Dona Lucilia era transbordante de afeto para com seu filho; porém, nunca o elogiava…
Mamãe era exuberante em afetos para comigo, mas não em comentários. Mesmo nas ocasiões mais propícias para me comentar, ela não o fazia, nem perto nem longe de mim. E, durante a nossa tão longa convivência, quase não me chegaram aos ouvidos elogios dela a meu respeito.
Jamais alimentar a megalice
As cartas dela a mim dirigidas, por exemplo, eram cheias de afeto, o qual continha uma espécie de consideração, quase diria de admiração. Embora ela não pusesse um elogio, pelo modo de me chamar “filhão querido” percebia-se que a alma dela transbordava de contentamento ao tratar comigo. E nesse transbordamento vê-se que havia um apreço, uma consideração, mas que ela não dizia.
Por que ela não dizia?
Nunca perguntei a ela, mas tenho a impressão de que mamãe achava mais grato em relação a Deus não dizer, para praticar a virtude da humildade e evitar qualquer megalice1 de minha parte. Ela era cuidadosíssima nesse ponto.
Lembro-me de que, em certa ocasião, uma contraparente nossa, que havia sido educada com mamãe em menina, foi visitá-la; nós estávamos acabando de almoçar e, como era uma senhora muito próxima à família, ela entrou diretamente na sala. Começamos a conversar e em certo momento essa contraparente disse: “Lucilia, você tem um filho perfeito. Em nossa casa, sempre que queremos dizer que um filho é perfeito, dizemos: ‘Um filho à moda do Plinio.’”
Éramos apenas três pessoas; olhei para o rosto de mamãe e notei uma tranquilidade, uma serenidade completas, como se ela não tivesse entendido o que a outra afirmara. E deu-me a impressão da vontade dela em evitar qualquer comentário que me pudesse fazer mal, de medo da megalice e coisas do gênero; no que ela tinha razão, porque se deve temer a própria megalice e a megalice de todo mundo.
Humildade de Dona Lucilia
Havia uma pessoa de nosso convívio que a queria muito bem e era bem-querida por mamãe. E essa pessoa tinha um genro aproximadamente de minha idade, e que começou a advogar mais ou menos quando eu obtive o meu diploma de advogado. De maneira que iniciamos a profissão de advogado praticamente ao mesmo tempo.
Mas eu tive certa dificuldade em desenvolver a advocacia porque era muito boicotado. O outro rapaz não combatia ninguém, era até favorecido, de modo que ele tinha muitos clientes e eu poucos. Considero mesmo que não foi sem uma proteção especial que meu escritório, depois de alguns anos de pouco serviço, se tornou muito movimentado e com a melhor advocacia eclesiástica de São Paulo. A meu ver, foi um favor da Providência.
Então, na aparência o genro dela ia para a frente e eu estava mais ou menos parado. Essa pessoa ficava muito contente com isso e, quando ia à nossa casa, fazia elogios ao genro, contava o que havia acontecido no escritório dele, que resultados tinha tirado, dando a impressão de que ela gostava de realçar o sucesso do genro e a dificuldade que eu encontrava em caminhar.
E numa ocasião eu disse a mamãe:
— A senhora não tem essa mesma impressão, quando fulana elogia o genro dela?
Falei com cuidado porque mamãe queria muito bem a essa fulana; estávamos almoçando e ela comia com aquela distinção, tranquilidade e confiança na Providência, que nunca deixou de ter. Ela me respondeu:
— Eu acho que é assim.
Acrescentei:
— A senhora algum dia não dará um cutucão nela?
Eu também devo olhar-me como ela me via: não prestar atenção nas qualidades que eu possa ter, mas apenas nos meus defeitos, para combatê-los e corrigir-me.
Havia muitas outras coisas que minha mãe poderia responder. Mas ela disse:
— Coitada, ela fica tão contente assim… Deixe-a fazer dessa maneira. Ao menos isso lhe dá satisfação.
Percebi, então, toda a humildade de mamãe e como ela não gostaria de ter uma conduta de fanfarronada, para pisar a outra. Mamãe deixava que aquela fulana a pisasse um pouco, desde que ficasse contente. A bondade dela se prestava a isso.
Achei tão bonito que não disse mais nada.
Não devemos nos comparar com ninguém
Quanto a mim, eu também devo olhar-me como ela me via: não prestar atenção nas qualidades que eu possa ter, mas apenas nos meus defeitos, para combatê-los e corrigir-me. Nunca devo me comparar com ninguém, não me perguntar se outro é mais inteligente que eu, ou menos.
Por que não devo estar prestando atenção em qualidades que eu tenha?
Porque automaticamente minha fantasia tende a aumentar essas supostas qualidades.
Imaginemos que um dos presentes escreva um trabalho para a respectiva escola, que seja premiado com nota dez e o professor até lhe dê um abraço. Se ele não contar esse sucesso em sua casa, e na sede de nosso Movimento apenas informar ao seu superior imediato, e a mais ninguém, fará uma coisa gratíssima a Nossa Senhora, porque agirá como Ela agiu durante a vida inteira.
(Extraído de conferências de 10/12/1994 e 3/4/1995)
1) Termo criado por Dr. Plinio a fim de designar o vício de quem atribui a si mesmo qualidades que não possui ou então as exagera.