Para muitas pessoas, a liberdade consiste em fazer tudo quanto seja agradável. Porém, a verdadeira liberdade incide na faculdade de escolher entre a verdade e o erro, entre o bem e o mal.
Estando diante de um auditório com grande número de jovens, parece-me oportuno tratar de um tema que interessa a todos.
Por toda parte ouve-se falar de liberdade. A Revolução Francesa teve um lema intitulado: “liberdade, igualdade, fraternidade”. Os revolucionários entendiam que os três maiores bens na vida do homem eram: ser livre, liberdade; não ter ninguém acima nem abaixo de si, igualdade; e todos os homens conviverem entre si como irmãos, fraternidade. Então, liberdade, igualdade e fraternidade eram o supremo bem.
Segundo eles, a liberdade e a igualdade produziam a fraternidade. Desde que os homens fossem inteiramente livres de fazer tudo quanto quisessem, fossem totalmente iguais — não houvesse nenhum superior nem inferior —, eles se sentiriam completamente irmãos. Então, a fraternidade seria uma flor nascida dessa dupla semente da liberdade e da igualdade.
Tenho certeza de que desde o tempo da Revolução Francesa, portanto a partir de 1789, a humanidade mais ou menos viveu com essa ilusão de que a liberdade, a igualdade e a fraternidade eram três princípios que orientariam a vida humana e que dariam aos homens a felicidade nesta Terra. Assim se compreende que haja estátuas levantadas em honra da liberdade, por exemplo, a famosa situada na entrada de um rio em Nova York, que foi mandada de presente pela França para os Estados Unidos, a fim de celebrarem o fato de que ambos os países eram, ou pretendiam ser, construídos sobre a base do tríplice princípio da liberdade, igualdade, fraternidade.
Hippismo e o lema “liberdade, igualdade e fraternidade”
A afirmação mais moderna desses princípios encontra-se no “hippismo”.
Considerada a vida dos hippies naquilo em que ela se diferencia da existência de um rapaz que anda pela rua, tem um emprego e leva uma vida comum, a grande diferença é exatamente a liberdade.
O hippie perambula de um lado para outro e faz o que quer. Ele não tem residência nem obrigação fixa; não possui vínculo fixo com ninguém. Não se casa, também não se divorcia. Mesmo quando esteja casado, ele abandona a mulher quando quiser; muitas vezes, nem mesmo tem uma mulher fixa.
A fim de ter o mínimo para viver, o hippie exerce um trabalhinho qualquer; não tem o intuito de constituir um capital para adquirir uma casa boa, um automóvel e organizar a sua vida. Por quê? No fundo, ele tem a ideia de que essas coisas lhe tiram a liberdade; e ele quer perambular o dia inteiro de um lado para outro, fazer o que entende, viver solto numa cidade, mais ou menos como um índio vive na floresta.
O que pode distinguir, por exemplo, um índio que vive na floresta, de um aldeamento de gente civilizada dentro da floresta? É que os civilizados se estabelecem, logo dividem aquela área em residências; estas têm proprietários; normalmente eles se casam, constituem família, em relação à qual, quer dizer, àquela mulher, àqueles filhos, todos têm obrigações uns com os outros, se entreajudam e por causa disso têm condições de realizar uma vida normal, progredirem etc. Eles têm necessidade de um afeto, de uma amizade estável, enquanto os hippies não sentem necessidade de nada disso e vagueiam de um lado para outro como os animais.
Mesmo entre os animais podemos distinguir os gregários e os não gregários. Os primeiros formam grupos, vivem em bandos; os que não são gregários vivem sozinhos.
O hippie não aprecia o raciocínio. Para ele, o raciocinar é algo que tolhe um pouco a liberdade. Gosta de imaginar, de vagabundear pela imaginação como os passos materiais dele vagabundeiam pela cidade.
E, com aquele resíduo mínimo de lógica que existe na cabeça de todo homem, ele se sente livre e acha que os outros são comprometidos, amarrados, algemados.
De outro lado, os hippies se sentem iguais, porque não acumulam dinheiro e entre eles ninguém quer exercer o mando. Os aqui presentes nunca ouviram a frase: “Fulano é o chefe de tal grupo de hippies.” Eles não têm chefe. Pode haver um grupo de hippies, que vivem 24, 48, 72 horas juntos, mas se dispersam “por dá cá aquela palha”; não têm nenhuma continuidade.
E nós, como católicos, devemos compreender por que esse modo de conceber a vida é oposto à Lei de Deus. O que há de sábio na Lei de Deus é o contrário do que existe de errado no princípio do “hippismo”, que é a liberdade, a igualdade e a fraternidade, entendidas de um modo ultrarradical, levado até as suas últimas consequências.
