Em tudo, até mesmo na narração de uma simples história, Dona Lucilia encontrava meios para cumprir o mais importante dever materno: ensinar aos filhos os mais altos princípios, conduzindo-os, assim, pelas sendas da salvação eterna.
Embora não ministrasse aulas — não lhe cabia este dever —, Dona Lucilia correspondeu inteiramente ao papel de mestra.
O papel de uma mãe consiste em rezar pelo filho, desejar sua salvação, fazer de tudo para ele ser inteiramente de Nossa Senhora, amando os princípios que são conformes à Doutrina Católica e à razão. Isto Mamãe fez profundamente, sendo uma mãe exemplaríssima.
Como ela o fez?
Por exemplo, o modo de ela contar histórias era muito especial.
Narrações imbuídas de profunda seriedade
As várias histórias por ela narradas tinham como principal intenção a formação de minha alma, assim como a de minha irmã e de uma primazinha que era educada conosco.
De que modo ela contava essas histórias?
Ela as contava com uma profunda seriedade, mesmo porque ela não narrava contos engraçados, pois ela nem sabia fazer graças. Se bem que, às vezes, para nos entreter, ela procurasse dizer alguma coisa engraçada, sua pessoa não se prestava a fazer rir. Pelo contrário, eu tinha vontade de admirar profundamente as coisas sérias, afetuosas, amáveis e cheias de sentido que ela dizia.
Desta forma, uma das histórias que ela nos contava era a do “Gato de Botas e o Marquês de Carabás”, a qual me deixava simplesmente entusiasmado.
Um arquetípico Marquês
Como era a história?
Há tantos anos que eu a ouvi, que eu me lembro dela apenas de modo vago. Recordo-me de haver um gato que usava botas colossais, as quais lhe proporcionavam a possibilidade de andar muito depressa, pois o grande tamanho destas fazia os passos do gato serem muito grandes, locomovendo-se, por isso, muito rapidamente.
Eu me perguntava seriamente por que Mamãe não mandava fazer sapatos muito grandes para mim. Pois, com minha monumental preguiça de andar1, se eu tomasse calçados grandes como os do “gato de botas”, com poucos passos eu poderia transpor distâncias consideráveis, o que para mim seria uma solução de primeira ordem.
O “gato de botas” era um felino muito singular: Ele falava, podendo assim entrar em contato com os homens e fazer boas ações; mas, às vezes, fazia também alguma malandragem, constituindo o exemplo do espertalhão. Por outro lado, ele era um bom diplomata, pois sabia arranjar bem as coisas.
Nas narrações de Mamãe, o enredo da história girava em torno do Marquês de Carabás, em cujas terras vivia o gato. Esse Marquês era descrito por ela como sendo um homem muito rico, possuidor de um belo castelo localizado no meio de um trigal, inteiramente dourado, muito bonito e abundante. Dito campo era ceifado pelos colonos que viviam a serviço do Marquês, e o trigo era depois vendido, rendendo-lhe assim muito dinheiro.
Sendo muito rico, o Marquês possuía uma carruagem esplêndida, dourada, com janelas de cristal, forrada de seda. Na parte dianteira do coche vinham os postilhões, e atrás, os dois lacaios, que iam em pé numa espécie de terracinho.
Quando o carro parava por ordem do Marquês, os dois empregados de trás pulavam depressa, e cada um numa porta colocava um degrau para auxiliá-lo a descer, pois as carruagens eram bastante altas.
O Marquês de Carabás estava sempre muito bem vestido, trajado de seda e portando um chapéu de três bicos com plumas brancas; seus sapatos possuíam saltos vermelhos que constituíam privilégio dos nobres; e, do lado pendia-lhe uma espada com a qual duelava, de vez em quando, contra os que atentavam contra o respeito a ele devido.
Não me lembro bem das razões pelas quais, certa vez, o “gato de botas” andou metendo-se com o Marquês de Carabás, o qual, furioso, mas com muita destreza, foi de espada em cima do gato para matá-lo, mas este, com seus calçados muito grandes, saiu correndo.
