Admirando os frutos da civilização católica na Europa, Dr. Plinio se encanta ao contemplar a impregnação da vida civil pela sacralidade da religião, conferindo a monumentos e praças um aspecto encantador, quase de conto de fadas.
O prédio da Prefeitura de Aachen parece um relicário. Se nos mostrassem uma fotografia onde não aparecessem a rua, as árvores, os lampadários, e nos dissessem: “Relicário de ouro do século XIV”, julgaríamos tratar-se de uma peça de arte lindíssima.
Quando a sacralidade se comunicava a toda a ordem civil
Embora seja um paço municipal, quem o visse pela primeira vez, sem uma explicação, facilmente admitiria tratar-se de uma catedral ou da igreja de um convento, porque na época em que foi construído, os edifícios laicos não eram tão diferentes dos sagrados quanto são hoje. Os prédios destinados ao governo temporal tinham qualquer coisa de sacral, e essa sacralidade se comunicava a toda a vida civil, era a impregnação da vida civil pela religião.
Chamo a atenção para o teto, em ogiva, todo ele com pequenos respiratórios de chaminés que correspondem a uma necessidade para a respiração desses lugares em tempo de inverno. Mas vejam como estão postos de maneira tal que realçam a beleza do próprio teto, unindo o útil ao agradável.
Rainha e Mãe, com os encantos da juventude e da idade madura
A imagem de Nossa Senhora Padroeira de Aachen, situada na Capela Palatina, é propriamente lindíssima. Eu gostaria de atrair a atenção não tanto sobre o vestido, muito bonito, nem sobre a escultura, muito boa, mas sobre o estado temperamental que o artista figurou em Nossa Senhora.
Vê-se que é uma pessoa respeitável no mais alto grau. É propriamente uma rainha. Mas ao mesmo tempo sente-se n’Ela toda a bondade de uma mãe, não só pela maneira de carregar no braço o Menino-Deus, mas também o modo pelo qual a Santíssima Virgem parece olhar para quem Lhe está apresentando uma súplica. É uma benevolência, uma disposição de atender que impressiona do modo mais agradável!
Outro aspecto que chama a atenção é a idade. É ou não é verdade que Ela possui algo da seriedade da idade madura? Mas é verdade também haver n’Ela ainda qualquer coisa da moça. É agradável considerar esse equilíbrio das duas idades reunindo-se num momento da vida em que a pessoa apresenta, ao mesmo tempo, os atrativos de uma e de outra etapa da existência.
Por outro lado, é preciso considerar a calma, a tranquilidade da pessoa ali representada. Uma calma completa, serena, de quem não vive correndo, não está habituado, nem sequer andou alguma vez de automóvel. Nunca viajou de avião, nunca viu televisão nem usou telefone. É uma pessoa cujos nervos estão completamente desengajados do corre-corre do século XX.
Um dos palácios mais belos da Europa
Em outra fotografia, vemos a beleza singular do palácio de Chantilly, na França, embora sem muita simetria, como eram as construções próxima ou remotamente ligadas à antiga arte medieval. A simetria aparece exatamente a partir dos séculos XV, XVI e XVII, mas esse prédio foi construído ainda segundo moldes um pouco medievais. Assim, trata-se de um conjunto de corpos de edifício que se acumulam como podem, mas que, no seu imprevisto e na beleza de cada corpo, formam um aspecto encantador, de conto de fadas.
Merece especial destaque a torre redonda, alta e que, ela sim, faz simetria com a outra, presente no ângulo oposto. Ambas imergem no lago, produzindo um efeito de beleza extraordinária!
Notem a formosura do lago, do canteiro com seus desenhos, e a tranquilidade das águas que passam. A floresta é uma continuação desse desenho que se perde mais ou menos no infinito. É um dos palácios mais belos da Europa.
Vejam como as construções humanas lucram em ficar à beira d’água. Aliás, uma coisa que me desola no Rio de Janeiro é o fato de que, tendo o panorama marítimo mais belo do mundo, a bem dizer não tem construções à beira-mar.
Praça de uma beleza exemplar
A Place Vendôme é de uma beleza exemplar. Juntamente com a Praça de São Marcos em Veneza e a de São Pedro em Roma, é uma das praças mais belas do mundo, embora obedecendo a uma concepção técnica diferente. A praça tem evidentemente quatro ângulos com ruas cortando a fachada em três pontos. No restante, todos os edifícios são iguais. No seu interior ela é inteiramente vazia, oferecendo ao trânsito um enorme espaço, de maneira que não se tem a impressão de muito tráfico de automóvel, pois aquilo se dilui sobre uma superfície imensa.
Na calçada e no andar térreo há uma série de arcos, os quais geralmente correspondem a lojas de grandíssimo luxo, que constituem um dos elementos da nata do comércio de Paris. É preciso ter visto os quatro lados da praça num olhar só para compreender a nobreza, a dignidade e a perfeita regularidade de sua beleza.
A coluna central não vai bem com a praça. Não digo isso por antibonapartismo. É verdade que, ainda que ficasse bem, tendo em cima Bonaparte, valeria a pena arrancar. Contudo, a coluna não combina com o ambiente, pois, por suas proporções exageradas, parece furar a praça pelo meio.
O que ficaria bonito, a não ser a estátua equestre de Luís XIV – que durante algum tempo houve ali –, seria pelo menos um belo jogo de águas. Isso infelizmente não existe.
Considerem o lindo lampadário. Que diferença com as nossas luminárias de São Paulo, por exemplo, com a famosa lâmpada de mercúrio em cima, causando-nos a impressão de um pescoço muito alto com uma cabecinha microcefálica no topo! Nesse lampadário parisiense, notem a elegância com que esses três focos estão apoiados sobre uma coluna de metal que termina numa base. Como é bonito! Tudo isso é o gosto tipicamente francês.
(Extraído de conferência de 21/12/1988)