O nosso tema está, portanto, enunciado; vou agora começar a tratar dele.
Proibir o mal significa garantir a liberdade
Imaginemos um menino travesso de dez, onze, doze anos, que tenha o hábito de, acompanhado por mais três, quatro, cinco meninos, seus amigos ou irmãos, brincar com espadinhas feitas de taquara. E a brincadeira consiste em fingir que vai furar o olho do outro menino.
Um pai ou uma mãe vê essa brincadeira e a proíbe; recolhe todas as espadinhas de bambu e as entrega para a cozinheira queimá-las; o menino que for apanhado querendo brincar de furar o olho do outro, é punido.
Pergunta-se: O pai ou a mãe, proibindo o menino de brincar assim, exerceu um ato de tirania ou, pelo contrário, protegeu a liberdade da criança?
A resposta é: Essa brincadeira pode cegar um ou até mais de um menino, causando-lhes um desastre para a vida inteira. As crianças que brincam assim, o fazem por falta de entendimento; elas são vítimas de uma debilidade que há nessa idade, por onde não têm o raciocínio exato. Fazem uma brincadeira que é contrária ao verdadeiro interesse delas. E contrária à natureza delas, porque a natureza do homem consiste em ter dois olhos que funcionem bem; e quando não funcionam é preciso operar, dar um jeito qualquer.
Portanto, os pais garantem a liberdade da criança defendendo o direito dela não ser cega, de viver de acordo com sua natureza, e proibindo-a de fazer o que quer.
Mas, no fundo, é uma proibição na aparência; de fato, é uma garantia da liberdade. Numa idade extremamente jovem, a criança faz coisas que não são racionais, ela é vítima da tirania da falta de maturidade. Para defendê-la contra essa tirania, os pais obrigam-na a fazer uma coisa ou outra.
Dormindo sobre o parapeito de um terraço
Quando eu era menino, tinha uns oito ou nove anos, na minha casa havia um terraço dando para o jardim; era um local batido por ventos, agradável, uma construção em estilo antigo com uma colunata sobre a qual existia um parapeito largo.
Eu estava estudando nesse terraço, e via os tico-ticos, muito abundantes no jardim, que pousavam naquele parapeito, corriam e saíam voando. Às vezes eles abriam as asas e tomavam vento; e eu tinha loucura por tomar vento. Em certo momento, saíam voando, e eu ficava devorado por um secreto desejo de voar também.
Certo dia pensei o seguinte: “Bem, vou parar esse estudo — primeira coisa que eu não devia fazer; mas, sobretudo quando eu tinha que estudar Matemática, o convite era ardente a fim de cessar o estudo imediatamente — e deitar-me em cima do parapeito deste terraço para dormir; meu sono não será muito profundo, mas terei a sensação de um passarinho quando está aqui…”
Deitei-me. Não sei quanto tempo fiquei dormindo lá.
Para tirar-me desse local, do modo mais amável do mundo e sorrindo, sem me causar nenhum susto, Mamãe bateu levemente em mim; acordei e olhei para ela. Eu toda a vida tive uma atração enorme por Mamãe, ainda mais estando ela sorrindo; então, virei-me para o lado de dentro do terraço a fim de acariciá-la. E pensei que ela fosse me acariciar também. Mas não.
Ela me falou com uma seriedade que me deixou pasmo, dizendo que eu precisava prometer-lhe que nunca mais deveria fazer isso. E de fato nunca mais dormi no parapeito do terraço.
Dona Lucilia, fazendo isto, diminuiu a minha liberdade? Ou, pelo contrário, ela garantiu a minha liberdade contra a imbecilidade de minha idade?
Todos assim compreendem que proibir uma pessoa de fazer uma coisa que é contra o bom senso, contra a razão, é uma defesa da liberdade.
Policiais que impedem pessoas tentadas de se atirarem do alto das pontes
A vida é um vale de lágrimas, nela tudo é assim. Quando nas grandes cidades há rios muito grandes, constroem-se sobre eles pontes em geral bonitas, às vezes são verdadeiras obras-primas.
Sobretudo quando são pontes edificadas até o começo do século XX. E quando a ponte é bonita, há muita gente que fica parada sobre a mesma, olhando a água passar, as lanchas, canoas e outras embarcações.
Mas acontece que alguns têm a tentação de se jogar para baixo e se matar. Em São Paulo, por exemplo, algum indivíduo de vez em quando se lança do Viaduto do Chá. Está muito aborrecido, para num daqueles parapeitos feios do viaduto e começa a olhar para baixo; em certo momento, pensa: “Homem, se eu me jogasse, acabaria com essa vida…” E se joga.