Interesse por tudo quanto dizia respeito ao Marquês
Não me recordo do enredo da história, mas quando Mamãe começava a descrever o ambiente que cercava o Marquês de Carabás — o qual me interessava muito mais do que o “gato de botas”—, eu começava a perguntar como era a roupa do Marquês; como eram suas botas e sua espada; qual seria a soma de dinheiro contida na bolsa que ele trazia consigo, pois, sendo ele tão rico, deveria levar muito dinheiro, ou, então, apenas uma pequena quantia devido ao medo de que lhe roubassem; se ele tinha guardas para o acompanharem, uma vez que era um homem tão importante.
Eu também questionava a respeito do trigal, se era todo o ano bonito dourado, ou se havia épocas em que o trigo era ceifado e a fazenda ficava sem-graça. “O que fazia o Marquês quando a fazenda ficava sem-graça, como é que ele se divertia?”
Vê-se que eu estava muito mais interessado pela instituição nobiliárquica do que pelo “gato de botas”.
Formação pelos exemplos
Eu perguntava toda espécie de pormenores para Mamãe, e ela ia prevendo, com muito senso psicológico, como eu gostaria que fossem as coisas, e assim as descrevia. Desta maneira, eu ficava encantado, porque tanto o Marquês quanto o gato eram sempre como eu queria.
No meio disso tudo entravam episódios que constituíam a parte moralizadora da história. Em certo momento, por exemplo, o Marquês pregava uma mentira. Então, Mamãe mudava de fisionomia e ficava muito séria. Nessas horas os olhos dela, que eram de um castanho comum aqui no Brasil, passavam a ser castanho-escuros.
Ela descrevia com muita censura como o Marquês tinha mentido: “Onde é que se viu isso, um homem como o Marquês! Já um menino não deve mentir — este quando mente anda muito mal e merece um castigo dos pais —, mas um homem já formado que mente é uma coisa horrorosa! O Marquês mentia porque desde pequeno já se tinha habituado a mentir, e quando ficou homem tornou-se um mentiroso. Talvez tenha faltado quem explicasse ao Marquês que nunca se deve mentir.”
Percebe-se ser a narração calculada para que eu, ouvindo-a, ficasse com horror à mentira, e compreendesse que se, já naquela idade, me habituasse com a mentira, poderia depois tornar-me um homem mentiroso, sem palavra nem critério. Ela ainda acrescentava outros casos de castigos que recebiam os homens que mentiam.
A loucura da mentira
Lembro-me, por exemplo, ouvi-la contar o caso de um parente dela — assim nós saíamos do mundo dos contos de fada para passar à realidade — que estudava em São Paulo, numa escola superior. Certa ocasião, havendo uma greve em sua escola, ele, homem de cabeça muito quente e irritadiço, tomou parte na greve, tornando-se um dos chefes desta. Quando a greve chegou ao auge, os dirigentes da escola acharam que era preciso fazer algumas concessões aos alunos. E, de fato, isso fez com que os ânimos se acalmassem.
Os líderes diziam entre si:
— Vamos acabar essa greve? Eles estão cedendo, vamos ceder alguma coisa nós também.
Então, este parente colocou-se no meio de todos e disse:
— Se vocês acabarem com essa greve, eu a continuo sozinho. E se eu ceder, vocês podem se considerar no direito de, sempre que me encontrarem, me cuspir no rosto. Pois, eu sou um homem que tenho palavra e não volto atrás, não sou um sujeito sem palavra como vocês. Vocês se incumbiram de fazer a greve e de levá-la até o fim, agora não têm coragem.
É uma atitude desparatada, pois ele não tinha de fato aquela convicção, e mentiu ao afirmar aquilo.
O resultado foi que ele ficou com o curso interrompido. Porque se ele aparecesse na faculdade iam cuspir nele, e, como ele não podia tolerar aquilo, ele abandonou o curso e não se formou.
Mamãe então dizia:
— Está vendo a loucura de quem mente? Ele mentiu e a mentira colou nele, e o impediu de se formar. Era um homem inteligente, mas não teve curso superior. Por quê? Porque mentiu. Você se lembra ontem que você mentiu a tal hora assim, e que ficou uma coisa feia? Mamãe falou com você.
Eu ficava muito impressionado e envergonhado com aqueles exemplos dela, e dizia:
— Sim, senhora, me lembro.
