ele tem tudo isto, mas Ele foi feito por outro. Se houvesse um ser não feito por ninguém, nunca criado e autor de tudo; um ser do qual não pudéssemos dizer que é inteligente, nem bom, nem poderoso, mas do qual nós disséssemos que é a Inteligência, a Bondade e o Poder, este seria o ser perfeito”. É evidente, porque este ser teria fechado o píncaro, seria a cúpula da ordem do ser, autor da Criação, perfeitíssimo, infinito, eterno. Este é o Absoluto, este é Deus.
De maneira que, na medida em que o inocente vai procurando, procurando, de maravilha em maravilha, vai afinando as exigências de sua alma até chegar a Deus. Só Ele o contenta. O resto é lorota.
Então, o senso do absoluto é o senso de algo que desejamos e que só em Deus se saciará. É o absoluto!
O cachorrinho branco e bege
Em concreto, tanto quanto me lembro, como se movia em mim esse senso do maravilhoso, do absoluto?
Ao admirar as rutilâncias de uma jóia, ou os encantos do marfim, não procurava a fruição dos meus sentidos; eu queria chegar até o absoluto…
Refiro-me à minha primeiríssima infância, aos 4 ou 5 anos, nesse período em que as impressões iniciais se formam, e durante o qual eu observei incontáveis coisas, as mais diversas, aqui, lá e acolá. Desde uma luz acesa na vitrina de uma casa comercial pela qual eu passava, até, pouco mais adiante, uma música que ouvia na rua, saída de dentro de uma casa onde alguém cantava ou tocava piano. Ora era um tapete que havia em minha própria residência ou na de um conhecido, e cujo desenho me agradava; ora uma árvore que julgava especialmente bonita.
Ou ainda um cachorrinho gracioso, um “lulu”, não de grande raça, antes um resultado de toda espécie de mestiçagem… Branco, com uma mancha bege bonita a certa altura do corpo e, se não me engano, com orelhas igualmente beges, e todo ele muito vivo.
Eu olhava aquele cachorrinho e o achava bonitinho. Gostava da combinação branco-bege. E me perguntava a mim mesmo: “Por que eu gosto deste cachorro? Por que me agrada esta mistura de cores? É bonito, mas é bonito por quê? Não haverá algo, nesta linha, ainda mais belo? Onde?”
A “jóia” da francesa pobre
Noutra ocasião eu ia visitar uma modesta senhora, amiga pobre da minha governanta, a Fräulein Mathilde. Era francesa, casada com um minúsculo austríaco que arranjara um jeito de perder tudo o que possuía — não perdeu muito — e que morava próximo ao nosso bairro dos Campos Elíseos.
Esta senhora tinha uma jóia (na verdade, uns vidrilhos), com um fundo de pano vermelho ou algo parecido, mas eu não distinguia bem aquilo de rubi, e achava a jóia linda. Sendo vidro com pano, põe-se o que quiser em cima. Era uma jóia vistosa. Eu ficava encantado: “Olha que jóia bonita tem a Frau fulana”, etc.
Todas essas coisas me chamavam a atenção, e eu sempre procurando: “Mais bonito, mais bonito; pode haver mais, pode haver mais…”
Uma tendência para o amor de Deus
Lembro-me, ainda, de quando “descobri” o estilo francês, os encantos e o prestigioso do marfim.
Como em toda casa de um pouco de conforto e de tratamento, aquela onde eu morava tinha uma boa sala de visitas com móveis dourados à la Luís XV. Esta sala ficava sempre fechada, abrindo-se apenas para as visitas. Mas, de vez em quando, furtivamente eu me metia na sala onde a penumbra deixava coar uma claridade suficiente para me permitir analisar de maneira satisfatória todos os objetos que ali se encontravam.
E eu começava a olhá-los, um por um. A exemplo de todas as salas desse gênero, havia uma vitrine bonita, enfeitada, com aplicações de bronze e marfim sobre madeiras preciosas, etc., um móvel bonito, com seu interior forrado de sedas, contendo curiosidades e coisas de mais valor. No primeiro momento me chamavam a atenção esses objetos que estavam dentro da vitrine. Porém, não a abria, sabendo que essa atitude não agradaria a mamãe, a quem eu obedecia e respeitava acima de tudo. Embora a chave estivesse bem à mão, e eu fosse por natureza muito curioso. Chamavam-me até de monsieur touche-à-tout (Senhor toca-em-tudo), porque as coisas que eu olhava, tendia a pegar, examinar, para ver bem, etc. Tendência muito pronunciada, mas mamãe não queria que eu mexesse naquela vitrine, então não se mexia…
Em certo momento comecei a prestar atenção no móvel. O cristal era aplicado de certa altura para cima; embaixo era bombeado como nos móveis Luís XV. Percebi que, nessa parte inferior, havia pinturas de figuras humanas movendo-se num fundo de natureza meio “rousseauniana”, auroras e coisas do gênero.
E descobri os prestígios e encantos do marfim. Fiquei encantado com esse material. E, logo, a mesma pergunta, a mesma procura do mais maravilhoso: “Que beleza! Como seria um mundo se ele fosse como parece ser quando é revestido de madeira em marfim? Como seria o mundo do marfim? Que beleza!”
Cumpre salientar que esse desejo de maravilhas maiores não era em ordem à mera fruição dos meus sentidos. Era querer algo que fosse mais perfeito, na linha do Paraíso que dormia dentro de minha alma. Eu pensaria em outra coisa, depois em outra, depois em outra… A tendência era de não me contentar com nada, de ir de mais elevado em mais elevado, de chegar até o absoluto.
Era, portanto, uma tendência para o amor de Deus.