Por causa disso, em alguns lugares, a polícia manda vigiar o pessoal que para sobre as pontes. E quando um começa a dar provas de que vai se jogar, os policiais têm a incumbência de ir correndo e agarrá-lo. Quando um policial agarra uma pessoa que vai se suicidar, ele limita a liberdade dela? Não! Ele assegura à pessoa a liberdade de viver, que, num momento de crise, foi ameaçada pela incapacidade de enfrentar as dificuldades da vida. Quer dizer, defende a pessoa contra movimentos errados, por onde ela agiria contra a sua própria natureza.
Então, na aparência o policial que agarrou o suicida limitou a liberdade deste; de fato, ele garantiu o direito do suicida viver, contra uma debilidade que está na natureza humana, ou seja, a de querer acabar com a própria vida por causa de certas circunstâncias — o que não é razoável, não é direito, não é sério.
A boa ordem da natureza
Chegamos assim ao seguinte princípio: Tudo quanto é conforme à boa ordem geral da natureza, tudo quanto é razoável o homem, em princípio, deve ser livre de fazer. Mas quando uma coisa não é razoável, é contrária à boa ordem da natureza — contrária à boa ordem da natureza dele, ou da natureza ambiente —, ele deve ser proibido de realizar.
Isso é uma defesa da liberdade dele e dos outros. Porque nunca existe a liberdade de um homem agir contra o seu próprio interesse. A liberdade consiste em que o homem proceda de acordo com o seu interesse. E que significa “seu interesse”? Não é o interesse do gatuno, de apropriar-se dos bens dos outros. Mas o interesse da natureza humana que há nele, que o leva, por exemplo, a trabalhar para ganhar dinheiro a fim de viver honestamente; isto é a boa ordem da natureza, dentro da qual o homem é livre. Quando é uma coisa contrária à boa ordem da natureza, ele não é livre; a liberdade para ele é um mal. E agarrá-lo, privá-lo dessa liberdade, é um bem.
Há povos que, por terem um conceito errado de liberdade — e nem possuem essa noção de ordem natural que acabei de expor —, descem tão baixo que fazem coisas verdadeiramente absurdas; e às vezes são povos muito civilizados.
Viúvas eram queimadas vivas…
A Índia, por exemplo. Até o século XIX, quando os ingleses tomaram conta desse país, havia o seguinte hábito. Ao morrer um marajá, quer dizer, um príncipe, ou um brâmane, isto é, um sacerdote — os sacerdotes em todas as religiões podem casar-se, exceto na Religião Católica — ou qualquer pessoa de alta categoria, a viúva devia ser queimada viva.
Então, nos funerais de um marajá, por exemplo, iam animais sagrados para serem queimados, servidores que tocavam músicas fúnebres, e em certo momento do cortejo surgia um carrinho todo enfeitado com matéria preciosa, digamos, revestido de ouro, com tecidos finos, cortinas abaixadas, pessoas na frente e atrás, tocando flautas. Às vezes havia carpideiras, ou seja, mulheres que ganham para chorar.
Quando um grande sacerdote, um pontífice, um príncipe, etc., morria, julgava-se que era bom dar a impressão de que foi muito chorado. Mas às vezes nos funerais ninguém chora. Então contratavam essas choradeiras para irem chorando; elas recebiam um tanto e voltavam para casa. E há pessoas que têm uma facilidade de chorar extraordinária!
De acordo com Santo Agostinho, um país perfeito é aquele onde Deus é amado sobre todas as coisas.
No interior do carrinho vinha a esposa do príncipe falecido e, ao final do cortejo, ela era amarrada e lhe ateavam fogo.
Quando a Inglaterra se sentiu firme para poder mandar na Índia, ela proibiu esse rito. Fazendo essa proibição, a Inglaterra tirou a liberdade aos hindus de serem assim, ou libertou-os do mau hábito? Ela libertou os hindus do mau hábito.
Termino com mais um exemplo.
Rodelas colocadas nos beiços
Lembro-me, ainda em tempo de menino, do susto que tive, folheando uma revista; de repente vi uma fotografia de uma pessoa com a cabeça caracteristicamente rapada e com uma rodela metida no beiço inferior e outra no beiço superior. De tal modo que, para falar, ela movimentava essa espécie de castanhola, não tocada pelos dedos, mas pelos beiços.
Fiquei horrorizado e fui imediatamente pedir explicações aos mais velhos. Causou-me espanto o fato de que os mais velhos não pareciam horrorizados; porque todos eles já sabiam do que se tratava.
Eu disse, creio que ao meu pai:
— Olhe aqui que coisa horrorosa!