Ela aproveitava e dizia:
— Você se arrependeu, ou ainda não está arrependido?
— Estou arrependido, sim, e peço perdão à senhora.
Ela me beijava, me abraçava com muito afeto e dizia:
— Então vamos voltar ao Marquês de Carabás…
E eu já tinha as perguntas preparadas para o resto da história.
O despretensioso desejo de contemplar as coisas mais elevadas
Quando Mamãe iniciou a descrição da carruagem do Marquês de Carabás, sem notar que eu estava fazendo uma relação com as carruagens dos reis de França vistas por mim anos antes, e achando que todas as carruagens eram iguais, comecei a perguntar sobre os pormenores, segundo as carruagens que eu contemplara em Versailles. E ela, com paciência e bondade enormes, dizia:
— Não, a carruagem do Marquês era assim…
No dia seguinte, eu acrescentava:
— Mamãe, eu estive pensando bem. A carruagem não tinha pedras preciosas do lado de fora?
Ela sorria com enorme amabilidade e dizia:
— Ah! é verdade, tinha, sim.
Ela o fazia com indizível carinho e afeto, com alegria de poder dar-me a certeza de que essa carruagem imaginária era como eu pensava. No fundo, ela estava alimentando o meu desejo de contemplar o mais perfeito.
Tudo isso constituía um mundo de maravilhoso e seriedade, mas também um mundo de carinho e adaptação à minha personalidade e a meu modo de ser. Desta maneira, nos queríamos inteiramente bem.
O casamento de D. Pedro II
Além dessas histórias, ela contava também coisas do passado da família, apanhando o que havia de maravilhoso no tempo dos avós dela.
Ela me contava, por exemplo, que o Imperador D. Pedro II, quando ainda jovem, foi o único membro da Família Imperial a ficar no Brasil. D. Pedro I tinha ido para a Europa levando consigo sua segunda esposa — a primeira havia morrido —, Da. Amélia de Leuchtenberg, e então D. Pedro II acabou ficando sozinho aqui com José Bonifácio de Andrada e Silva — o homem da Independência —, tomando conta dele.
Quando ficou mocinho, D. Pedro deveria casar-se, e como naquele tempo não havia fotografia, o modo usado pelo Imperador para encontrar alguém com quem se casar foi mandar um diplomata à Europa para percorrer as principais cortes e trazer pinturas sobre marfim das várias princesas que tinha encontrado. Chegando de volta ao Brasil, este lhe mostraria, acrescentando: “Essa tem tal qualidade; essa tem tal outra.”
Nomearam para essa função um Conde de Alcejur, o qual percorreu a Europa, enviando pinturas para D. Pedro II. Porém, este não achava nenhuma que tivesse uma apresentação de seu agrado. Afinal, veio do Reino das duas Sicílias a pintura de uma princesa muito bonita, distinta e leve, da qual o Imperador gostou.
Um histórico e familiar exemplo de caridade
Tendo a Imperatriz chegado ao Brasil, houve um pomposo baile no palácio imperial. Enquanto todos dançavam, meu bisavô2 — que era deputado e membro do parlamento — passou por uma sala contígua à sala de baile e encontrou a Imperatriz sozinha, sentada. Enquanto isso, ao lado, todos dançavam alegremente.
Ele se aproximou dela, apresentou-se e perguntou como ela ia passando. Ao que ela respondeu:
— O senhor me pergunta como eu vou? Não percebe que eu estou aqui sozinha, sendo a Imperatriz, e que ninguém está junto a mim? Isso se deve ao fato de eu não dançar, além de não ser bonita… Não atraio a atenção de ninguém, e por isso sou uma infeliz…
De fato, já quando a Imperatriz chegara ao Brasil, Dom Pedro percebeu que a pintura a ele enviada era falha, pois ela era muito feia, além de ser gravemente manca.
O meu bisavô ficou com pena dela e disse:
— Vossa Majestade me permite uma liberdade?
— Pode dizer.
— Eu estive estudando seu modo de mancar. Se Vossa Majestade pisar de tal modo assim, e depois assim, ninguém percebe, e Vossa Majestade pode andar de um modo normal, e até mesmo dançar.
