Isenta da culpa original, Nossa Senhora resplandece por sua excelsa inocência e perfeita sabedoria. Sobre estas duas prerrogativas, Dr. Plinio tecerá piedosas considerações para seus filhos espirituais, movido pela admiração e devoção marianas.
O que queremos dizer quando nos referimos a Nossa Senhora como Imaculado e Sapiencial Coração de Maria?
Coração perfeito e harmônico de Maria
O Coração de Nossa Senhora é o símbolo de sua alma e santidade, de suas altíssimas cogitações; o Coração d’Ela é Imaculado, porque Ela foi concebida sem o pecado original. Tudo o que procede de uma pessoa imaculada é sem mácula, e dizer que o Coração de Maria é Imaculado marca uma diferença abismática entre Ela e nós.
Porque nós somos concebidos no pecado original, e por mais que progridamos na vida espiritual, sempre teremos as más inclinações contra as quais precisamos lutar até o fim da vida. Não temos culpa em tê-las, mas precisamos detestá-las, negar-lhes toda e qualquer adesão de nossa vontade.
Temos um exemplo com Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo e Doutor da Igreja, Fundador da Ordem dos Redentoristas. Ele sofria tentações tremendas contra a pureza; embora fosse castíssimo, ele possuía este mau impulso interior, e, até depois de ancião, com mais de oiten ta anos, quando já não podia andar e se locomovia de cadeira de rodas, as tentações contra a pureza eram, para ele, uma verdadeira dificuldade.
Com Nossa Senhora, isto não acontecia. N’Ela, nenhum dos impulsos era mau, mas todos se regiam devidamente pela razão, e esta, por sua vez, era inspirada pela graça, de maneira que n’Ela tudo era harmônico, perfeito, tudo estava continuamente voltado para o bem. E, quando denominamos “Imaculado Coração de Maria”, queremos caracterizar esta tal pureza, que Ela nunca teve nem o menor pendor e a menor inclinação para o mal, nem no que diz respeito à castidade, nem em qualquer outra virtude.
Considerar o Universo desde seu aspecto mais alto
Agora o que é que vem a ser a sapiencialidade do Coração de Maria?
Evidentemente, o Coração Sapiencial é o Coração cheio de sabedoria. Sapientia, em latim, se traduz para o português em “sabedoria”. Mas, o que vem a ser propriamente a “sabedoria”, e por que o Imaculado Coração de Maria é Sapiencial?
A virtude da sabedoria é aquela que nos confere uma visão das coisas pelos seus aspectos mais elevados, e que, por isto, faz-nos ver tudo a partir de uma maravilhosa unidade; se o mundo é organizado em forma de pirâmide, quanto mais analisamos o universo pelos seus aspectos mais altos, tanto mais nossas considerações vão se ajuntando umas às outras, até atingir o ponto extremo, que é a existência de Deus, Ser absoluto, infinito, perfeito, eterno, que jamais poderá sofrer nenhuma alteração, nenhum fim, que Se basta perfeitamente a Si mesmo, e que é o Criador, o Modelo e o Fim de todas as coisas.
Esta concepção das criaturas pelo seu aspecto deiforme – porque o mais alto aspecto de qualquer coisa é o por onde ela espelha a Deus, a Nosso Senhor –, esta consideração faz com que a mente tenha uma unidade admirável, uma coerência extraordinária, isenta de contradições, sem dilacerações, nada de hesitação, mas caracterizada pela certeza, fé, convicção, coerência, firmeza, desde os mais altos princípios até as menores coisas.
A sabedoria torna a inteligência soberanamente límpida e lúcida, porque enche-a da convicção da existência de Deus, de fé no sobrenatural. Uma inteligência límpida e lúcida, por sua vez, sumamente coerente, torna a vontade forte, firme, inabalável, constantemente voltada para o fim que ela deve ter em vista e para a hierarquia em que este espírito se põe. Isso nos mostra o todo do homem sapiencial.
Esta é a fisionomia moral do varão verdadeiramente católico: coerente em tudo, porque tudo nele provém das mais altas reflexões do espírito, daquelas que se ancoram em Deus Nosso Senhor.
