Nas harmoniosas transições temperamentais de Dona Lucilia era visível um fundo de sacralidade, de Fé, de desapego inteiro de si, que convidava os outros a entrarem no estado de alma em que ela se encontrava para serem um com ela.
Havia qualquer coisa da relação de alma entre mamãe e mim, que só percebi com inteira clareza quando comecei a ver as pessoas voltarem os olhos para ela no final de sua vida.
Na devoção a Nossa Senhora, proximidade com o Sagrado Coração de Jesus
Eu quase não fazia comparação entre ela e as outras mães, e por causa disso tinha uma noção implícita e confusa de que as outras mães não eram como ela. Porém, analisando a atitude de alma de certas pessoas com suas respectivas mães, não podia deixar de perceber o quanto era diferente. Estando com um homem muito alto ou muito mais baixo diante de mim, não posso deixar de notar a diferença de altura, ainda que eu não faça comparação. Assim também comecei a perceber que as relações entre nós continham algo de outro elemento que não era, de nenhum modo, um elemento comum, corrente, e que eu noto ter certa relação com Nossa Senhora.
Dona Lucilia possuía um grau de equilíbrio mental e temperamental que, tanto quanto eu possa ver, não era passível de ser aumentado. Nele se conjugavam sem nenhum choque os estados de alma mais diversos, sucedendo-se com muita harmonia, coerência, dignidade, lógica, com uma espécie de lentidão, ao mesmo tempo natural e solene, como que em torno de um “flash” secretíssimo a respeito da Igreja Católica e, sobretudo, da grande devoção dela, que era o Sagrado Coração de Jesus.
Mamãe foi sempre muito devota de Nossa Senhora, mas com o correr do tempo essa devoção foi aumentando pelo que eu explicava a ela. Eu via que tudo quanto lhe dizia a esse respeito penetrava profundamente nela, e ainda a aproximava mais do Sagrado Coração de Jesus.
Nosso Senhor era o modelo divino daquilo que havia nela de maneira criada
No centro de tudo isso, eu tinha a impressão de que o próprio Cristo Nosso Senhor era o modelo divino daquilo que havia nela de maneira criada. De tal modo que, lendo no Evangelho a sucessão dos estados temperamentais d’Ele – ora grandioso, ora increpante, ora plácido, sereno, ora curvando-Se para tratar de uma criança, participando de uma festa, embrenhando-Se sozinho no deserto para ter a batalha trágica com satanás –, em tudo isso, o que mais me impressionava sempre não era apenas a santidade perfeita de cada um desses estados de alma, mas também a harmonia com que Ele passava de um estado para outro, sem ranger, sem estranheza, nem nada. Era uma harmonia, uma transição perfeita que só tem comparação com a harmonia com a qual, em um dia muito bonito, passa-se da aurora ao meio-dia, depois para o crepúsculo e deste para a noite. São transições perfeitíssimas em que não há um hiato.
Assim também eram as transições temperamentais dela. Com um fundo nunca dito, mas sempre visível e transparente de sacralidade, de Fé, de desapego inteiro de si, que convidava os outros a entrarem nesse estado de alma para serem um com ela. Isso mamãe semeava em torno de si de tal maneira que até hoje essa atmosfera impregna o apartamento dela; quem entra lá encontra isso. Algo disso suspeito que há também junto à sepultura dela, no Cemitério da Consolação.
(Extraído de conferência de 15/2/1979)