Então, a Imperatriz levantou-se, e ele disse:
— Experimente, ande assim — ensinando-a a dançar.
— Bem, já que o senhor foi tão amável, eu o convido para dançar comigo; vamos entrar no salão dançando juntos. Vai ser uma surpresa para todos do baile, além de uma grande alegria para o Imperador.
Aquilo foi uma sensação no baile e a alegria do Imperador.
Esta historieta, verdadeira, era contada por Dona Lucilia com o intuito de despertar em mim os sentimentos bons, a pena das pessoas que não andam bem, que claudicam, que têm algum defeito, às quais é preciso ajudar.
Isto era contado por ela de um modo tão agradável, que eu ficava suspenso nos lábios dela durante todo o tempo da narração. No dia seguinte eu chegava junto dela e dizia:
— Mãezinha, eu quero mais uma história.
— Qual?
Eu, às vezes, dizia:
— A história de vovô Gabriel com a Imperatriz — e ela então repetia a história.
Assim meu espírito foi amadurecendo.
(Extraído de conferência de 7/8/1993)
1) Desde menino, Dr. Plinio possuía um desvio na coluna, o qual lhe tornava o andar muito penoso.
2) Dr. Gabriel José Rodrigues dos Santos.
As carruagens douradas
O ponto alto de nosso passeio a Versailles foi a visita aos coches da família real, considerados como as carruagens mais lindas do mundo, as quais estavam num edifício separado do palácio.
Eram altas, com rodas grandes e estribos de dois degraus. Algumas eram douradas, com pinturas delicadas e plumas nos ângulos do teto, o que me pareceu a perfeição da beleza. Fiquei pasmo de admiração! Era assim que eu imaginava a carruagem do Marquês de Carabás, da história do Gato de Botas! Parei diante de uma carruagem linda, especialmente ornada: era para o uso do rei e da rainha, toda feita de madeira dourada e cristal ligeiramente bombeado, como uma bombonnière. O que mais me atraiu foram os reflexos e jogos de luz magníficos que aquilo produzia! Senti-me arrebatado por ver aquela maravilha; foi, para mim, quase um êxtase!
Do lado de fora da porta desta carruagem, entre o vidro e o piso, havia uma cena de cores muito suaves, representando um pastor e uma pastora, com cordeirinhos, numa paisagem de aurora, rósea e azul, com uns rios de fundo. Aquela natureza mirífica me parecia tão amiga dos pastores; o verniz martel que cobria a cena dava-lhe um aspecto tão belo, que tive uma impressão de delicadeza de todas as coisas, fascinando-me como sendo o ambiente e a pátria de minha alma.
Para minha felicidade, a porta estava aberta e era possível ver a carruagem por dentro, iluminada. Era uma maravilha! As paredes eram acolchoadas com tecidos magníficos. Havia cordões para os viajantes segurarem-se, com pingentes muito bonitos; assentos revestidos de uma seda de primeira categoria, cuja cor estava entre o cinza quase prateado e o azul muito claro; tapetes…
Dava-me a impressão de um pequeno palácio ambulante! Então, vendo que o interior era conforme à parte externa, tive uma sensação de autenticidade, como uma criança que dá uma mordida num bonito bombom e o acha delicioso. Essa nota acentuou ainda mais o valor que eu sentia na carruagem e não consegui resistir! Entrei correndo e comecei a passar a mão sobre aqueles tecidos, pois embora eu tivesse ótima vista, a minha tendência era sempre tocar. Enquanto não tocasse as coisas, parecia-me que não as conhecera inteiramente! Porém, quando tocava, às vezes quebrava… E isso se prestava a protestos de certas pessoas. Uma tia disse-me então:
— Monsieur Touche-à-tout, não pegue nisso.
Eu respondi:
— Madame Remarque-tout, pense em outra coisa!
Mamãe não gostou da minha resposta, mas eu a achei saborosa. Senti-me muito bem servido com a réplica que dei! Entretanto, meu pai interveio:
— Não pode entrar! Tem de olhar a carruagem de fora. Dê-me aqui sua mão! Quem vai tomar conta de você sou eu.