Ele, com toda a placidez:
— Ah, isso é lá na África!
Perguntei:
— Mas como? Na África não se proíbe isso?
— Hoje parece que já está proibido.
Continuei:
— Mas eles passam a vida inteira assim?
— Habituam-se. Quando a gente se habitua não tem nada.
Posteriormente eu soube que os colonizadores, ao chegarem naquelas regiões, acabaram com esse hábito. Eles privaram aquelas pessoas de um hábito legítimo? Não! Eles impediram um mau hábito, que era contrário à natureza.
Imaginemos que uma pessoa tivesse uma doença por onde ficasse com os beiços assim; ela pagaria qualquer valor para fazer uma operação, a fim de ficar com os lábios normais. Pois seria uma vergonha medonha sair à rua e começar a mexer uma beiçorra com essa forma; simplesmente um horror.
A autoridade pode ser comparada ao corrimão de uma escada
Portanto, está bem claro o princípio: Quando uma nação, um povo, um particular se deixa arrastar a um hábito contrário à sua própria natureza, ele sofreu a debilidade, a tirania do seu lado mau, que o leva a querer fazer coisas contrárias à sua própria natureza. Logo, a liberdade consiste em defendê-lo, proibindo-o de fazer aquele ato mau.
Eu comparo a autoridade que proíbe o indivíduo de trabalhar contra a sua própria natureza, ao corrimão de uma escada.
Ninguém vai dizer que o corrimão limita a liberdade do indivíduo, porque este tem vontade de andar na beiradinha da escada e não pode fazê-lo…
Percebemos assim o erro do liberalismo, que afirma o princípio pelo qual o indivíduo deve fazer tudo quanto é gostoso. E proibir uma pessoa de fazer uma coisa gostosa é atentar contra a liberdade dela.
Pelo contrário, o princípio de autoridade é aquele que protege a razão, a natureza humana. Quer dizer, leva o homem a agir de acordo com a sua natureza; e a razão nos manda agir de acordo com a nossa natureza.
Os dez Mandamentos e a ordem natural
Assim sendo, examinemos as leis mais sábias que há no mundo: os dez Mandamentos da Lei de Deus.
A respeito dos dez Mandamentos da Lei de Deus, Santo Agostinho enuncia um princípio muito bonito. Diz ele: “Imagine um país onde todo o mundo cumprisse os Mandamentos — naquela época os países eram pequenos reinos. O rei, os ministros, os generais, todo homem do povo cumprem os dez Mandamentos. As leis feitas pelo rei são perfeitas, porque estão de acordo com os dez Mandamentos, e a obediência que os súditos prestam a essas leis fazem com que o Estado ande eximiamente.”
Suponhamos uma família onde pai, mãe e filhos cumpram os dez Mandamentos: é a família perfeita. Os dez Mandamentos mandam agir de acordo com a natureza; por isso tudo é tão exímio. Deus é Autor da natureza, e todos os Mandamentos contêm um princípio de acordo com a ordem natural posta pelo Criador; por causa disso o cumprimento dos dez Mandamentos leva à perfeição.
Então, um país onde se ama a Deus sobre todas as coisas; não se toma o seu santo Nome em vão; respeitam-se os dias santificados; não se mata; não se rouba; honra-se pai e mãe; não se peca contra a castidade; não se deseja a mulher do próximo; não se cobiçam os bens alheios; um país onde todo mundo seja assim é necessariamente perfeito.
“Rock and roll” e minueto
E o “hippismo” é a negação mais categórica da razão, do bom senso, da ordem natural. O hippie proclama-se independente de Deus, das regras que todas as coisas devem seguir. Se num país todo mundo se torna hippie, a geração seguinte começa a ficar selvagem.
Uma coisa que indica bem isso é o rock and roll, a dança do hippie.
Façamos uma comparação do rock com o minueto.
O minueto é uma dança que se praticou até mais ou menos cem anos antes de começar a Revolução Francesa. Foi a mais nobre, a mais delicada e a mais bela das danças que existiu durante o Ancien Régime1. Músicas delicadas e homens e senhoras faziam cumprimentos uns para os outros etc., formando figuras geométricas na sala, uma espécie de desenho animado; ficava uma verdadeira maravilha. Era o raciocínio quase geométrico inspirando a dança. Esse era o minueto.
E no rock não se dança, pula-se. O indivíduo sente umas golfadas por onde ele tem vontade de dar saltos de um lado para outro e pula. O raciocínio já está banido. Quem dança rock é escravo; o homem livre é capaz de compreender e dançar o minueto.
(Extraído de conferência de 17/1/1987)
1) Período da História da França que precede a Revolução Francesa.