Esquecidos de que o Catolicismo é a única escola do perfeito e completo heroísmo, que sobrenaturaliza e santifica a personalidade inteira do indivíduo, e implica em uma imolação total de si mesmo tendo em vista uma finalidade superior, muitos católicos chegaram a ter uma visão diminuída das verdades de sua própria Religião. Verdades que, em lugar de serem tidas por seus venturosos adeptos como um meio de triunfo espiritual sobre o pecado, a concupiscência e o erro, pesam duramente como se fossem onerosas correntes de cativeiro moral, dolorosos instrumentos de suplício, cujo portador tudo faz por atenuar seu peso e amesquinhar seu volume, diminuindo assim esse ônus que, entretanto, longe de ser um fardo cruel, um estigma de cativeiro, é na realidade um salva-vidas sem cujo auxílio o homem não subsiste na vida espiritual.
Ocupa lugar de destaque nessa triste galeria de verdades diminuídas, de virtudes amesquinhadas, de sofismas interiores mais ou menos conscientes e covardes a noção que habitualmente se tem de “bondade”.
Segundo a opinião corrente, o que é uma pessoa boa? A Moral, para a grande maioria de nossos contemporâneos, varia quase completamente segundo a situação de cada qual e, não raras vezes, o que em uma senhora seria tido como imperativo preceito de Moral, em um moço parecerá ridículo e desprezível defeito.
A bondade, pois, segundo esses censuráveis conceitos, varia conforme o sexo e a idade. Não há, talvez, expressão de que tão frequentemente se abuse quanto a de “bom rapaz”. Verificando-se a que série incontável de indivíduos ela é dada, fazendo-se o levantamento dos defeitos que um rapaz pode ter, sem por isso deixar de ser “bom” segundo a opinião corrente, comprova-se que, desde que ele não tenha matado, ferido ou espancado gravemente alguém, desde que não tenha roubado pelo processo do arrombamento, é qualificado de bom. Pode esse rapaz esbanjar criminosamente sua mocidade arrastando-a pelos mais miseráveis antros da cidade, ter os vícios mais lamentáveis, praticar as mais censuráveis leviandades no terreno sentimental, como seja alimentar esperanças e provocar decepções, movido apenas pela vaidade e pelo capricho, tudo isso será considerado muito engraçado, típico de um jovem que não queira passar por inteiramente desinteressante.
Evidentemente, segundo essas abomináveis regras de Moral, há restrições a estabelecer. Um moço que contraia imprudentemente um noivado com o intuito de jamais cumprir sua promessa de casamento fará uma coisa muito engraçada. Mas se a vítima da aventura, ao invés de ser uma pessoa estranha aos adeptos dessa singular Moral, for uma filha, irmã ou parente, tudo isso passará a ser qualificado infalivelmente de genuína crapulice. Um rapaz que, a título de “rapaziada”, arme um “rolo”, fará algo de muito divertido. Mas se, durante o “rolo” ferir alguém gravemente, e por isso andar às voltas com a polícia, deixará de ser tido como um “bom rapaz” para ser um “indivíduo que até tem ficha na polícia”. Em última análise, tudo isso reverte em uma adoração do êxito. Tudo aquilo que não teve mau êxito será desculpável, por pior que seja. Tudo o que não fere os interesses pessoais é jocoso e interessante. Tudo o que os fira será censurável e digno de condenação.
Um homem vai ao altar, jura manter uma fidelidade plena à sua esposa, depois rompe o compromisso assumido, por um ato libérrimo de sua vontade. Contra esse homem só existe a reprovação dos parentes de sua esposa, os quais acham muito natural que outros façam o mesmo com pessoas que lhes são perfeitamente estranhas.
Vê-se como a Moral mundana é inteiramente vã, representando apenas a sobrevivência de alguns vagos princípios da Moral católica.*
* Cf. Bondade. Em O Legionário n. 463, 27/7/1941.