A virtude da sabedoria é uma virtude que contém, portanto, todas as outras virtudes, e ela está posta no Primeiro Mandamento da Lei de Deus. Quando o Decálogo nos prescreve: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo teu coração, de toda tua alma, de todo teu entendimento”, revela, no fundo, como era Nossa Senhora. A alma d’Ela era supremamente elevada, grandemente soberana, soberanamente séria, seriamente profunda, porque Ela era o Vaso de Eleição no qual pousou o Espírito Santo para fazer seu conúbio com Ela e gerar Nosso Senhor.
“Magnificat”: um poema da Contra-Revolução
O Magnificat é a única oração que conhecemos como dita por Nossa Senhora e é uma verdadeira maravilha de sabedoria! Eu, numa ocasião, já fiz uma análise do Magnificat e não é o caso de repeti-la neste momento, mas desejo apenas mostrar o que há de “sapiencialidade”, na primeira palavra do Magnificat.
Magnificat, quer dizer engrandecer. Magnificat anima mea Dominum. Quer dizer “a minha alma engrandece o Senhor”, ou seja, em outros termos isso significa: “a minha alma está enlevada com a grandeza do meu Senhor”. Deste modo, Nossa Senhora adora a seu Senhor na sua perfeita e insondável grandeza, e cantando a grandeza do seu Senhor, dá-lhe um aumento extrínseco.
A melodia com que Ela entoou e a palavra com que Ela irrompe seu cântico são de suma grandeza. É o cântico de uma alma nobilíssima, que voa para considerar a Deus nos seus mais altos aspectos, e depois volta, por um contraste harmônico e maravilhoso, para a consideração de seu próprio nada. “Minha alma engrandece o Senhor e o meu espírito exultou em Deus, meu Salvador”.
Por quê? “Porque considerou a humildade de sua escrava e, por causa disto, todas as gerações Me chamarão Bem-Aventurada”. Que beleza isto! Pela sabedoria, Ela mediu toda a grandeza de Deus, tanto quanto uma mente criada pode medir, e Se alegrou por isso; de outro lado, Ela mediu sua pequenez, e então diz: “Eu Me alegro em Deus, meu Salvador, porque Ele olhou para a pequenez de sua escrava”. É um poema de Contra-Revolução, que aí está contido. É a Escrava que Se encanta de ser escrava, de ser pequena, e Se encanta por ver como Deus Lhe é infinitamente superior; e do fundo de seu nada, dá glória a Deus.
Encantando-se com a pequenez, amando a grandeza
E depois diz: “Meu espírito exultou n’Ele, porque Ele olhou para Mim que sou tão pequena”. É o pequeno que reconhece a sua pequenez, e que agrada em ser pequeno, que não se revolta, não se indigna, mas se coloca no último dos últimos lugares, no último dos papéis.
Nada há de mais vil do que a condição de escravo: ele é um nada, sem direitos, colocado abaixo da condição comum do homem. Pois Nossa Senhora Se proclama “Escrava de Nosso Senhor”, Precursora de todos os escravos que Ela teria ao longo dos séculos. Ela Se encanta de ser nada, de ser a “Escrava do Senhor”. E foi graças à pequenez dessa Criatura, e de uma Criatura Escrava, “que meu Senhor Se dignou deitar os olhos e por isto Eu exulto, porque sou pequena e porque Deus é grande e porque a Grandeza amou a pequenez!”
Notem como isto é profundamente contrarrevolucionário, e para dizer tudo numa palavra só, como é profundamente o oposto ao espírito da Revolução Francesa, do Comunismo, tão oposto, que é até quase uma blasfêmia fazer alguma comparação.
Aí está a verdadeira humildade que ama seu lugar e a pequenez de seu lugar, mas adora e se enleva com a grandeza, ainda que não seja dona da grandeza. Pelo contrário, proclama que a grandeza é dona d’Ela.
É isto que meditamos quando consideramos o Coração Sapiencial de Maria.
Devemos, pois, pedir a Nossa Senhora que nos faça puros e sapienciais como Ela; que nos faça amar nossa pequenez e a tomar a sério e até às últimas consequências, nossa escravidão a Ela. De outro lado, que nos admiremos com a grandeza d’Ela e com tudo quanto seja grande. Assim a Grandeza nos olhará e poderemos nos encantar com este debruçar amoroso da grandeza sobre a pequenez.
(Extraído de conferência de 21/8/1968)