Ele receava que minha mãe não tivesse força para me segurar… Eu me senti derrotado, fiquei quieto e continuei analisando o coche, entusiasmado, pensando: “Quanta doçura tem aqui! Quanto Jesus Cristo está presente nisto!”
Regalei-me com a carruagem; mas não pela ideia de que seria gostoso entrar nela e passear. Sentia que, em si mesma considerada, ela era delicada, harmoniosa e fina, possuindo uma categoria em função da qual minha alma se sentia “em casa”… Em nenhum momento passou-me pela mente a ideia de possuir a carruagem. Eu queria vê-la e dar graças a Deus por aquilo existir com tanta pompa! E desejava que todos os homens vissem e dessem glória a Deus. A ideia de desejar alguma daquelas maravilhas para mim me pareceria tão louca quanto olhar o céu durante a noite e querer possuir uma estrela.
Seria um absurdo! Do mesmo modo, eu não queria as grandezas da Terra que não fossem proporcionadas a mim, senão para admirá-las. E este meu pensamento era exatamente este: “Vou comprar Versailles com a minha libra esterlina, para poder admirá-lo!” Não me lembro de um panorama no mundo que me tenha deixado tão encantado como aquele coche.
Chegou a hora de sair. Percebendo que eu estava demorando demais junto à carruagem, Mamãe disse várias vezes:
— Meu filho, é preciso ir andando. Vamos embora.
Mas eu não ouvia. Ela ter-me-ia deixado permanecer ali o dia inteiro, se eu quisesse, mas os familiares fizeram certa pressão; ela então pediu a meu pai, que estava um tanto distraído:
— João Paulo, traga o Plinio.
Recordo-me de que ele estava usando capote. Puxou-me pela mão — sem brutalidade, pois era um homem muito pacífico — e disse:
— Plinio, nós agora vamos! Chegou o momento de sair.
Eu não disse nada, mas permaneci onde estava. Ele me puxou um pouquinho mais, dizendo:
— Plinio, vamos!
Eu respondi:
— Não! Nós não vamos.
Ele não esperava essa resposta e disse:
— O quê? Venha logo, estou mandando. Você vai ter de ir embora!
— Não! Vou provar que não vou!
Escapei da sua mão, agarrei-me com ambos os braços aos raios de uma das rodas da carruagem e disse:
— Agora quero ver!
Ele possuía um temperamento muito calmo e indulgente, mas não ia perder tempo com um menino de quatro anos… Lembro-me dele, disfarçando um sorriso e fingindo estar zangado.
Tomou-me pelo braço e disse com afeto:
— Você vai ou não vai? Porque senão eu te levo.
— Eu não vou. Daqui eu não saio. Vou ficar aqui, olhando.
— Você vai ver.
Ele ia resolver isso de modo paterno — ou seja, com um safanão — mas, nesse momento, Mamãe se aproximou e perguntou:
— O que há?
Eu disse:
— Mamãe, diga-me uma coisa: qual é o preço deste castelo?
— Meu filho, há certas coisas no mundo que valem tanto, que ninguém possui dinheiro para comprá-las. Este castelo não tem preço.
Mas continuei, tirando do bolso a minha libra esterlina:
— Não, isso não é tanto assim! Meu tio me deu ontem uma moeda! Quem sabe se, entregando isto, posso ficar dono de Versailles e morar aqui? Vamos falar com o gerente e compramos o palácio!
— Hii, meu filho! Não dá nem para comprar uma pedra do caminho do castelo!
— Mas é de ouro…
Ela sorriu com muita amenidade e explicou-me que, mesmo assim, era impossível. Eu não fiquei muito persuadido, mas tive de aceitar. Foi o primeiro cálculo financeiro que fiz em minha vida e, desde então, nunca consegui bom resultado nas finanças… Então meu pai me suspendeu pelo tronco, tirou os meus braços de lá e levou-me para o táxi, no qual fomos até a estação. Aquilo me deixou profundamente inconformado e muito saudoso da carruagem. O automóvel não me causava o menor interesse, mas tive de ceder diante da força. Comecei a aprender que os acontecimentos da vida nem sempre transcorrem como desejamos…
(Extraído da obra “Notas Autobiográficas”, de Plinio Corrêa de Oliveira)